sábado, 14 de janeiro de 2012

Em busca do código fechado do desejo

Gabriela Zago*

Biografia faz o balanço de acertos e erros
do maior encantador de usuários
da era digital

Uma coisa que ninguém pode negar é o fato de os computadores e outros dispositivos com acesso à internet (como tablets e smartphones) serem cada vez mais fáceis de usar. Mas o que muita gente não sabe é que grande parte dessa facilidade de uso se deve à insistência de um gênio excêntrico visionário do Vale do Silício: Steve Jobs.
Em Steve Jobs – A Biografia, o jornalista Walter Isaacson procura recontar a trajetória de vida do grande nome por trás do surgimento e da ascensão da Apple. O livro foi escrito a pedido do próprio Jobs. É um excelente trabalho jornalístico, feito a partir de inúmeras fontes e entrevistas. Foram ao todo mais de 40 entrevistas com Jobs ao longo de dois anos, e mais de cem com familiares, amigos, colegas e até desafetos, cujos contatos o biografado fez questão de providenciar para Isaacson. O resultado é uma obra que mostra um panorama quase completo da vida de Jobs – não só o lado bom, mas também aspectos ruins.
Steve Jobs era um gênio maluco antissocial. Um sujeito tão excêntrico que foi demitido da empresa que ajudou a criar (anos depois, imploraram-lhe que voltasse). Não importa que dissessem que algo não era possível. Ele distorcia a realidade e insistia até que suas ideias se tornassem possíveis. Foi assim com o Macintosh, foi assim com o iTunes. Aos poucos, a Apple foi revolucionando cada indústria, do computador pessoal à música eletrônica. E, à medida que se afastava da cultura hacker, ao não deixar o usuário mexer no equipamento, mais e mais se aproximava de uma experiência controlada do usuário, com hardware e software integrados e design e tecnologia interligados.
As apresentações de Jobs costumavam terminar com a imagem de uma placa com um cruzamento imaginário entre as ruas “Artes Liberais” e “Tecnologia”. E era em direção a essa intersecção que Jobs costumava canalizar seus esforços. Sua obsessão com o design ia ao ponto de se preocupar com a disposição dos circuitos internamente, dentro do computador, ainda que ele projetasse dispositivos que não eram para ser abertos pelo usuário comum – e, em alguns casos, como no iPhone 4, nem pela assistência técnica. Outro preciosismo seu era a tentativa de integrar hardware e software. O esforço fazia parte de uma ambição: controlar toda a experiência do usuário. Por esse motivo, ele jamais licenciou o sistema operacional da Apple para outros computadores, como fez a Microsoft com o Windows ou a Google com o Android. O OS X só funciona em Macs. O iOS, versão para dispositivos móveis do sistema operacional da Apple, só funciona em iPhones, iPods e iPads.
Sua obsessão pela intersecção entre design e tecnologia levou a alguns insucessos, como o Cube, um computador branco em formato de quadrado perfeito que fracassou em razão do alto custo. Pode não ter dado certo no mercado, mas atualmente é exibido no Museu de Arte Moderna de Nova York como uma verdadeira obra de arte.
Mas os sucessos são louváveis. E inclui produtos que acabaram por transformar indústrias inteiras, como o Apple II, que inaugurou a ideia de um computador pessoal, ou o Macintosh, que provocou uma revolução do computador doméstico, ao trazer interfaces gráficas do usuário. E engana-se quem pensa que Jobs revolucionou apenas na área da informática. Seu campo de distorção de realidade também interveio para tornar possível sucessos como Toy Story, que mudou para sempre a história da animação digital, o iPod e a iTunes Store, que, juntos, reinventaram a indústria da música, bem como o iPhone, smartphone constantemente copiado, e o iPad, que inaugurou a era dos tablets.
Para lançar boa parte dessas inovações, Jobs confiava nas ideias, e não no mercado. Só assim conseguia propor coisas que as pessoas sequer sabiam que queriam. Citava o exemplo de Henry Ford, que teria dito certa vez: “Se eu perguntasse aos consumidores o que queriam, eles teriam dito: ‘Um cavalo mais rápido!’”. Assim, nas palavras do próprio Jobs: “As pessoas não sabem o que querem até que a gente mostre a elas. É por isso que nunca recorro a pesquisas de mercado” (página 583).
Mas isso não isentava a Apple de responder às críticas suscitadas na imprensa após seus amplamente aguardados lançamentos. Na contramão da cultura hacker, a primeira versão do iPad, por exemplo, foi criticada por estimular o consumo passivo de conteúdo. Quase não havia espaço para criar, mixar e recombinar conteúdos. Jobs não se deixou abalar. O iPad 2 viria com duas câmeras (na frente e atrás) e com versões de dois aplicativos da Apple voltados para criação digital: GarageBand e iMovie, para edição de áudio e vídeo, respectivamente.
A Apple nunca foi, nem nunca pretendeu ser, uma empresa voltada para hackers e usuários avançados de computador. E muito menos visava atingir um mercado popular de massa. Nas mãos de Jobs, constituiu-se como uma empresa voltada para a construção de uma experiência controlada do usuário, com produtos revolucionários em que cada aspecto de design e de tecnologia é arduamente discutido e integrado para uma melhor experiência de uso.
Com tanto afinco na elaboração dos produtos, o preço final tende a ser um pouco maior que o da concorrência. Mas, para os macmaníacos, essa diferença no preço compensa, tendo em vista a experiência proporcionada. E, obviamente, toda essa tentativa de controlar a experiência do usuário não impede que os dispositivos da Apple sejam utilizados, manipulados, dissecados e adorados por hackers no mundo todo.
Em suas 600 páginas, o livro percorre aspectos pessoais e profissionais da vida de Steve Jobs, ressaltando seus altos e baixos na Atari, na Apple e na Pixar. É louvável a decisão do autor de dividir os capítulos por tópicos, não necessariamente em ordem cronológica. O problema é ter de constantemente recontar histórias interligadas, o que torna o livro por vezes repetitivo. Em alguns casos, anedotas precisam ser retomadas para que um determinado capítulo faça sentido. Há capítulos específicos para iPhone, iPad, iMac, mas também para doença, amor, filhos. Não é de modo algum um livro feito às pressas em função da morte do biografado. Mas percebe-se uma certa pressa em seu lançamento, ao menos na versão em português – há pequenos deslizes de tradução e erros de digitação, que uma próxima edição há de resolver. É um risco que se corre ao se tentar lançar global e simultaneamente a biografia de um grande líder mundial logo após sua morte.
STEVE JOBS
De Walter Isaacson.
Tradução de Denise Bottmann, Pedro Maia Soares e Berilo Vargas.
Companhia das Letras, 624 páginas,
R$ 49,90 (impresso) e R$ 32,50 (e-book).
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*Jornalista, doutoranda em Comunicação e Informação pela UFRGS, fã de “Toy Story” e usuária de Macbook, iPhone e iPod
Fonte: ZH/Cultura on line, 14/01/2012

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