sexta-feira, 22 de julho de 2011

Poder: Por que uns têm e outros não

Em entrevista exclusiva, o pesquisador Jeffrey Pfeffer
mergulha no universo atual do poder, fala de seu novo livro
e apresenta uma visão “maquiavélica” das habilidades
que conduzem ao cargo de chefia
No ano passado, Jeffrey Pfeffer lançou Power: why some people have it – and others don’t, livro que ainda não havia sido lançado no Brasil até o fechamento desta edição. Não é a primeira vez que essa lenda viva de Stanford aborda o tema do poder individual nas empresas, já o tinha feito, por exemplo, em Managing with power (ed. McGraw Hill) –o que até inspirou uma entrevista exclusiva com ele na HSM Management nº 55.
Para Pfeffer, poder não é para todos. Exige que a pessoa, além de habilidades como flexibilidade, tenacidade e capacidade de “ler” o outro, também tenha grande ambição e o impulso de se tornar bem-sucedida. Uma vez decidida a conquistar o poder, sua presença física é fundamental para se impor em reuniões ou diante do chefe.
Nesta entrevista exclusiva, Pfeffer mostra que não teme controvérsia e que, embora cite o italiano Maquiavel apenas de passagem em seu livro, é um dos pensadores a reabilitá-lo.
Quantas pessoas o leitor conhece que admitem publicamente que, para chegar ao topo, adular o chefe pesa mais que bom desempenho? Afirmá-lo em plena era colaborativa, de redes horizontais, pode parecer até uma heresia.

Qual é sua definição de poder?
Basicamente, é a capacidade de fazer com que as coisas sejam realizadas da maneira como se deseja.

Que obstáculos existem?
É preciso ser capaz de superar a oposição, porque nem todos concordarão com você o tempo todo, e isso representa um grande obstáculo. O maior obstáculo, porém, costuma estar no próprio indivíduo, quando não está disposto a fazer o que é exigido para sustentar o poder. Entretanto, creio que as pessoas realmente são maleáveis e podem, mesmo quando adultas, transformar-se, aprender novas habilidades e desenvolver atributos pessoais que as tornem mais bem-sucedidas.

Se, como o sr. diz, há exigências para se tornar poderoso, o que se deve fazer para obter o poder?
É necessário reconhecer as qualidades pessoais que conduzem ao poder e desenvolvê-las. Refiro-me à energia, à flexibilidade, à tenacidade e à capacidade de “ler” o outro, além da ambição e do impulso de ser bem-sucedido. Quero dizer que é possível trabalhar as qualidades pessoais, aprender a agir e falar de um modo que sugira poder, assim como ter presença diferente nas reuniões.

Jack Welch é o melhor representante do líder com poder?
Para muitos executivos, parece que tudo se resume a como fazer para se parecer com Jack Welch. Só que existe apenas um Jack Welch. Muitas vezes, em meus trabalhos, damos exemplos de pessoas que são tão excepcionais e atípicas que é até difícil vê-las como modelos de liderança. Pensemos em outro líder, Ross Walker, graduado pela Harvard Business School, que em apenas nove anos e sem histórico algum chegou a estar entre as sete pessoas de maior hierarquia na SAP. Creio que as qualidades e estratégias que demonstrou são realmente exemplares.

Há algo bem provocativo em seu livro. O sr. diz que, quando a pessoa consegue manter o chefe feliz, o desempenho não importa muito; que, ao contrário, se ela lhe desagrada, um bom desempenho não a salvará. É isso?
É isso mesmo.

Mas até onde é preciso chegar para manter o chefe feliz? É preciso adulá-lo?
Sinceramente? Sim, adulá-lo. Temos de descobrir quais são seus interesses e lhe mostrar o que temos em comum, além de tratá-lo com o devido respeito e recorrer a ele em busca de ajuda.

É essa a autopromoção que o sr. Menciona no livro ou há outros componentes?
A autopromoção tem a ver com estar sempre visível e fazer com que a outra pessoa saiba que você está realizando um trabalho de qualidade.

