sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O Infiltrado

O escritor Fernando Morais, em seu apartamento, no bairro de Higienópolis, em SP
Com acesso a documentos inéditos e
entrevistas com presos políticos,
o escritor Fernando Morais reconstrói a
atuação de grupo de espiões cubanos
nos Estados Unidos

Nos anos 1990, grupos de cubanos exilados em Miami, opositores a Fidel Castro, realizaram diversas ações para intimidar o ditador cubano.
Os anticastristas mandavam explodir bombas em hotéis de Havana e metralhar navios para espantar turistas. Golpe duríssimo para o pequeno país, que, após o fim da União Soviética (1989), passou a depender muito dos ingressos do turismo. Bem ao estilo da Guerra Fria, Cuba respondeu formando um grupo de espiões, a Rede Vespa, que se instalou na Flórida a fim de descobrir o que tramavam os inimigos.
Conseguiram, assim, impedir uma série de ataques à ilha. Até que foram pegos pelo FBI, em 1998. O jornalista e escritor Fernando Morais, 64, velho conhecedor e amigo de Cuba, autor de "A Ilha" (1976) e "Olga" (1985), investigou o assunto e o resultado é "Os Últimos Soldados da Guerra Fria", lançado agora pela Companhia das Letras.
Morais fez várias viagens à ilha e aos EUA, entrevistou familiares dos envolvidos e alguns dos espiões presos. Em 2008, conseguiu que o governo cubano lhe entregasse uma documentação valiosa sobre a Rede Vespa. Os papéis só foram parar em suas mãos devido a suas boas relações com Cuba, que já têm mais de 40 anos.
Entre os documentos, está o material que Fidel Castro enviou a Bill Clinton para pedir que os ataques à ilha parassem. O inusitado do diálogo é que ele foi intermediado por Gabriel García Márquez; o Nobel colombiano é amigo de Fidel e defensor de seu projeto político.
"É um episódio importante, porque Clinton ouviu Fidel e os ataques pararam", conta Morais. O autor relata como os espiões da Rede Vespa se instalavam na Flórida. Mantinham segredo de suas atividades até de suas famílias. "Há o caso de uma das mulheres que se sentiu traída e está ressentida até hoje", conta.
Com poucos recursos, os agentes tinham de achar trabalho para se manter nos EUA. "Visitei apartamentos em que eles moraram, eram quitinetes, lugares muito precários", diz Morais. Os disfarces eram construídos pela inteligência cubana. Os espiões recebiam novas identidades, às vezes roubadas de bebês mortos nos EUA, e eram obrigados a decorar fatos fictícios sobre toda uma vida pregressa que não haviam vivido.
"Hoje, cinco espiões do grupo seguem presos
-os outros foram libertados, beneficiados
por delação premiada."
O autor entrevistou condenados por e-mail e enviou perguntas por meio de suas mulheres, que têm permissão de falar com eles por telefone algumas vezes por mês.
A obra de Morais resgata também a participação de mercenários da América Central contratados pelos anticastristas. Uma das histórias mais interessantes é a do salvadorenho Cruz León.
Fã de Sylvester Stallone, Cruz León conta que se envolveu nos ataques porque queria viver aventuras parecidas com as de seu ídolo. Com essa motivação, aceitou uma missão quase suicida: colocar bombas em hotéis e num restaurante em Havana por apenas US$ 1.500 cada uma. Acabou descoberto e condenado à morte.
"Os mercenários centro-americanos não conheciam a situação cubana nem sabiam o que estava em questão", diz Morais. Ao contar sua história ao jornalista, Cruz León explicou o que o moveu a ajudar os anticastristas: "Eu ia pôr bombas num país que nem sabia qual era, voltaria para casa e iria para a cama com a Sharon Stone. Me senti um espião. Me senti o máximo".
Hoje, cinco espiões do grupo seguem presos -os outros foram libertados, beneficiados por delação premiada. Morais crê que, se Obama se reeleger, deve rever o julgamento. "Pode tentar trocar espiões cubanos por presos políticos americanos em Cuba. Só não faz isso já para não perder votos na Flórida."

