segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Ricardo Paes de Barros: "Falta resolver a pobreza na infância"

QUESTÃO DE FOCOO economista Ricardo Paes de Barros. Ele diz que o governo deve
dar prioridade à atenção na infância (Foto: Igo Estrela/ÉPOCA)
O economista que é referência no estudo da miséria
afirma que o país precisa ter uma espécie
de Bolsa Família para cuidar
de crianças até 4 anos
LEANDRO LOYOLA

O economista Ricardo Paes de Barros é o responsável por acabar com o diletantismo nas discussões sobre pobreza. Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Paes de Barros desenvolveu métodos reconhecidos internacionalmente para medir a pobreza. Trabalhou na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, com James Heckman, prêmio Nobel de Economia em 2000. Desde o início do ano, Paes de Barros está na Secretaria de Assuntos Estratégicos, na Esplanada dos Ministérios. Tímido, do tipo que se mexe bastante enquanto fala, Paes de Barros trabalha num projeto ambicioso: unificar toda a rede de atendimento a crianças de 0 a 4 anos numa espécie de Bolsa Família infantil. “A pobreza em famílias com crianças nessa idade é o dobro da média”, afirma nesta entrevista a ÉPOCA. “A gente ainda não resolveu isso.”

ÉPOCA – Por que é preciso um programa da primeira infância?
Ricardo Paes de Barros – Nossa política para a primeira infância continua um pouco desarticulada, apesar de ser setorialmente muito rica. Você tem alguns indicadores de que a gente não está dando a atenção que a primeira infância precisaria. A pobreza em famílias que têm crianças pequenas é o dobro da média brasileira.

ÉPOCA – Há uma explicação para isso?
Paes de Barros – A explicação é que as famílias que têm crianças pequenas são aquelas que estão no início da sua vida no mercado de trabalho. Então, elas são naturalmente vulneráveis. Mas as famílias que têm idosos também são muito vulneráveis. E a gente desenvolveu toda uma infraestrutura de proteção aos idosos que hoje funciona perfeitamente. Na primeira infância, a gente não resolveu. Todo país mais desenvolvido começa a se preocupar muito com isso. Os países europeus, o Canadá e os Estados Unidos têm uma política voltada para famílias com crianças pequenas e para a redução da pobreza nessas famílias. Eles sabem que a pobreza nessas famílias vai ter consequências mais graves do que a pobreza em qualquer outra família. Um casal que não tem filho e está pobre é uma coisa. Um casal com um bebê e pobre é outra coisa, mais complicada.

"Se há algum país do mundo que
demonstrou que erradicar a pobreza é possível,
é o brasil
ÉPOCA – O senhor afirma que o Brasil é um país mediano em termos de mortalidade infantil, o que contrasta com seu PIB de país quase rico. O Brasil não está distribuindo renda como deveria?
Paes de Barros – Sempre fomos um país que, num cenário mundial, teve uma posição econômica melhor do que na área social. Nos últimos dez anos, a gente reduziu esse hiato. A gente tem avançado mais no social em nível mundial. Há países ultrapassando o Brasil na área econômica, e o Brasil está ultrapassando outros países na área social. Mas a gente ainda tem uma posição econômica melhor que a posição social. Independentemente dessa questão da solidariedade com as crianças pequenas, há várias razões – mais egoístas, digamos assim – para a gente estar preocupado com elas.
ÉPOCA – Quais são essas razões?
Paes de Barros – Qualquer pequena intervenção com uma criança pequena tem uma resposta muito rápida. Em segundo lugar, não só é fácil você arrancar um sorriso de uma criança s pequena, mas aquela satisfação tem um impacto sobre a formação do cérebro dela, que vai durar 80, 90 anos. Então, com pouco esforço, você pode fazer uma mudança que vai durar muito tempo. É isso que o (James) Heckman (prêmio Nobel de Economia de 2000) chama de complementaridade dinâmica. Ao fazer uma intervenção aqui, você tem um impacto, mas também um impacto sobre os impactos. Nos Estados Unidos, foram feitos estudos em que eles acompanharam, por 40 anos, crianças que tiveram acesso a uma atenção mais cuidadosa e outras que não tiveram. Você percebe que aquilo teve impacto sobre tudo: violência, educação, inserção no mercado de trabalho, se o cara vai ter uma casa, a duração do casamento, número de filhos. Quando as crianças nascem, as diferenças são pequenas. Cinco anos depois, elas já são grandes. Se há uma hora em que você pode promover igualdade, é nessa hora.