O sr. diz que é importante construir redes para obter poder. Quais são suas recomendações para isso?
Fazer uma lista daqueles com quem é preciso estar de acordo e avançar nessa direção. As pessoas subestimam o poder dos laços fracos –laços com pessoas que conhecemos muito bem– e preferem passar a maior parte do tempo com familiares e amigos próximos, que realmente são parecidos com elas e lidam com o mesmo tipo de informação.
Construir uma rede de relacionamentos implica abandonar essa zona de conforto e estar disposto a alternar o contato com pessoas que não conhecemos bem mas precisamos conhecer.

Como se faz isso? Participando de reuniões sociais, por exemplo?
Apenas aproximando-se e pedindo ajuda, fazendo perguntas, estando em contato com as pessoas, reunindo-se.
Não acredito que participar de reuniões sociais seja necessariamente a melhor opção.

As reuniões online também não são eficazes? O que dizer das redes sociais?
Não muito. O conveniente é reunir-se em grupos pequenos, para que as pessoas se lembrem umas das outras e para que haja alguma conversa significativa.

No livro o sr. diz que o lugar onde uma pessoa começa a carreira é condicionante de aonde ela chegará. Então, qual seria um bom lugar para começar?
Um bom lugar é aquele em que há menos concorrência, menos pessoas talentosas exigindo atenção. Deve-se tentar também estar num lugar em que ainda não há ação, mas logo haverá.
Na SAP, por exemplo, o lugar ideal é o grupo de estratégia, porque a estratégia se tornará importante para reposicionar a companhia no mercado das pequenas e médias empresas. Como hoje eles estão fazendo negócios com uma base de clientes muito ampla, saturada com os produtos da SAP e da concorrência, terão de decidir como agregar novas funcionalidades e conseguir novas fontes de receita.
Trata-se, então, de desenvolver um conjunto de relações para obter um produto final mais fácil de instalar e de utilizar. É o caso de entender quais serão as necessidades da organização e estar nesse lugar para ter a oportunidade de influir.

É preciso começar a fazer isso no momento em que se ingressa na empresa?
Sim! E até mesmo antes de entrar ali.

Como se constrói a reputação? As aparências pesam mais do que os fatos?
A reputação é construída adquirindo visibilidade, tornando-se uma pessoa conhecida, escrevendo nas diferentes mídias, blogando, publicando artigos e concedendo entrevistas. Ou seja, fazendo o necessário para estar exposto ao público. Importam tanto as aparências como os fatos.

O sr. também diz que, uma vez obtidos os recursos, a sustentação do poder é um processo que se autorreforça. Como são gerados os recursos iniciais?
Pode-se reunir informação, como fez Lyndon Johnson quando ainda era assistente do líder da minoria no Congresso, ou colaborar em pequenos projetos que não interessem a ninguém, aos quais será destinado um orçamento mínimo –projetos que o porão em contato com pessoas de hierarquia mais alta. Assim se estará no caminho.

Um elemento-chave, segundo o sr., é demonstrar autoridade. Como?
Tem a ver com a postura corporal: ficar em pé ereto, inclinar-se para frente [não para trás], mover-se com firmeza, empregar gestos seguros.

Gritar e bater na mesa não estão na lista, não combinam com gestos seguros... [risos] E ter um escritório grande?
Exato. Sobre o escritório grande, embora ele obviamente transmita poder, muito da percepção dos outros em relação a seu poder se desenvolve fora do escritório, e ali o poder se expressa por meio de presença física, postura e modo de falar.

Ter muitos seguidores no Twitter é uma nova forma de poder?
É uma forma de poder, mas na verdade reflete principalmente popularidade. O ator Charlie Sheen, com seus recentes problemas, é um bom exemplo. Ele tem milhões de seguidores no Twitter, porém não tenho certeza de que possua algum poder. Popularidade e poder são coisas diferentes.

Quando alguém pratica a autopromoção, não fere os sentimentos de seus pares ou colaboradores?
Não se preocupem tanto com o que pensam os pares –eles são, afinal, os que competem conosco por promoção.
Muitos se preocupam demais com seus pares e não o suficiente com chefes e subordinados. Quando alguém é muito bem-sucedido, vários a sua volta terão ciúme e inveja, mas não é preciso se importar com isso. Quem se esforça o tempo todo para agradar aos outros não faz mais nada.

