domingo, 15 de maio de 2011

Badulaques 142

Rubem Alves*
DISCURSO DE FORMATURA: Aconteceu em Goiás... Havia lá um famoso artista, acho que ceramista, que era reconhecido e admirado por todos. Tão admirado que os formandos do ano o elegeram paraninfo, homenagem mais que merecida. Mas ele não ficou alegre... Faltavam-lhe os diplomas, nada conhecia das liturgias acadêmicas. A solução? Encontrar um professor que se dispusesse a escrever o discurso por ele. Mas não houve nenhum que aceitasse o encargo. Ele que escrevesse o discurso do jeito dele... Veio-lhe então uma ideia: "Vou fazer uma pesquisa entre os formandos de anos passados... Perguntarei a eles sobre aquilo que mais os impressionara nos discursos dos seus paraninfos... Depois será só ajuntar a sabedoria deles..." Fez a pergunta. Surpresa. Nenhum dos entrevistados se lembrava de qualquer coisa que seu paraninfo teria dito... Assim, lá foi ele para a formatura, paraninfo que era. Dada a palavra, ele simplesmente se levantou e contou o que acontecera. E concluiu: "Assim, como vocês não vão guardar nada do meu discurso mesmo, vou poupá-los do desconforto de ficarem aí me escutando. E o que tenho a dizer é que desejo que vocês sejam muito felizes..." Foi aplaudido de pé, e seu discurso foi para sempre lembrado...
ACONTECEU COM O CECÍLIO uma das coias mais terríveis que pode acontecer a um escritor: sua chácara foi invadida por homens encapuzados que o amarraram e roubaram os seus computadores onde se encontravam guardados mais de vinte anos de trabalho literário. Que posso fazer além de lamentar? Talvez que a lamentação, mesmo sendo de um amigo, só sirva para aumentar a dor. Ao invés disso vou relatar uma alegria que ele me contou, em 1999...Essa alegria não foi roubada. Está guardada num arquivo do meu computador... "O Cecílio, amigo querido, veio me visitar, faz uns dias. Conversa vai, conversa vem, ele me contou sobre sua empregada - ou governanta de sua casa - mulher madura, de poucas palavras, sempre séria e compenetrada. Pois um dia, precisando sair, o carro pifou justo na hora em que o marido dela tinha vindo buscá-la, ao final do dia de trabalho. Ele lhe ofereceu uma carona no seu carro que não era dos mais novos, oferecimento que o Cecílio alegremente aceitou. Antes da partida o marido tinha um CD de dentro de uma caixa e o colocou no toca-CDs. O Cecílio se preparou para ouvir uma dupla sertaneja, música que não se afina bem com o seu gosto. Mas logo veio a surpresa e o seu rosto se encheu de espanto. O marido, percebendo o espanto, explicou: "Pois é, a minha mulher acabou gostando daquelas músicas que o senhor escuta o dia inteiro. Curiosa, ela foi ver o nome: Vivaldi... Agora, a gente anda de carro ouvindo Vivaldi... Como é bonito'. O Cecílio sem querer e sem saber, educou. Na verdade, ele não sabia que estava educando. Foi a governanta que, inspirada pelo Cecílio, se educou. Ela estava aberta. Acolheu o novo. E ficou transfigurada, mas bonita, mais rica. E acabou por educar o marido, que também começou a brincar com a música de Vivaldi. Agora, dentre as alegria que eles tinham, eles tinham uma outra, que nunca haviam experimentado e nem apreendido nas escolas. É, nas escolar não se ensina a gostar de Vivaldi..."
PEIXE: Tenho estado fazendo uma pergunta às pessoas religiosas: "Por que não se come carne na semana santa e se come peixe?" Até agora a única resposta que ouvi é: não se come carne porque, comer carne é o mesmo que comer a carne do Filho de Deus. Resposta tola, sem fundamento eucarístico. Não se come carne e se come peixa precisamente para se comer a carne de Cristo! Pois, o que é a eucaristia? Não é uma refeição em que se come a carne e se bebe o sangue de Cristo? Foi ele mesmo que assim explicou o sacramento. E onde é que entra o peixs? Todo mundo sabe que o peixe é o símbolo do cristianismo. Símbolo, por quê? A palavra "peixe" em grego, é "IXTHUS". Os cristãos viram nessa palavra uma confissão de fé, representada por cada letra; "I", Jesus; "X", Cristo; "TH", de Deus; "U", o filho; "S", salvador. Sei não... Não sei se bacalhau, batata, cebolas, tomate, enroladinhos de couve, ovos cozidos, azeitonas, pimentão, bastante caldo para ensopar o pão - não se uma bacalhoada faz lugar para pensamentos teológicos e sentimentos compungidos.
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* Escritor. Teólogo e educador.
Fonte: Correio Popular online, 15/05/2011
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