segunda-feira, 2 de abril de 2012

''Acredito na emancipação, mas não renuncio à democracia''.

  Entrevista com Slavoj Zizek 

"Todos os nossos problemas, da crise ao ambiente, 
são problemas do viver juntos: nesse sentido, eu falo de comunismo". 

O filósofo esloveno Slavoj Zizek conta nesta entrevista as suas posições políticas.

Eis a entrevista.

Por que você se interessa tanto por psicanálise?


Por um só e único motivo: chegar a uma nova compreensão de Hegel. Esse é o verdadeiro núcleo do meu trabalho: o meu entusiasmo maníaco por Hegel. Recém escrevi um livro sobre Hegel, que está sendo impresso agora, será publicado em inglês, em cerca de três meses. É uma loucura, mais de mil páginas de Hegel.

Em seu livro, você afirma que o comunismo representa a única saída da atual crise social...
Eu digo isso de verdade?

Em que sentido o comunismo é a solução?
Ok, eis aqui a minha posição oficial a respeito. Acima de tudo, eu sei que tenho um pequeno problema de relações públicas. Muitos dos meus amigos, mas também pessoas com quem eu não tenho relações de amizade, me perguntam: por que você não abandona finalmente esse estúpido conceito do comunismo, que traz consigo tantas implicações infelizes?".

E por que não o abandona?

Posso lhe dar três motivações. Como bom freudiano, eu sei que, quando se dão muitas motivações, logo nos tornamos suspeitos (risos). Primeiro: gostaria de enfatizar que, apesar de tudo, existe uma tradição bem definida do comunismo que não tem nada a ver com o stalinismo. Por exemplo, a linha radical e emancipada representada pelo milenarismo, com a sua crença no fim dos tempos. O reino eterno é aqui! É possível encontrá-lo no cristianismo, na revolta espartaquista, na guerra dos agricultores e assim por diante. Considero essa tradição muito importante. Eu gostaria de levá-la adiante.

E a segunda motivação?
O problema com todos os outros conceitos, com exceção do comunismo, é que eles estão comprometidos no sentido exatamente oposto: são levianos demais para digerir. Tomemos o conceito de "solidariedade". Até Hitler poderia falar de solidariedade. Ou "dignidade" – mas, é claro, tudo depende do que entendemos por "dignidade". Veja, a palavra comunismo é ao menos desestabilizante: fazer entender que não estamos aqui para nos iludir, para falar de conceitos de honra e vazios, como o de "maior justiça".

E a terceira razão?

Talvez seja realmente uma coisa boa que esse conceito esteja sobrecarregado por uma história tão assustadora. Ela nos lembra que projetos de tal porte prático estão sempre embebidos por perigo. (...) Mas a minha verdadeira resposta, a definitiva, é: a palavra "comunismo", como eu destaco mais de uma vez no meu livro, não é o nome da solução, mas sim o do problema.

De qual problema?

Se examinarmos as questões diante das quais nos encontramos hoje – a poluição do ambiente, o capitalismo financeiro, a biogenética, a defesa da propriedade intelectual –, todos esses são "problemas do viver juntos, em comum": referem-se a um âmbito que foge tanto do controle do Estado, quanto das soluções concebíveis no âmbito privado da economia de mercado. O conceito de "comunismo" (do latim, communis) para mim, portanto, identifica o problema. (...)".

Falemos do movimento Ocuppy Wall Street. Em sua opinião, ele contribui, mesmo que em pequenos passos, para mudar as coisas, ou faz parte do problema?

Quem viver verá, eu sou muito cauteloso. A minha opinião sobre o Ocuppy Wall Street, no entanto, é a seguinte: a existência dele é significativa, dado que se trata do primeiro movimento, nos Estados Unidos, que conseguiu obter um amplo eco social e não se ocupa de um único tema, por exemplo, só do racismo ou só do endividamento criado por especulações financeiras. As pessoas se deram conta de que há algo que não funciona no sistema. Mas eu não gosto da fórmula "é culpa do capital financeiro".

Por que não?

O problema, na realidade, é: qual é a lógica na base do atual sistema capitalista, que permite que o capital financeiro aja assim? Trata-se de uma coação sistêmica. Os banqueiros são maus desde sempre – que estranho, hein? Não devemos culpar só os banqueiros de hoje! É uma idiotice! E eu acho que o erro mais grave que se pode cometer é moralizar essa crise (...).

Você afirmaria que a nossa atual forma de democracia não é capaz de combater o capitalismo?
Não, não, não, eu diria quase o contrário! Certamente, a liberdade de que dispomos só é formal – mas esse, entretanto, é o único âmbito em que a liberdade pode existir. No momento em que se abole a democracia formal, não se obtém a verdadeira democracia. Em vez disso, perde-se a democracia enquanto tal. O único espaço de liberdade que temos encontra-se no campo intermediário entre a democracia formal e as formas efetivas da nossa não liberdade... Devemos começar a pensar na política para além das definições restritas próprias do Estado multipartidário. Quero dizer o seguinte: eu odeio o 1968. Muita liberdade, muito divertimento. Mas ao menos uma coisa eles entenderam: o pessoal é político e todas essas coisas. Não são coisas que devem ser sobrevalorizadas, que fique claro, mas naturalmente são justas: a opressão das mulheres, as estruturas familiares, o que acontece nas fábricas... nesses âmbitos também são postas questões de liberdade, de política. E aqui, a meu ver, se insere o problema mais sério: não se deveria acabar com a democracia formal. Mas, ao mesmo tempo, como incluir esses âmbitos no processo político?
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A reportagem é de Wolfram Eilenberger e Svenja Flasspölher, publicada no jornal La Repubblica, 31-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 02/04/2012
Imagem da Internet

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