sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A complexidade da vida social e a pressa dos discursos voluntaristas

Jung Mo Sung*
Qual a diferença entre sistemas mecânicos de alta complexidade e sistemas sociais complexos? Esta pergunta pode causar estranheza nos leitores acostumados com artigos aqui na Adital. Afinal, o que tem a ver isso com os problemas humanos e sociais? À primeira vista uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas espero que ao final do artigo faça sentido.
Sistemas mecânicos, por mais complexos que sejam, quando bem desenhado e executado, obedecem ao comando que coloca o sistema em movimento. Isto é, as partes que compõem o sistema, por mais relações que possam ter com outras partes, não tem capacidade de se rebelar contra a ordem ou de desejar e executar algum movimento ou ação que vá em direção diferente. É claro que, quando as peças estão gastas ou ocorre algum problema de manutenção, o sistema pode não funcionar corretamente. Mas isso ainda continua sob o controle do agente externo que pode corrigir e, em último caso, reconstruir o sistema.
Em sistemas assim, o agente externo que os controla tem um grande domínio sobre o sistema. Podemos dizer que a sua capacidade e vontade determinam em grande parte o funcionamento do sistema – não totalmente porque sempre há espaço para o acaso e também porque pode haver a falta de condições tecnológicas adequadas para a perfeita execução do planejado.
Na Idade Média e também nos tempos modernos, a sociedade humana foi entendida a partir desta imagem de sistema. Na Idade Média, pensava-se que o agente controlador externo era Deus Onipotente. Por isso, o modo como a sociedade estava organizada e funcionava e o que acontecia na sociedade eram vistos como uma expressão da vontade de Deus. Assim, por ex., os sofrimentos humanos eram vistos como justiça, castigo, de Deus; e a autoridade deveria ser obedecia incondicionalmente.
Com a modernidade, essa idéia de Deus controlador da história entra em crise e surge a idéia de se construir uma sociedade humana baseada na "liberdade, fraternidade e igualdade”. O Capitalismo/Liberalismo vai dar mais ênfase na liberdade e riqueza, enquanto que o Socialismo/Marxismo vai privilegiar a noção de igualdade. Mas, nos dois casos, há a idéia comum de que um bom plano racional e "sujeitos históricos” capazes poderiam construir essa nova sociedade. O sujeito teria um poder de modificar ou de impor sobre o objeto, o sistema social, a sua vontade.
Essa ideia de fundo ainda permanece em muitos grupos que lutam por uma sociedade alternativa ao capitalismo atual, sejam grupos sob a influência do marxismo, do pensamento ecológico ou do cristianismo de libertação. Isso aparece mais claramente quando se pensa que um bom "plano” racionalmente concebido e uma vontade política forte seriam suficientes para mudar o mundo.
O problema é que em sistemas sociais, que são complexos, não há agente ou sujeito externo ao objeto, o sistema social, capaz de impor a sua vontade sobre o objeto. Porque, em sistema social complexo, as partes que o compõem têm vontades próprias e interesses conflitantes. Isto é, elas não agem de acordo com o previsto ou planejado. Além disso, não há um agente externo ao sistema (Deus ou sujeito histórico) capaz de impor sobre o sistema a sua vontade. Todos fazem parte do sistema social e as ações de cada grupo geram reações de outros, que por sua vez vão gerar mais reações... O voluntarismo não dá conta da realidade.
Quando estamos no papel de simplesmente fazer críticas radicais contra o sistema ou contra quem está dentro do sistema tentando modificá-la, podemos nos contentar com críticas abstratas que não levam em consideração essa complexidade de sistemas sociais. Mas, quando entramos dentro, por ex. no governo em alguma instituição, tentando mudar a sociedade dentro do marco democrático e lidando com pessoas e grupos que têm interesses e visões diferentes e até conflitantes, descobrimos na prática que há uma grande diferença entre sistema mecânico e sistema social complexo.
O aprendizado dessa diferença nos torna mais humilde e menos apressados na crítica às pessoas que estão lidando com realidade concreta das pessoas e instituições; e também na proposição de "nova” sociedade. Fidelidade à causa dos pobres não pode ser confundida com o voluntarismo e um radicalismo simplista.
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* Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo
Autor de "Sujeito e sociedades complexas”. 
Twitter: @jungmosung
Fonte: Adital, 
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