segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Ribamar

LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL*

Este Ribamar de que falamos é o título de um belíssimo livro de José Castello, saído pela Bertrand do Brasil. O autor é um dos mais importantes intelectuais da cena literária brasileira, e eis que isso é pouco, pois o adjetivo “literária” é muito restrito para designar uma obra que passa pela crítica, pelo jornalismo, pelo ensaísmo, pela crônica e, em grande estilo, pela ampla reflexão artística. Com sua dicção mansa, José Castello nos convence de seus juízos sem apelar para teorias ou modelos interpretativos, e assim ele se insere numa importante vertente da crítica literária brasileira, aquela que situa a obra dentro de um quadro maior e ancorado no tempo e no espaço. Mas José Castello, com sua inventividade, é também romancista, e premiado em certames dos mais prestigiados, como o Jabuti – que não lhe falhou no livro de que nos ocupamos.
Ribamar, se quisermos – e não queremos – reduzir a um breve conceito, seria o romance da paciência. A paciência já começa pelo tempo de escrita que, parece, levou uns quatro anos inteiros. É preciso que o livro decante, que as palavras se acomodem umas às outras. É o romance da paciência, também, porque tratar de uma relação pai e filho, ainda que no plano ficcional, é preciso muito tempo, o tempo para desfazer as amarguras e as incompreensões. O autor, que assume um narrador em primeira pessoa, cita Kafka, especialmente o Kafka do Carta ao Pai, obra que tem um extraordinário papel no romance. Acompanhamos, com alvoroçada parcimônia – passe a contradição –, o crescer do filho à medida em que entende melhor o pai, ou melhor, sai à busca dos elementos para entendê-lo, o que o leva a um labirinto em que não há um minotauro à espera, mas uma figura humana a ser discutida, detestada e amada. A percorrer os vários capítulos, há fragmentos de uma mesma canção versada em fragmentos do pentagrama, escrita numa linguagem redonda, infantil, que era a canção Cala a Boca, que lhe cantava o pai.
A linguagem, por ser de um filho, sempre terá um timbre de dependência, mas que é capaz de dizer, de maneira comovente, referindo-se à relação com o pai: “Talvez eu tenha escolhido armas inadequadas, como um boxeador que, ao subir ao ringue, em vez de vestir luvas, porta um sabre”.
Belo, sim – e terrível. E apenas um grande livro é capaz de dizer tudo isso.
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* Escritor. Prof. Universitário. Colunista da ZH
Fonte: ZH on line, 30/01/2012
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