Sábado, 28 de abril, comemora-se, no Brasil, o Dia da Sogra.
O calendário de efemérides está repleto de dias consagrados a quase todos os
galhos da árvore genealógica. Predomina, por razões óbvias, o Dia das Mães. Mãe
todos temos, com certeza.
O Dia da Sogra deve ter sido incluído por proposta de algum
político corrupto que, tendo escutado ofensas óbvias à sua progenitora, decidiu
homenagear a mãe de sua mulher. Ou de suas mulheres, embora o calendário
singularize (sogra) o que pluraliza na efeméride de maio (mães).
Sogras padecem no anedotário. "Feliz foi Adão que não teve
sogra, nem caminhão”, li no para-choque de uma jamanta na Via Dutra. Cinco
coisas que ninguém jamais viu: cabeça de bacalhau; mendigo careca; ex-corrupto;
santo de óculos; e retrato de sogra na sala.
Faz-se de um lugar ou ambiente "casa da sogra” quando alguém
se julga no direito de abusar da hospitalidade de parentes ou amigos. Na casa
da sogra tudo é permitido, até a má educação e a falta de higiene.
A cascata de escândalos do caso Carlinhos Cachoeira, com
perdão da redundância, projeta o Brasil como a própria casa da sogra. Muitos
políticos – há exceções, felizmente - adotam três discursos: o eleitoral, da
captação de votos; o partidário, das articulações de bastidores; e o
salafrário, para amealhar dinheiro e poder.
Inúmeros empresários e comerciantes se queixam de que, no
Brasil, não se vence licitações nem se obtém recurso público sem "molhar” a mão
de políticos e funcionários do governo. A prática já está incorporada às
negociações entre empresas privadas ou pessoas e agentes públicos. Amigo meu,
ao ver sua moto recuperada pela polícia, se espantou com a lisura do
investigador, que não lhe pediu nem um centavo.
Raros os políticos brasileiros que vieram de berço
esplêndido. E todos sabem quão cara é uma campanha eleitoral. Essa
vulnerabilidade é a porta de entrada dos corruptores, em geral travestidos de
lobistas. Aproximam-se do político e se tornam facilitadores de suas vontades e
necessidades: empregos aos parentes; viagens em jatinhos; férias em locais
paradisíacos; presentes caros etc.
Na primeira fase, o corruptor nada pede, apenas oferece.
Demonstra um desprendimento e dedicação ao político de fazer inveja a madre
Teresa de Calcutá. Essa aproximação, que socialmente faz o político passar da
classe econômica à executiva, introduzido aos prazeres privativos do mundo dos
ricos, cria vínculos de amizade.
A segunda fase se inicia quando o político se sente na
obrigação de ser grato ao amigo. Em que posso ajudá-lo? Ora, o amigo tem seus amigos:
as empresas que o abastecem de recursos para abrir caminhos na intrincada
burocracia da floresta governamental. Começam então as facilitações obtidas
pelo político: licitações fajutas; informações privilegiadas; nomeações
convenientes; tráfico de influência etc.
A terceira fase da transformação do exercício de um mandato
popular em casa da sogra é o caixa de campanha. O político não pode perder
eleição. E para ganhá-la precisa de visibilidade (poucos a alcançam) e dinheiro
(imprescindível). Criam-se o caixa um, legal, declarado à Justiça Eleitoral, e
o caixa dois, por baixo dos panos, abastecido pelo amigo lobista e outras vias
escusas.
É possível acabar com a corrupção? No coração humano,
anabolizado por ambições desmedidas, jamais. Há, contudo, antídotos objetivos:
financiamento público das campanhas eleitorais; controle da administração
pública pela sociedade civil; ficha limpa também quanto ao patrimônio familiar
acumulado; apurações rápidas e punições rigorosas aos corruptos.
Isso depende de reforma política, que o governo e o
Congresso tanto protelam. Enquanto perdurar o atual sistema político,
contaminado por 21 anos de ditadura militar, como a isonomia de representações
estaduais no Senado, os ratos da corrupção haverão de trafegar à vontade pelos
buracos do queijo suíço das maracutaias.
O Brasil deixará de ser a casa da sogra quando nossa
indignação se converter em mobilização e proposta.
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*Frei Betto é escritor, autor do romance "Minas do Ouro”
(Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org- Twitter:@freibetto.
Fonte: Adital on line, acesso 22/04/2012
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