Como se administra o tempo nas relações com o chefe, os pares e os subordinados? Quanto dedicar a cada um?
Há tarefas nas quais a relação com os pares é muito importante, mas eu diria que se deve dedicar a maior parte do tempo ao chefe, boa parte aos subordinados e bem pouco aos pares.

Há algum risco de se transformar em líder autoritário quando se tem poder demais?
Acredito que nunca se tem poder demais. É como o dinheiro: nunca se tem demais.

“Não se preocupem tanto com o que
 pensam os pares. deve-se dedicar
a maior parte do tempo ao chefe,
boa parte aos subordinados e
bem pouco aos pares”


O que o levou a estudar o poder?
Estudo o poder da mesma forma que outras coisas. Observo o mundo, a literatura, as ciências sociais e o comportamento organizacional e começo a estudar. Já dediquei mais de 40 anos a isso. Constato que há assuntos importantes que não foram desenvolvidos e me ocupo deles. Se você for às escolas de negócios nos Estados Unidos e na Europa e perguntar por cursos sobre o tema do poder, verá que em muitas ele não é estudado.

No livro o sr. fala da importância de ser o centro de uma rede de comunicação...
Isso exige esforço, razão pela qual muitos evitam o assunto. Para ser o centro de uma rede de comunicação, você deve garantir que tudo que for comunicação flua através de você.
Uma coisa que vejo em grupos de estudo ou de empreendedores é que alguém se oferece para assumir a responsabilidade de coordenar as reuniões com pessoas do exterior, com investidores ou com quem quer que seja, e também se propõe organizar os contatos. Só porque está disposta a tomar para si tarefas que escapam a outros, essa pessoa já fica no centro da rede; é quem se ocupa de falar com as pessoas, coordenar as reuniões, determinar as datas e elaborar as minutas.

Outro aspecto que o sr. menciona como muito importante é dar uma boa primeira impressão.
Isso está relacionado a tudo o que conversamos sobre agir e falar exibindo poder, ou seja, mostrar-se seguro de si e expressar-se de maneira convincente. O oposto é sentar-se e esperar que, em algum momento, mais cedo ou mais tarde, os demais reconheçam suas habilidades naturais. É uma questão de autopromoção e de atuação para que notem que você está presente na sala.

A literatura especializada analisa diferentes tipos de líder: calmos, heroicos, carismáticos. É melhor ser calmo, heroico, ter poder, ou essa é uma discussão diferente?
É uma discussão diferente. Ninguém ocupa uma posição de liderança sem poder. Muitas pessoas possuem um poder enorme sem necessariamente ser carismáticas. Isso tem a ver com o controle dos recursos e com o lugar em que se encontram em sua rede social, e também com qualidades como energia, tenacidade, integridade, tolerância ao conflito e outras do gênero.

O sr. recomendaria a uma pessoa interessada em construir poder que abordasse todas essas coisas simultaneamente?
Sim, apesar de ser óbvio que não se pode fazer tudo de uma vez. A recomendação utópica se justifica para que se tenha em mente que tudo isso é necessário para quem quer conquistar poder, mas...

Mas trata-se de um processo com etapas definidas conforme as condições de cada um? Começa-se por onde?
Cada um de nós é melhor ou pior em algo; então, a primeira coisa que se deve fazer é uma avaliação razoavelmente objetiva dos próprios atos e trabalhar as fraquezas. Antes, porém, é preciso ler meu último livro [risos].

SAIBA MAIS SOBRE
Jeffrey Pfeffer

Estudioso da organização e de suas regras, Jeffrey Pfeffer é professor titular de comportamento organizacional e uma lenda da Stanford Graduate Business School, onde leciona desde 1979, e autor de muitos livros, o mais recente deles Power: why some people have it – and others don’t (ed. HarperCollins). Formado pela Carnegie Mellon e doutor por Stanford, desenvolveu parte de sua carreira acadêmica em instituições prestigiadas, como a University of California, em Berkeley, Harvard Business School, London Business School e o IESE de Barcelona, na Espanha. No âmbito de sua atividade docente, oferece seminários de educação executiva em universidades, associações e empresas do mundo inteiro. Estará no Rio de Janeiro em outubro para um seminário HSM.
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Fonte: HSMManagement 87 • julho-agosto 2011 hsmmanagement.com.br

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