ÉPOCA – O que pode ser feito em termos práticos?
Paes de Barros – Vamos chamar todos os serviços disponíveis de uma coisa só. A saúde no Brasil hoje tem um passo a passo muito cuidadoso, mas não é interligada com a assistência social, nem com a educação, nem com os direitos humanos. Tem de unificar tudo num programa, como é o Bolsa Família. A pessoa que for lá vai encontrar um cara (um funcionário) que dirá: “Bem-vindo à primeira infância no Brasil”. Ele vai esclarecer tudo, desde a gravidez até a creche.

ÉPOCA – Em 2002, o senhor disse que o Brasil já tinha programas sociais suficientes. Agora basta ligar o que já existe?
Paes de Barros – Naquela época, o Brasil tinha um monte de programas, mas não tinha escala. Hoje, há vários municípios fazendo coisas geniais. Por exemplo: o Trevo de Quatro Folhas (programa de atenção à infância de Sobral, no Ceará) ganhou todos os prêmios mundiais. Mas, se você for a Juazeiro do Norte, talvez o cara de lá nem saiba que o programa de Sobral existe. Não estamos aprendendo muito um com o outro. É costume a gente ouvir coisas do tipo: “Na Indonésia tem um programa assim. A gente também tem, mas está lá em Juiz de Fora. E esse? Tem, mas lá em Blumenau”. O que estamos propondo é fazer o alicerce para consolidar isso. Nada que não seja puro bom-senso.

ÉPOCA – Qual é o custo disso?
Paes de Barros – É mínimo. É o custo de organizar. Agora, isso pode ter um impacto enorme para chamar a atenção para a primeira infância. Veja como o Bolsa Família não só foi bom para os pobres, mas serviu para o Brasil se unir na luta contra a pobreza. Elaborar um programa desses cria na sociedade uma consciência da importância da questão. Um amigo meu, o economista José Márcio Camargo, foi à Costa Rica. San José (a capital do país) não é uma cidade bonita, mas você sabe que o país é uma beleza. Ele (Camargo) estava numa praça, com um ministro, e perguntou: “Cadê a riqueza de vocês? Vocês estão escondendo em algum lugar”. Aí, as criancinhas estavam saindo todas arrumadinhas de uma escola. O ministro apontou para as crianças. “Está ali.”

ÉPOCA – A presidente Dilma estabeleceu como meta erradicar a miséria até 2014. Isso é factível?
Paes de Barros – Não tem nenhum país do mundo que tenha taxa de desemprego zero. A mesma coisa vai acontecer com a pobreza. Existe uma pobreza residual. Quando a gente fala em erradicar, não é zerar: é baixar a um nível muito baixo, vamos dizer 2%, 3%, 4%. O que a gente quer é ser capaz de identificar rapidamente que uma pessoa se tornou pobre e rapidamente tirá-la da pobreza. O que vai ser importante não é quantos pobres você tem, mas há quanto tempo a pessoa está pobre. No governo passado, a gente tinha uma estratégia. Acho que agora a gente tem uma estratégia melhor para combater uma pobreza muito menor. A gente está numa trajetória de reduzir a extrema pobreza à metade a cada cinco anos – quando as Metas do Milênio falam em reduzir a pobreza à metade em 25 anos. Se há algum país do mundo que demonstrou que erradicar a pobreza é possível, é o Brasil.

ÉPOCA – Numa reportagem recente, a revista New Yorker menciona sua preocupação com a postura da nova classe média em relação aos pobres. Quais os efeitos disso?
Paes de Barros – Eu falava mais no condicional que no real. Tiramos 30 milhões de pessoas da pobreza. Elas foram beneficiadas por uma política social dirigida para elas. Os que saíram da pobreza têm de demonstrar solidariedade com os que ficaram. Se isso não acontecer, você pode ter mais dificuldade para fazer política para os que ficaram. Ocorreu isso nos Estados Unidos com o New Deal I. Lá, os beneficiados pelo New Deal, quando saíram da pobreza, buscaram uma forma de organização da sociedade em que diziam: “Governo sai da frente, não atrapalha. Deixa eu ir para a frente”. O Brasil também pode ter isso. Mas essa é muito mais uma preocupação do que um fato.
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Fonte: Revista ÉPOCA on line, Ed. nº 709 - 19/12/2011

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