terça-feira, 22 de novembro de 2011

As consequências econômicas da paz

Marcelo Côrtes Neri*

Sob o impacto das pesadas reparações de guerra impostas à Alemanha após a I Grande Guerra Mundial, Keynes escreveu em 1919 o livro "Consequências Econômicas da Paz", um dos seus escritos mais bem redigidos. O livro não veio a ter a importância do seu "Teoria Geral" de 1936 que criou as bases da Macroeconomia como disciplina de estudo e prática de política governamental. Se os conselhos de Keynes para moderação das condições impostas aos perdedores tivessem sido ouvidos no Tratado de Versalhes, os frutos da humilhação e dos desequilíbrios financeiros talvez não fossem colhidos na hiperinflação alemã de 1923, no surgimento do Nazismo e na II Guerra Mundial.
O Rio de Janeiro, com a retomada da Rocinha e do Alemão, começa a experimentar efeitos em escala das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). É hora de discutir os impactos das UPPs sobre a economia das áreas pacificadas.
Como pagar a paz? - A UPP é uma ação territorial, não de equilíbrio geral. Cuidado deve ser tomado com a generalização do espetáculo de crescimento local observado nas favelas com UPPs e entornos. Quando as UPPs se ampliam, os seus efeitos são notados no conjunto da cidade. Daí a importância das UPPs da Rocinha e do Alemão, as maiores da cidade. Se os ganhos econômicos privados e de arrecadação fruto do choque de ordem de Mariano Beltrame e Sérgio Cabral mais do que compensar os custos fiscais da pacificação, então a expansão das UPPs é sustentável. UPP para todos?
"Saímos do "ilegal e daí?"
 para o "legal e aí?". Como ir do choque
de ordem para o de progresso?:
UPP3."
A escolha das primeiras UPPs recaiu sobre as favelas situadas na rica Zona Sul carioca. A ênfase se justifica se o critério for obter os maiores ganhos de capital à la Hernan de Soto para a cidade como um todo. Essas áreas são onde a volta da segurança produz o maior ganho agregado de capital. Há que se evitar o overshooting da irregularidade fundiária que deu origem ao processo de favelização, impedir que o boom pós-UPP enseje Refavela.
Saímos do "ilegal e daí?" para, agora, "legal e aí?". Um choque de microcrédito materializado pela oferta de qualidade, como aquele que chegou aos morros do Rio por meio da associação entre o Crediamigo e o VivaCred, que busca permitir que as novas oportunidades abertas pela pacificação possam ser melhor aproveitadas. Concretamente, o crédito produtivo popular é fundamental para dar vazão aos espíritos empreendedores das comunidades de baixa renda que serão incensados com a revolução na segurança. No dia 1º de julho de 2009 presenciei na favela da Maré, no Rio, a cerimônia que marcou o início da expansão do Crediamigo para fora do Nordeste, recém-coroado como o modelo nacional no lançamento do Programa Nacional de Microcrédito. O Rio já dispõe da melhor tecnologia escalável de microcrédito nas suas favelas.
O "choque de formalização" vai além da arrecadação tributária, embora seja importante ao princípio de isonomia entregar deveres nestas comunidades desde a primeira hora, juntamente com os direitos (segurança, propriedade etc) associados às UPPs. Por exemplo, IPTU ou arrecadação dos negócios nanicos materializados na figura do Empreendedor Individual (EI). Não devemos recair no simples: "Ei, você aí, me dá um dinheiro aí!".
O mote não é "levar a favela ao (cofre do) Estado" até porque as receitas são pequenas, mas "levar o Estado à favela" começando pela sua função mais primitiva de prover segurança, permitindo a operação dos mercados. Similarmente, é preciso ir além e "dar o mercado às comunidades", completando o movimento dos últimos anos de queda da desigualdade entre favela e asfalto e "demos as favelas aos mercados" (vide www.fgv.br/cps/favela e /favela2).
O choque de ordem das UPPs turbina os mercados consumidores na base da pirâmide. Uma nova classe média já emerge nestas áreas. Ao mesmo tempo as UPPs abrem esta nova classe média às empresas de fora que ainda expõe sua marca nas favelas como merchadising social. Heuristicamente, as UPPs correspondem a abertura externa da economia das favelas, benéfica aos consumidores mas prejudicial aos pequenos produtores pobres antes protegidos da concorrência externa. Pensemos no duelo: vendedor de churrasquinho X McDonald's, sem esquecer dos consumidores.
A falta de clientes é o maior problema percebido pelos negócios nanicos nas favelas, e fora delas. O Sebrae de Cesar Vasques e o IETS de André Urani montam o mais amplo estudo e menu de políticas de apoio aos pequenos produtores, sem esquecer que a carteira de trabalho é o sonho de muitos.
As favelas apresentam limites à ação do Estado e da iniciativa privada. No pós-UPP, o que importa não é tanto o nível desses limites, mas como eles evoluem no tempo. As favelas cariocas avançarão verticalmente (sem trocadilhos) se caminharem em direção à sua fronteira de possibilidades. Há o belo projeto de UPP Social de Ricardo Henriques e Eduardo Paes cuidando da mobilização social e da articulação da ação pública local.
Há que se transitar do choque de ordem ao choque de progresso. Distinguir condições necessárias das suficientes. Nossa equação básica é a da potencialização das consequências da pacificação, a da UPP ao cubo, leia-se: UPP3 = UPP * UPP Social * Upgrades Produtivos Populares.
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* Marcelo Côrtes Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, Fundação Getulio Vargas. Autor dos livros "Ensaios Sociais", "Cobertura Previdenciária: Diagnóstico e Propostas" e "Microcrédito, o Mistério Nordestino e o Grammen brasileiro". mcneri@fgv.br.
Fonte: Valor Econômico on line, 22/11/2011
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