sábado, 21 de janeiro de 2012

Decifrando o gauchismo

ESTUDOS GAÚCHOS

De forma pioneira, Oliven mostrou que o gauchismo era uma entre múltiplas formas
de afirmar identidade regional e reagir à homogeneização cultural do país
Na abertura da série sobre interpretações do Estado,
Cultura aborda “A Parte e o Todo”,
de Ruben Oliven, publicado
há 20 anos
O que é ser gaúcho e o que torna um gaúcho diferente dos demais brasileiros? Quando e de que maneira nasceu o Rio Grande do Sul? O que, em sua história, economia, cultura e folclore, distingue nosso Estado dos demais da federação? Qual é a relação existente entre o Rio Grande e o Brasil hoje e o que mudou nessa relação ao longo dos anos? Gerações de pensadores de dentro e de fora do Rio Grande do Sul formularam essas e outras perguntas semelhantes ao longo dos anos e tentaram respondê-las em livros, manuais, textos acadêmicos ou não.
Até dezembro, em Zero Hora, no terceiro sábado de cada mês, a série Visões do Rio Grande abordará 12 obras contemporâneas que tiveram impacto para a compreensão do Rio Grande em distintas áreas de conhecimento.
O primeiro livro da série é A Parte e o Todo – A Diversidade Cultural no Brasil Nação, de Ruben Oliven, professor titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A gênese da obra coincide com o final do regime militar, com a emergência da antropologia como campo de estudo e com a consolidação dos movimentos tradicionalista e nativista no Estado. Desde então, o fenômeno do gauchismo ganhou uma dimensão global imprevista por seus fundadores. Em entrevista concedida a Zero Hora em sua casa, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, no dia 22 de dezembro do ano passado, o autor comentou:
– No Estado de Massachusetts, vizinho àquele onde estou vivendo nos EUA (Oliven é professor visitante na Brown University, em Rhode Island), existem vários CTGs e está sendo criada uma federação de CTGs.
A Parte e o Todo foi publicado em 1992 pela Vozes, teve segunda edição em 2006 e foi editado na Argentina e nos EUA. Esgotado na editora, o livro está disponível em bibliotecas.

A PARTE E O TODO A DIVERSIDADE CULTURAL NO BRASIL NAÇÃO

O LIVRO: “A Parte e o Todo” apareceu em 1992, pela editora Vozes, e teve uma segunda edição em 2006. O livro foi traduzido nos Estados Unidos (“Tradition Matters – Modern Gaúcho Identity in Brazil”, Columbia University Press, 1996) e na Argentina (“Nación y Modernidad – La Reinvención de la Identidad Gaúcha en el Brasil”, Eudeba, 1999). Recebeu o Prêmio Melhor Obra Científica do Ano concedido pela Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais (1993).

O AUTOR: Ruben George Oliven nasceu em 24 de outubro de 1945, em Porto Alegre. É professor titular do Departamento de Antropologia da UFRGS. Atualmente, é professor visitante na Brown University (Rhode Island, EUA). Atualmente realiza pesquisa sobre identidades refletidas na música do Brasil e dos EUA na primeira metade do século 20.

