domingo, 20 de março de 2011

Obama e a coragem presidencial


É difícil buscar opções de intervenção externa na Líbia que sejam totalmente livres de riscos. E à medida em que Muammar Khadafi aumentou o cerco aos rebeldes, Barack Obama, como é de costume, se manteve cauteloso, considerando por semanas se havia algo a ser feito, até ordenar (do Brasil) um ataque de mísseis às forças do general líbio. Seu comportamento levanta um pergunta que vem perturbando a sociedade norte-americana. Até agora, Obama em algum momento deu sinais de uma verdeira coragem política? Com mais de dois à frente do cargo, é surpreendentemente difícil lembrar de alguma ocasião em que o presidente tenha se mostrado corajoso.
É verdade que Obama enfrentou várias adversidades em sua reforma da saúde, mas quando ela entrou em ação teria sido mais arriscado para ele ter aceito a derrota, do que ter seguido em frente. Ele gastou cerca de US$ 1 trilhão no pacote de estímulo econômico e resgatou as montadoras automobilísticas. Mas, apesar de polêmicas, ambas as medidas tiveram bastante apoio, o que fazem delas decisões ousadas, mas não necessariamente corajosas. Se a coragem política significa adotar uma posição clara contra a maioria, com base em algum instinto ou princípio, é muito mais fácil listar os casos em que Obama preferiu manter a discrição.
Ele manteve a prisão de Guantánamo aberta, apesar de prometer por diversas vezes que iria fechá-la. Ele reforçou o número de tropas no Afeganistão, mas definiu uma data para sua retirada, numa cautelosa tentativa de minimizar possíveis decisões erradas. Ele defendeu a paz na Palestina, mas voltou atrás ao primeiro sinal de oposição doméstica. Ele criou uma comissão bipartidária para lidar com o déficit, mas se afastou de suas recomendações. Ele declarou que deixaria os cortes de gastos da era Bush vigorarem para os ricos, mas mudou de ideia após as eleições estaduais. Seu apoio ao direito dos homossexuais é marcado pela cautela, assim como sua posição no controle de armas de fogo. Ele evitou criticar o tratamento dado ao soldado Bradley Manning, o suposto informante do WikiLeaks, mantido em confinamento solitário pelos fuzileiros navais, e obrigado a permanecer nu fora de sua cela todas as manhãs. Ele despediu um membro das Forças Armadas que expôs sua opinião sobre o caso.
Se Obama não é corajoso, ele é um covarde? Essa afirmação é um exagero: a política, a arte do possível, não significa determinar um limite e marcar sua posição. A coragem é uma virtude em um presidente, assim como cálculos frios e a habilidade de evitar riscos também são. Se esses são os traços dominantes do presidente, alguns dirão que eles são muito bem-vindos, considerando a impetuosidade marcial de seu antecessor.

Discrição estratégica?
Uma interpretação do cenário é a de que Obama está sendo calculista, e não covarde. Guantánamo? Enquanto a ameaça terrorista continuar, será possível alegar que é necessária a existência de um local no qual seja possível deter suspeitos sem julgá-los. Palestina? Talvez a obstinação dos atores locais faça da paz algo inatingível, independentemente de seus esforços. Controlar o deficit parece praticamente impossível enquanto os republicanos se recusarem a aumentar os impostos. Taxar os ricos? Ele não teve que recuar depois que os democratas perderam a Câmara, e ao menos conseguiu aumentar os gastos com a população mais pobre em troca. No caso dos direitos dos gays, ele eventualmente reverteu a proibição de homossexuais assumidos de servirem nas Forças Armadas, e está tornando sua oposição ao casamento gay mais flexível. No caso das armas, ele – e a maioria da população norte-americana – concorda com a Segunda Emenda da Constituição, que garante a cada cidadão o direito de portar armas, embora ele queira manter essas armas longe de mãos perigosas.

Uma interpretação do cenário é a de que 
Obama está sendo calculista, 
e não covarde.

O sonho versus a cautela

Em todos esses casos Obama buscou o meio-termo, realizando acordos quando possível, e evitando brigas que não podia vencer, de maneira prática e realista. Mas todos se lembram que seu slogan de campanha era “yes, we can” (“sim, nós podemos)”, e em vários casos ele não atendeu às necessidades daqueles que esperavam um presidente que realizasse transformações profundas. Os únicos que o veem desta forma atualmente são conservadores delirantes que afirmam que ele está transformando os Estados Unidos em uma distopia secular socialista.
Talvez as expectativas sejam o problema. Teddy Roosevelt acreditava que os presidentes deveriam “inspirar o povo com o fogo que queima suas próprias almas”. Na verdade, poucos presidentes fizeram tantas mudanças nos Estados Unidos. Essa é a natureza que rodeia o cargo, embora os eleitores costumem se esquecer disso. Esse “culto à presidência” foi explorado brilhantemente em um livro do mesmo nome, em 2008. Seu autor, Gene Healy, observou que, apesar da decepção da era Bush, os norte-americanos estavam novamente intoxicados pela aura de esperança que cercava Obama. Ele previu que a população novamente se arrependeria de seu encanto com “a falsa promessa do poder presidencial”.
De fato, foi o que aconteceu. No caso específico da política doméstica, o presidente é avaliado a cada momento. Um ministro da Fazenda britânico apresenta o orçamento na Câmara dos Comuns e ele entra em vigor. Quando Obama envia seu orçamento ao Congresso, isso é parte de um processo muito mais longo, no qual o presidente tem poucas chances de vencer a disputa. Essa é a explicação que seus defensores apresentam quando o presidente é acusado de falta de coragem: ele herdou um país à beira do caos, seu poder é cercado de restrições e ele ainda está na metade de seu mandato. Eles pedem que Obama tenha um pouco de sossego, afinal, às vezes, ser discreto é realmente um traço muito importante.
Há também o perigo de que Obama não esteja sendo suficientemente exigido. Ele fez da audácia e da esperança suas plataformas, logo, ele deve responder pelos rumos de seu mandato. Com exceção da reforma da saúde, as grandes disputas – no caso do aquecimento global, da imigração e do déficit – foram deixadas de lado, e muitas disputas menores foram esquecidas.
A coragem política é difícil de ser definida, mas fácil de ser reconhecida. George H. W. Bush aumentou os juros e pagou por isso com seu cargo. Lyndon Johnson aprovou a Lei de Direitos Civis sabendo que isso custaria aos democratas a perda do Sul. O tão execrado George W. Bush mostrou um momento de bravura, quando desafiou o mundo todo e se recusou a abandonar o Iraque no caos, em 2007. Obama encontrará essa mesma coragem quando sentir que ela vale a pena. Tudo o que se pode dizer por enquanto, é que isso ainda não aconteceu. E enquanto isso, a Líbia e o Bahrein ardem em chamas.
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Tradução por: http://opiniaoenoticia.com.br/ 20/03/2011

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