RAIO-X



FERNANDO MORAIS
JORNALISMO
Trabalhou no "Jornal da Tarde", na "Veja" e na Folha
POLÍTICA
Foi deputado estadual em SP (PMDB), secretário da Cultura e da Educação do Estado de SP
PRINCIPAIS LIVROS
"A Ilha", "Olga", "Chatô, o Rei do Brasil", "Corações Sujos"

CRÍTICA HISTÓRIA

'Os Últimos Soldados' deve ser lido com pulga atrás da orelha

RICARDO BONALUME NETO DE SÃO PAULO*


Este livro do escritor Fernando Morais tem duas coisas irritantes -ou uma só, se você for militante de esquerda- e uma boa, tanto faz a sua opção política.
Morais é uma espécie de porta-voz da ditadura cubana no Brasil desde os anos 1970, quando seu best-seller "A Ilha" deixou maravilhada a "esquerda festiva" do país.
Pois fazia tempo que o grande "laboratório" do socialismo dito "real", a União Soviética, tinha caído em desgraça quando os crimes do camarada Josef Stálin foram revelados.
Cuba virou ícone e Morais era um sacerdote. Mesmo em 2011, com a ditadura dos irmãos Fidel e Raúl Castro ainda no comando, matando ou botando na cadeia dissidentes, ele acha ali tudo maravilhoso. E foi esperto.
Morais escolheu um tema de livro que ajuda a causar simpatia para uma das mais velhas ditaduras do mundo: espiões cubanos nos Estados Unidos tentam evitar ataques terroristas contra seu país.
Pois, é fato óbvio, há muita gente ruim entre os exilados cubanos nos EUA. Com a queda do comunismo na sua origem, a União Soviética, grande sustentadora da economia cubana, muita gente achava que Fidel logo dançaria.
Não foi o caso, apesar da excitação entre os exilados cubanos na Flórida -para onde uma grande quantidade de cubanos se mudou durante décadas.
Uma piada dos anos 1980 dizia que Cuba era o maior país do mundo: "a população está nos Estados Unidos, o governo na União Soviética, o cemitério em Angola".
Exagero. Fidel nunca foi tão subserviente aos soviéticos. Nem morreram tantos cubanos na intervenção na guerra africana. Alguns dos veteranos da guerra em Angola viraram espiões nos EUA, infiltrados nos grupos anticastristas. Esse é o tema do livro, a coisa boa. Morais teve acesso a fontes inéditas e conta boas histórias humanas e de espionagem. Mas, claro, o ranço pró-Cuba e antiamericano é irritante.
E tão mais irritante é a mania de dar detalhes irrelevantes -e boa parte errados! Alguns são insignificantes, embora deixem claro o desleixo em parte da pesquisa.
Não há tanques russos com canhões de calibre 120 mm; não foram forças dos EUA que tentaram invadir Cuba no episódio da Baía dos Porcos em 1961, eram exilados cubanos com apoio norte-americano.
Não existem "caças-reatores" (de onde ele inventou isso?); um transatlântico de 300 metros de comprimento não tem apenas 70 toneladas; um MiG-29 interceptando aviões dos anticastristas não levava "seis mísseis ar-terra, um estoque de bombas guiadas a laser".
É um livro que tem que ser lido com um circo de pulgas atrás da orelha.

OS ÚLTIMOS SOLDADOS DA GUERRA FRIA
AUTOR Fernando Morais
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 42 (416 págs.)
AVALIAÇÃO regular
*Repórter especial do caderno Ciência, da "Folha de S.Paulo", fala sobre cachorros e os estudos genéticos que definem as raças caninas. Especializado em ciência, tecnologia, meio-ambiente e história militar, Ricardo Bonalume Neto estudou jornalismo na ECA/USP e está no jornal paulista desde 1985, onde trabalhou como redator e editor-assistente de Educação e Ciência. No mesmo ano tornou-se repórter, função que exerce até hoje, além de ter assinado a coluna "O Cético", da "Revista da Folha", de 1998 a 2002.
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Reportagem por SYLVIA COLOMBO DE BUENOS AIRES

Foto por Leticia Moreira/Folhapress
Fonte: Folha on line, 19/08/2011

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