Gaúchos e brasileiros

MARIA EUNICE MACIEL*

Imagem da Internet
O livro de Ruben G. Oliven A Parte e o Todo não é apenas mais um livro sobre o Rio Grande do Sul. Trata-se de um marco nos estudos antropológicos sobre os fenômenos sociais que tratam do problema da relação entre região e nação a partir da relação entre o Rio Grande do Sul e o Brasil.
Diferentemente dos inúmeros trabalhos que expressam ideias correntes sobre identidade (procurando uma “essência” na maneira de viver de determinado grupo), ao estudar a chamada “identidade gaúcha” o autor nos traz uma perspectiva na qual o que é chamado de “identidade” é, antes de tudo, uma construção social efetuada através de uma espécie de jogo de semelhanças e diferenças entre a Parte (a região, mais precisamente, o Rio Grande do Sul) e o Todo (o Brasil). Sua ideia é de que ela se constrói em relação ao Brasil e, desta forma, desfaz a concepção de existência de uma identidade cristalizada no tempo e no espaço. Assim, não procura dizer “o brasileiro é assim ou assado” ou entrar na polêmica que procura dizer “como (ou quem) é o gaúcho”, e sim nos mostrar como estas ideias são construídas.
O livro nos mostra como diversos grupos participaram da construção do que é chamado de “identidade gaúcha” e como essa é um objeto de disputas entre esses grupos, disputa que envolve ideias (e critérios) sobre o que é verdadeiro/falso ou autêntico/espúrio na identidade regional. Ao analisar essas disputas dentro do cenário histórico onde ocorrem, o autor procura mostrar não apenas a polêmica em torno do assunto mas, sobretudo, quem tem o poder de estabelecer esta identidade.
O autor aborda questões fundamentais para a compreensão dos processos de pertencimentos. Somos gaúchos e brasileiros. Ou brasileiros e gaúchos. E não é apenas um caso de sobreposição, duplicidade ou de diferentes identidades. Trata-se de dois aspectos da mesma moeda. Que o Brasil tem como uma de suas mais fortes representações o fato de apresentar uma grande e significativa diversidade cultural, não há dúvidas. Mas o Brasil, ao mesmo tempo em que as comporta, é bem mais do que um somatório de identidades, o que faz com que os estudos das questões que envolvem essa relação entre o regional e o nacional tenham uma importância muito grande. E mostrar como isso é feito é um dos grandes méritos da obra.
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*Professora do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da UFRGS


Rara compreensão

CERES KARAM BRUM*
Imagem da Internet
Ao longo dos últimos anos tem crescido no Rio Grande do Sul e em alguns países platinos a preocupação com a análise sobre o gaúcho e os gauchos em uma perspectiva histórica e arqueológica. Estes estudos têm afirmado sua real existência nos espaços correspondentes a Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul. Igualmente é farta a bibliografia que critica a eleição e apropriação excludente da figura do gaúcho, frente a outros tipos sociais, como tipo característico, a partir de análises tendentes à ideologização dos movimentos que o cultuam.

Frente ao conjunto desta produção o livro A Parte e o Todo – A Diversidade Cultural no Brasil Nação, do antropólogo Ruben George Oliven, enfoca o tema de uma maneira tão inovadora que, mesmo passados 20 anos da primeira edição, continua sendo uma leitura fundamental para se entender a complexa diversidade da cultura gaúcha, em suas várias interfaces com o estado-nação brasileiro.
Seu livro, ao analisar o gauchismo como um fenômeno sociocultural riograndense e platino, bem como suas diásporas pelo Brasil através da presença do fenômeno do tradicionalismo para além das fronteiras do Estado enfoca o gaúcho através de sua construção simbólica e o analisa como mito. Esta bela análise se constrói via apresentação de um farto conjunto de dados históricos e etnográficos que nos ensinam sobre as várias significações que o gaúcho como mito passa a adquirir ao longo dos séculos 19 e 20, para os grupos que o acionam, na elaboração de suas identidades individuais e coletivas quer em espaços ditos nacionais, regionais ou globais.
A interpretação destes diálogos nos conduz, para além da dicotomia das oposições entre o local e o nacional, a pensar a cultura em suas utilizações simbólicas, suas imbricações inter-étnicas e suas sublimações. O imaginário partilhado sobre a figura do gaúcho no Rio Grande do Sul é um bom exemplo disto.
Na perspectiva da interpretação do mito do gaúcho adotada pelo autor, a apropriação de suas qualidades heroicas na composição da figura remete à seleção de fatos históricos e personagens, à leituras do passado e a sua utilização no presente. Refiro-me, por exemplo, à utilização simbólica da Guerra Guaranítica (1754-1756) com as alusões ao índio heroico Sepé Tiaraju, a quem se atribui o brado de “Esta terra tem dono”, bem como aos festejos da Revolução Farroupilha como mito fundador do gauchismo e sua popularização.
Neste cenário onde se entrelaçam passado e presente em situações ritualizadas, festejos ou concursos de que participam gaúchos, seus descendentes e simpatizantes dentro e fora do Rio Grande do Sul, vale lembrar a sábia máxima de Oliven de que, para além da falsidade ou da veracidade de uma representação vale sua capacidade de ecoar no imaginário de quem a aciona.
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* Professora do Departamento de Ciências Sociais da UFSManteriorlista
FONTE: ZH/CULUTRA on line, 21/01/2012
Imagens da Internet

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