segunda-feira, 19 de março de 2012

Um papa de transição?

Dentro de um mês, Bento XVI vai completar 85 anos. Agora, ele é papa mais velho nos últimos 109 anos, desde que Leão XIII morreu em 1903 aos 93 anos, e em breve irá se tornar um dos apenas seis papas nos últimos 500 anos a reinar depois dos 85 anos de idade. Essa lista inclui três pontífices (Pio IX, Inocêncio XII e Clemente X) que morreram dentro de um ano após completarem 85 anos. Por isso, se a estabilidade básica de Bento XVI se mantiver, ele vai ultrapassá-los em 2013. Como diz o ditado, as máquinas alemãs são construídas para durar!

A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 16-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Por si só, a idade avançada de Bento XVI, provavelmente, convidaria à especulação sobre o que virá a seguir, embora não haja nenhuma indicação de uma crise de saúde. Afinal, esse é um pontífice que parte na nesta semana para uma viagem de seis dias para o México e Cuba.

No entanto, não é apenas um aniversário que leva as pessoas a pensar sobre a sucessão. Há também uma percepção crescente de que para todo o brilho de Bento XVI como professor, algo não está funcionando na governança interna do Vaticano, e provavelmente isso não será consertado sob a sua supervisão. O escabroso escândalo do "Vatileaks" é o sintoma mais recente de uma série de doenças – uma incapacidade de manter os conflitos pessoais sob controle (o caso Boffo), para antecipar os resultados previsíveis das escolhas políticas (o desastre do bispo negacionista do Holocausto) e até mesmo para contar histórias positivas efetivamente (o papel do papa na crise dos abusos sexuais).

Com essa perceptível crise de competência de fundo, duas vozes proeminentes na Itália, com efeito, declararam aberta a temporada informal de transição papal.

Surpreendentemente, ambos pertencem a uma corrente política e cultural apelidada de theo-cons, que inclui seculares não crentes que admiram a autoridade moral da Igreja Católica. Ambas as figuras já tiveram seu peso recentemente ao celebrar a eleição do cardeal Joseph Ratzinger ao papado em 2005, e ambos estão entre seus ardentes defensores.

Primeiro foi o comentarista Ernesto Galli della Loggia, que publicou uma coluna no jornal mais influente da Itália, o Corriere della Sera, pedindo uma reforma do mecanismo de eleição de papas.

Em suma, sua ideia é incluir todos os bispos e superiores religiosos do mundo na votação, ou seja, um corpo eleitoral de cerca de 6.000 lideranças da Igreja – como uma forma, em sua opinião, não de democratizar a Igreja, mas sim de reforçar o poder do papado, livrando-o da dependência excessiva de um punhado de nobres eclesiásticos.

A premissa de Galli della Loggia é que o Colégio dos Cardeais, que atualmente goza do direito exclusivo de eleger o papa, constitui uma "verdadeira oligarquia". A natureza de uma oligarquia, diz ele, é que os seus conflitos raramente são sobre ideias, mas sim sobre personalidades, especialmente daquelas cuja rede de influência e clientelismo é mais forte. Essa dinâmica, escreve ele, produz "uma fatal e abrangente piora qualitativa do dirigente", que é "é obrigado a confiar a outros fatores as suas esperanças de sucesso".

O escândalo dos vazamentos, escreve ele, é um exemplo clássico de "um confronto de fortes colorações pessoais entre este e aquele expoente da mesma instituição, entre este ou aquele grupo", que não pode senão produzir um "descrédito profundo" da própria instituição.

Galli della Loggia argumenta que o conserto disso não passa pela "democratização" no sentido do poder da maioria, que ele descreve como uma ideia "que francamente, deveriam abalar as veias nos pulsos". Ao contrário, ele defende um "reforço ainda maior do papel do pontífice", impedindo-o de ser "condicionado" pelas rivalidades pessoais e pelas ambições carreiristas de diversas figuras do topo do sistema.

Cientista político astuto, Galli della Loggia observa que, ao longo dos séculos, monarcas europeus sempre viram a maior ameaça ao seu próprio poder e à estabilidade do Estado nas maquinações da nobreza aristocrática. Como resultado, afirma, os monarcas esclarecidos sempre buscaram algum tipo de legitimação popular – uma base de apoio "de baixo", para combater as pressões "de cima" criadas pelas elites.

Em uma frase, Galli della Loggia propõe que, ao invés um "césar oligárquico", o papa deve se tornar um "césar democrático" – um governante forte, capaz de isolar a Igreja contra o relativismo e as modas do dia, mas não dependente da legitimação exclusivamente dos príncipes da Igreja.

Galli della Loggia termina seu artigo citando James Madison, no sentido de que "se os homens fossem anjos, só então não haveria necessidade de leis", e acrescenta: "No Vaticano, os homens também não são anjos".

Já o jornalista italiano Giuliano Ferrara edita o jornal Il Foglio, e sua ardente retórica é sempre uma atração popular nos círculos católicos conservadores da Itália (eu cobri alguns de seus discursos no festival anual do Comunhão e Libertação em Rimini, onde ele atraía o tipo de adulação primitiva tipicamente reservada a estrelas de rock e símbolos sexuais).

Com efeito, a força-motriz do artigo de Ferrara foi a de dizer a Bento XVI que não há problema em renunciar.

Ele começa citando a resposta já famosa de Bento XVI sobre a renúncia, em seu livro-entrevista de 2009 com o jornalista Peter Seewald: "Quando um papa chega à consciência de não ser mais capaz física, mental e espiritualmente de desenvolver o cargo que lhe foi confiado – disse Bento XVI – então ele tem o direito e, em algumas circunstâncias, até o dever de renunciar".

A inclusão do termo "espiritual", segundo Ferrara, indica que a análise de quando a renúncia é apropriada pertence à consciência do papa e não apenas à ciência médica.

Ferrara opina que Bento XVI poderia renunciar como um ato de "liberdade espiritual", de uma forma que garanta "um incremente da força e da segurança de trato no governo da catolicidade". Fazendo isso, sugere ele, o pontífice poderia "remover toda lentidão, cansaço e espírito defensivo da casa romana de Pedro", enquanto, ao mesmo tempo, proporcionar a Bento XVI a chance de guiar a sua própria sucessão com "maior temperamento e fundamento".

Aliviando-se dos fardos da governabilidade, diz Ferrara, também significaria para Bento XVI "não o cancelamento do seu próprio magistério, mas sim o renovando e relançando". Essa abdicação, insiste Ferrara, não enfraqueceria o papado – ela seria, ao contrário, em suas palavras, um "gesto soberano e papocêntrico".

Tanto Galli della Loggia quanto Ferrara reconhecem que suas propostas podem ser irrealistas, senão um pouco fantasiosas. No entanto, independentemente da opinião de cada um, há dois pontos para tirar disso que parecem bastante claros.

Primeiro, o fato de alguns dos maiores fãs do Vaticano estarem pensando sobre como o papado pode ser fortalecido, quer pela reforma eleitoral, quer pela renúncia, é uma confirmação indireta de que ele é percebido como fraco – não em termos de ideias, mas de gestão de negócios.

Segundo, a fermentação refletida nesses artigos consolida uma intuição-chave sobre a próxima eleição papal, quando quer que ela ocorra (e, nesse caso, quem quer que vote nela). Uma trajetória comprovada como governador, incluindo tanto a capacidade e a disponibilidade de assumir as rédeas do poder no Vaticano com mais firmeza em suas próprias mãos, dá forma a uma qualidade decisiva para qualquer candidato à sucessão de Bento XVI.
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Fonte: IHU on line, 19/03/2012

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