domingo, 25 de março de 2012

Entre o sagrado e o profano

Tubarão conservado em formol é um dos destaques da obra de Damien Hirst

Tate Modern abre suas portas para uma enorme exposição do polêmico artista britânico Damien Hirst

Damien Hirst pode ser rico e famoso, mas ele não tem tudo. O artista de 46 anos de idade, nunca teve uma retrospectiva solo em um museu de arte moderna, e se quiser transformar sua notoriedade em imortalidade, precisará do apoio de instituições públicas e elogios dos críticos sérios. Hirst e seus marchands têm favorecido as vendas rápidas, e não o lado histórico e artístico de sua carreira. Mas a Tate Modern o resgatou com uma exposição monumental, que ficará em cartaz por cinco meses a partir de 4 de abril.
A exposição é composta de 73 obras realizadas ao longo de um período de 22 anos, exibidas em ordem cronológica para transmitir a evolução das ideias do artista. A trajetória geral é da intensidade para a exuberância, partindo de instalações punk, como armários cheios de pílulas e guimbas de cigarro, à arte que se parece com bens de luxo feitos sob medida. Se os espectadores deixarem de lado sua hostilidade, o que pode surpreender é a capacidade de Hirst de transformar a arte conceitual seca em trabalhos inteligentes e emocionalmente envolventes.
Seis das obras na mostra são de propriedade total ou parcial da Tate. Isto inclui dois trabalhos de natureza morta, que oscilam entre emoção e a ironia: Away from the flock (1994), uma ovelha branca suspensa num tanque de formol, e Mother and Child Divided (1993), uma vaca e um bezerro divididos entre quatro tanques. Das 67 peças emprestadas para o show, apenas três vieram de instituições públicas. O resto são empréstimos de concessionários e de uma gama de colecionadores privados, que inclui Miuccia Prada, Bernard Arnault e Steve Cohen.
 Away from the flock (1994), uma ovelha branca suspensa num tanque de formol.
No entanto, o credor número um para a retrospectiva Hirst é o próprio Damien. Além de algumas peças iniciais, uma pintura alegre e uma escultura de seis toneladas de bronze de um modelo anatômico, ele emprestou A Thousand Years (1991), uma caixa de vidro que testemunha o ciclo de vida das moscas. Foi um dos doze primeiros trabalhos que o artista comprou de volta de seu primeiro patrono, Charles Saatchi, em 2003. Hirst acredita que a escultura é sua obra mais emocionante. Muitos preferem um trabalho mais bonito, com um tema semelhante, que ele fez alguns meses depois, intitulado In and Out of Love. Esta instalação é constituída por duas salas, uma em que borboletas saem de pupas incorporadas em pinturas brancas, e outra em que as borboletas mortas são pressionadas sobre as superfícies brilhantes de telas coloridas. A mostra reúne estes dois trabalhos pela primeira vez em 20 anos.
A turbine hall da Tate, uma espécie de catedral pós-industrial para a arte, será entregue ao crânio de diamante, For The Love of God, de 2007, que o artista mantém com a sua galeria de Londres, a White Cube. A pequena escultura de platina, que apresenta dentes humanos reais e mais de 8.000 diamantes, foi posta à venda com um preço inicial de 50 milhões de libras – uma tática que claramente errou seu alvo, já que a obra não conseguiu ser vendida. O crânio será drasticamente iluminado em um quarto escuro, assim como outras joias em um leilão prévio. Oficialmente, a exibição não é um mecanismo de marketing, mas um comentário sobre o “sistema de crença” do capitalismo.
 Crânio de diamante, For The Love of God, de 2007
O dinheiro é um tema, mas também um problema. A retrospectiva deveria viajar para o Museu de Arte Contemporânea (MOCA) em Los Angeles, mas foi colocado em espera por tempo indeterminado por ser muito cara. Trabalhos como o famoso tubarão (The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living, de 1991) precisam de, pelo menos, seis técnicos e um total de sete dias para serem instalados. O preço de criar, transportar, instalar e assegurar as obras de Hirst excede o orçamento anual de exposições, de US$ 3 milhões, do MOCA – uma quantia doada por Eli Broad, um filantropo. Ele emprestou duas obras de sua coleção substancial de peças de Hirst à Tate.
Existem duas exclusões notáveis da retrospectiva. Primeiro, ela não traz pinturas figurativas de quaisquer obras – nenhum trabalho de fotorrealismo, nenhuma das visões microscópicas de células cancerosas, nenhuma das telas que Hirst pinta com a própria mão no estilo de Francis Bacon. Em segundo lugar, a exposição omite The Golden Calf, de 2008, um touro com chifres e cascos de ouro em um tanque banhado a ouro, que era a peça central de Beautiful Inside My Head Forever, o leilão de obras de Hirst na Sotheby’s realizado em 2008. O Wall Street Journal informou que François Pinault comprou o touro de £ 10.3 milhões, uma manobra desconcertante para o proprietário de Christie’s. Certamente o Sr. Pinault tem investimentos profundos no trabalho de Hirst. Ele emprestou duas peças para a Tate, incluindo um importante precursor para o famoso tubarão, Isolated Elements Swimming in the Same Direction for the Purpose of Understanding.
Pintura de  Zeng Fanzhi
Muitos colecionadores do trabalho de Hirst esperam que esta exposição revigore seu mercado. De acordo com a artnet, uma empresa que acompanha o mercado de arte, em 2011, um em cada quatro obras de Hirst levada a leilão não foram vendidas, e seu preço mais alto foi de US$ 1,7 milhão, abaixo dos US$ 19 milhões de 2007. No ano passado, o volume de negócios total das obras de Hirst nos leilões foi de apenas US$ 29,6 milhões, colocando-o bem atrás de artistas como Gerhard Richter, cujo trabalho rendeu quase US$ 200 milhões em leilões, e Zeng Fanzhi, um pintor chinês que é provavelmente o artista mais rico em todo o mundo.
Hirst terá um lugar na história. Um escultor inovador, ele é também um pintor oportunista, cuja sede de poder pode atrapalhar seu melhor juízo. Se nada mais, Hirst provavelmente será lembrado por sua aptidão incomum para distorcer a linha entre o sagrado e o profano.
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 http://opiniaoenoticia.com.br/25/03/2012
Imagens da Internet

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