domingo, 15 de abril de 2012

Driblar sem bola

Flávio Tavares*

Quando os ingleses, no século 19, grafaram a expressão “dribbling”, que virou “drible” em nosso futebol, não sabiam que inventavam um maná dos céus que, no século 21, iria sobrepor-se à correção e às leis. Ou, até, aos Dez Mandamentos que Moisés recebeu da Divindade. Na política, nas trocas comerciais ou no cotidiano das pessoas, nada é mais importante do que driblar, fazer que vai sem ir, fazer que foi sem ter ido. E, nisso, avançar tão rapidamente, que pareça estar ainda no mesmo lugar, sem que se explique por que chegou aonde chegou.

O que têm em comum gente tão diferente como Neymar, Carlinhos Cachoeira e o punhado de políticos (ministros, parlamentares e demais) envolvidos nos escândalos dos últimos tempos? O drible!

Sabem driblar admiravelmente, enganar a quem esteja à frente e obter o que querem como se nada quisessem. Driblam mais do que o mascate da velha anedota, que ao ver o rapaz a quem vendera uma roupa que encolheu na primeira lavagem, exclamou: “Como esse guri cresceu e engordou em apenas um mês!”.

O drible explica as fortunas rápidas – as do futebol e, mais ainda, as sorrateiras, vindas de atividades parasitárias, tipo jogatina e especulação. Esses milionários do absurdo só vicejam, porém, pelos padrinhos que driblam melhor ainda. Por exemplo: além do senador Demóstenes Torres, do centro-direitista DEM, a máfia do bicheiro Cachoeira aparece vinculada ao governador de Brasília, Agnelo Queiroz, do PT, com pose de esquerda e que chegou aonde está substituindo o corrupto antecessor, filmado recebendo dinheiro vivo. E respinga no deputado Protógenes Queiroz, comunista do PC do B, eleito por atuar com bravura contra “os grandes” do crime quando delegado da Polícia Federal...

Não sei quem possa ser o Carlinhos Ca- choeira gaúcho (nem sei se existe), mas o de Goiás é “um grande empresário”, respeitado e reverenciado pelos políticos, pelo futebol ou pela imensidão de “novas igrejas” que pululam por aí. Do jogo do bicho aos bingos, de fraude em fraude, chegou à coleta de lixo urbano, “negocião” ignorado e rendoso. Ousado, buscou as áreas de informática e aeronáutica e, aí, usou seu fiel criado Dadá, ex-sargento da FAB. Chegou a pensar em explorar petróleo, mas entendeu que só se acede a tudo isso com um empurrão de quem esteja no poder.

E aconselhou o senador Demóstenes (seu padrinho e protetor) “a entrar para o PMDB” e integrar-se à “base aliada” que apoia o governo da presidente Dilma. Não pensava no governo, mas no que obter do governo. Viu a atuação desse partido como um curinga do baralho político, que serve para qualquer jogada e entra em qualquer fresta. Ou que pode ser uma coisa no Rio Grande e outra no resto do país, servindo a Deus ou ao diabo com igual presteza.

Acima das interpretações e análises dos politólogos e sociólogos, o bicheiro Cachoeira viu a “base aliada” como concreta “base alugada” e sugeriu ao senador Demóstenes a melhor chave para abrir o portão e entrar casa adentro. Afinal, não era ele senador ilibado, acima de qualquer suspeita?

Talvez por tudo isto, dias atrás, quando Neymar em pessoa, sem chuteiras mas com o penteado de sempre, sentou-se no pedestal da mesa diretora da Câmara Federal, em Brasília, ao lado do deputado-presidente, um frenesi tomou conta do plenário e das galerias.

O gênio do drible partilhava a homenagem pelo aniversário do Santos F.C., mas estava ali sem o uniforme branco da equipe. Vestido todo de preto – fatiota preta, camisa e gravata pretas –, parecia de luto, em meio a algo morto.
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*Jornalista e escritor
Fonte: ZH 0n line, 15/04/2012
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