terça-feira, 19 de julho de 2011

Minissérie da Legalidade

Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE PEDRO LOBO SCALETSKY

Confesso que não entendo os nossos cineastas e os nossos diretores de televisão. Como é que não fizeram um filme ou uma minissérie sobre a Legalidade? Hollywood teria feito um épico. Imaginem o seguinte personagem: governador do Estado, 39 anos, metralhadora a tiracolo, cigarro na boca, barba por fazer, entrincheirado no seu palácio, disposto a morrer para fazer valer a Constituição e evitar um golpe de militares obcecados por uma ameaça comunista. Imaginem uma ordem de bombardeio para a Aeronáutica ao palácio do governo apinhado de jornalistas, de políticos, de senhoras da sociedade, do governador e de sua jovem e bela esposa. Imaginem uma rebelião de sargentos boicotando os aviões para impedir a decolagem e evitar o massacre e o começo da guerra civil.
Isso é a história de Brizola e da Legalidade, que completa 50 anos em 25 de agosto. Nossos cineastas e diretores de televisão passaram ao largo. O próprio Rio Grande do Sul equivoca-se. Prefere o século XIX, mais propício a apropriações ideológicas conservadoras. A Revolução Farroupilha tentou separar o Rio Grande do Sul do Brasil e felizmente fracassou. A Revolução de 1930 e a Legalidade de 1961 tiveram mais impacto sobre a Nação e fizeram do Rio Grande do Sul uma locomotiva brasileira.

"Tenho a impressão de que a mídia conservadora
sente medo da Legalidade. Brizola usou o rádio
 como os rebeldes de hoje no mundo árabe
 usam as redes sociais.
Botou fogo no sistema."

O episódio da Legalidade tem, além do mais, um componente especial: foi uma das poucas vezes em que se usou a mídia a favor da democracia, dos interesses nacionais e do sentimento geral da população. Já em 1964, a imprensa brasileira ficaria ao lado dos militares golpistas. Vai o meu recado: atenção, profissionais da imagem, descubram o século XX, tomem gosto por nossa história recente, parem de coçar o umbigo, não percam tempo inventando personagens fracos, ponham heróis como Brizola na tela.
Tenho a impressão de que a mídia conservadora sente medo da Legalidade. Brizola usou o rádio como os rebeldes de hoje no mundo árabe usam as redes sociais. Botou fogo no sistema. Antes, durante e depois desse acontecimento sem precedentes, deitou e rolou: encampou empresas multinacionais, fez a primeira reforma agrária do Estado, fundou o movimento dos sem-terra, desafiou ministros militares com seu verbo incandescente, com 3 mil revólveres da Taurus, a Brigada Militar, jornalistas e radialistas engajados do lado do justo e uma causa simples e clara: fazer respeitar a lei. Um personagem assim não se cria. Nem se desperdiça. É por isso que não temos uma Hollywood. Deixamos o cavalo passar encilhado. Pensem noutro personagem: um vice-presidente fazendeiro, casado com uma jovem linda, em viagem à China comunista, recebendo a notícia, em Cingapura, da renúncia do presidente. Pensem nesse homem pesando e ponderando.
Fogo e ar, Brizola e Jango, as ruas tomadas de civis preparando-se para uma guerra fratricida, o rock ganhando o mundo, o homem indo ao espaço, a voz de Che Guevara ainda ecoando em Punta del Este para desespero dos americanos e os aplausos ocidentais solitários de Brizola. E não fizeram uma minissérie! Nem filme! Acho que terei de estrear em mais uma profissão. Meu lema será bem simples: uma câmera na mão e a história na cabeça.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Tradutor. Colunista do Correio do Povo
Juremir Machado da Silva
Fonte: Correio do Povo on line, 19/07/2011

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