domingo, 20 de março de 2011

Vaidade humana, demasiada humana!

Narciso (1594-1596), por Caravaggio

“Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes,
vaidade das vaidades! Tudo é vaidade” (Ecle, 1, 2).

A vaidade é humana, demasiadamente humana! Eis um pleonasmo necessário. Sim, porque muitas vezes são precisamente tais características as que menos se tornam objeto de nossas reflexões – e não me refiro aos exercícios mentais filosóficos, sociológicos, etc., mas sim à atitude que, me parece, deveria pautar nossas ações cotidianas. Comecemos por assumir que, em menor ou maior grau, somos vaidosos. Já os antigos, com o mito de Narciso, ensinaram que o desejo desenfreado em atrair a admiração produz conseqüências trágicas. No limite é uma demonstração de sandice.
É incrível como, mesmo diante de situações nas quais a vaidade não faz qualquer diferença, os homens e mulheres não conseguem se livrar deste sentimento.[1] Durante muito tempo acreditei que a morte nos igualava. “Pelo menos isso!”, pensava. Hoje, tenho consciência de que a sociedade produz desigualdades que extrapolam o caráter da finitude humana.
Max Weber observou que a vaidade pode levar o político a cometer um dois erros fatais: se abster de assumir uma causa e/ou do sentimento de responsabilidade. Se o político está sujeito à vaidade, o intelectual padece da mesma doença. “A vaidade é um traço comum e, talvez, não haja pessoa alguma que dela esteja totalmente isenta. Nos meios científicos e universitários, ela chega a constituir-se numa espécie de moléstia profissional”, sentencia Weber. Não obstante, ele é condescendente com os pares, pois considera que a vaidade do intelectual não oferece tanto risco à sua atividade quanto a que acomete o político: “Contudo, quando se manifesta no cientista, por mais antipatia que provoque, mostra-se relativamente inofensiva, no sentido de que, via de regra, não lhe perturba a atividade científica”.[2] Será?! Para o estudante ou o colega que tem que suportar a vaidade desmedida, talvez seja o oposto que ocorra.
Mas deixemos Weber em paz! Independentemente do que ele escreveu sobre a vocação do cientista e do político, o fato é que esta “espécie de moléstia profissional” grassa em nosso meio. E as pessoas sensatas talvez se perguntem: por quê? Há, inclusive, o ingênuo que candidamente imagina que este tipo de comportamento é algo contraditório com o espírito culto que, em tese, permeia a universidade. “Como é possível?, se pergunta. Ele tem a esperança de que os colegas, através do diálogo e da persuasão, superem as influências nefastas que os fazem agir incivilizadamente. Como diria o personagem das histórias em quadrinhos: “Santa ingenuidade!”
Todavia, observe-se que mesmo este tipo de ingênuo padece da mesma “espécie de moléstia profissional”: na essência sua postura é prisioneira de uma vaidade enrustida numa pretensa humildade; é uma atitude idealista, no sentido de que desloca a universidade – e os que nela trabalham – da realidade social na qual está inserida; é elitista porque, no fundo, se imagina como partícipe de um mundo constituído por seres especiais, dotados de moral e cultura superiores e capazes de escapar às futilidades humanas. Este personagem não se reconhece no mundo real e se escandaliza porque seus pares não representam o mundo imaginário do Olimpo. É vaidoso e talvez não o saiba, assim lhe parece natural sentir-se superior!
Se a vaidade é humana, não é possível compreendê-la apenas pelo senso comum. A Sociologia pode contribuir. Talvez seja um bom começo para não repetirmos o que reprovamos nos outros. Mas, é claro, a Sociologia não é antídoto para tal moléstia. Um grande passo para quem deseje se curar é voltar-se para si mesmo e… mudar de atitude. No mais é necessário muita, muita paciência!

[1] O diálogo entre um jardineiro e o visitante de um cemitério, escrito por Alexandre Dumas Filho, em A Dama das Camélias, ilustra bem este aspecto: “Quero dizer que existe gente que é orgulhosa até no cemitério. Parece que esta mademoiselle Gautier fazia a vida, desculpe a expressão. Agora ela está morta e é igualzinha às mulheres que nada fizeram de reprovável e das quais regamos as flores todos os dias. Pois bem, quando os parentes das pessoas que estão enterradas ao lado dela souberam a vida que essa moça levava, revoltaram-se por ela ter sido enterrada aqui e disseram que deveria haver um lugar só para esse tipo de mulheres, como há para os pobres. O senhor já viu uma coisa dessas? Eu teria postos essas pessoas no lugar deles! Gente gorducha que vive de rendas, que não vem sequer quatro vezes por ano visitar seus defuntos, que traz pessoalmente as flores… e veja que flores! Eles reclamam dos gastos de conservação das sepulturas daqueles por quem dizem chorar, escrevem nas lápides sobre lágrimas que jamais derramaram e se fazem de difíceis, querendo escolher a vizinhança” (DUMAS FILHO, Alexandre. A Dama das Camélias. São Paulo: Nova Cultural, 2003, p.47).
[2] WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1993, p.107.
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Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/2011/03/19 

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