terça-feira, 23 de agosto de 2011

Como desmascarar o choro falso

FABRÍCIO CARPINEJAR*

O choro é uma arte. Uma obra-prima. Uma Pietà de Michelangelo. Diante dela, nossos olhos se umedecem na hora, o batimento dispara e até nossa boca se ajoelha pedindo perdão pela nossa indiferença nas sinaleiras.
Mas, como toda escultura, é cheia de réplicas e falsificações.
E dá para entender o motivo. Desde bebê aprendemos a fazer manha para ganhar as coisas. Perdemos a autenticidade das lágrimas. A cobiça nos distanciou da verdadeira dor. Assim que descobrimos que os pais não aguentam choro por muito tempo, abusamos do recurso cênico e banalizamos o berro. Nossos sofrimentos são, na maior parte das vezes, reclamações. Os gritos não passam de resmungos. Poderiam ser evitados. Têm uma clara natureza forçada.
Desejando prevenir a população da ação dos impostores, estabeleço mandamentos para identificar e reprimir o estelionato emocional:
> O choro depende de soluço. É um engasgo precioso. Choro sem soluço é poço sem roldana. Trata-se de um motor respiratório para atravessar o vale de lágrimas. Numa visão gramática da tristeza, o soluço é a vírgula e o gemido é o ponto final. São pausas fundamentais que garantem o suspense: parece que o sofredor vai falar, mas ele se cala.
> O choro sincero é um miado. Não conseguiremos decifrar o que a pessoa disse. As palavras são completamente ilegíveis.
> O rosto ficará vermelho, inchado, como um ataque de abelhas-africanas.
> O sofredor não vai encarar o outro de modo nenhum, não se chora de cabeça levantada, isso é coisa de novela e de colírio. O choroso estará acovardado, de boca aberta, já que não consegue respirar.
> Não acredite no tipo que bate a porta do quarto para chorar, está chamando atenção, é carência, não choro, o choroso real desmorona onde estiver. Não é possível guardar o choro, criar um fundo de investimento de dor. O choro é pontual, surge no meio do trabalho, no meio da aula, relâmpago incontrolável.
> Em contato com o travesseiro, a choradeira irá atravessar a fronha e o lençol. Se não mofar o colchão, não é choro.
> No momento em que o homem chora, se a voz vem grossa, ele está fingindo: no choro, a voz sempre é fina, distorcida, de gás hélio.
> Mulher nunca chora sem estar pintada. É regra básica, para borrar feio e oferecer espetáculo. Mulher chorando de cara limpa é farsa.
> Se você usa lenço ou papel higiênico para limpar o nariz, está mentindo: quem sofre mesmo assoa o ranho na manga da camisa, e não se importa com os botões.
> O choro é como orgasmo. Não admite discurso depois. Aquele que aproveita o choro para passar sermão é apenas um chantagista.
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* Poeta. Cronista da ZH
ZH on line, 23/08/2011
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