quinta-feira, 12 de abril de 2012

O Pit Bull e o fumante

Juremir Machado da Silva*










<br /><b>Crédito: </b> ARTE JOÃO LUIS XAVIER
"La nave va". O Titanic continua afundando. Tem tsunami devastando mundos. E seis partidos brasileiros tomando banho de Cachoeira. Corrupção braba. No meio dessa tormenta, Porto Alegre lidera em obesos e fumantes. Na mesma torrente, estudantes universitários lutam contra a ignorância e o preconceito em relação à raça Pit Bull, depois da execução de uma cadela por um vigilante. Tudo se interliga, do voo da borboleta ao rosnado do cão. O mundo está mudando. Há mais amor pelos bichos. Mais delírio também. Ter medo de Pit Bull, mais uma dessas raças inventadas para atender ao gosto de certa clientela, virou, segundo os defensores do bicho, sinal de estupidez. O fumante contumaz é um Pit Bull. Um perigo ambulante. Pode ser dócil e atencioso. Não pode, contudo, negar o seu DNA. De repente, estraçalha alguém na maior. O fumante é um perigo, antes de tudo, para si mesmo.

Nada mais triste do que um homem no fim da vida dependente do cigarro. Ele mente, esconde-se, fuma, escarra e humilha-se. As mulheres ainda fumam muito. A gente vê na rua meninas com ar de vampiro sugando esses palitos hediondos. Comprei, há muito anos, na França, de um brasileiro fumante, a enciclopédia Universalis. Esse negócio de enciclopédia em papel acabou. O cheiro de cigarro nos livros permanece. Nem dá para consultar. Pior do que o fumante bravateiro, que faz qualquer coisa por sua dose de fedor, é o ex-fumante Pit Bull, convertido à missão de ser o mais puro dos homens. Recebi muitos e-mails e comentários no meu blog com as clássicas afirmações comparando homens e cães: melhor um cachorro amigo do que certos homens. Cães não traem. Compreendi que muitas pessoas admiram justamente a menor complexidade afetiva dos cães, a chamada fidelidade canina ao dono. A inferioridade do cão está no fato de que ele não pode trair. Não pode mudar de sentimento em relação ao dono. Assim como o computador não pode blefar.

A perfeição do homem está também na sua imperfeição. Não se pode adestrá-lo para sempre. Salvo os fumantes incorrigíveis. O fumante é um Pit Bull domesticado pela nicotina. A falta dela, porém, pode despertar a sua fúria natural. Admiro essa onda de amor pelos animais. Mas desconfio de qualquer pessoa que prefira animais a seres humanos. O pior dos seres humanos atrai mais a minha empatia que o melhor dos animais. Por ser homem. Sou antropocêntrico. Mas gosto de animais. Odeio que alguém os maltrate. Tive muitos. Até um cachorro, o Lobo. Algo me diz, no entanto, que na paixão atual de muitos pelos animais se esconde um sentimento egoísta, um horror à complexidade humana, um desejo de tratar carinhosamente como objeto vivo um ser que não proteste, não conteste e esteja sempre pronto a abanar o rabo para o dono. Preconceito meu? Deve ser. Sou humano. A minha dúvida mais cruel é: prefiro o fumante inveterado ou o Pit Bull? Se for um fumante cheio de arrogância, defendendo o indefensável, fico com o Pit Bull. Agora, entre nós, por que mesmo alguém precisa ter um Pit Bull? Por que mesmo alguém precisa fumar? Não sei. Sou simplista. La nave...
 --------------------------------
* Sociólogo. Prof. Universitário. Tradutor. Escritor
juremir@correiodopovo.com.br
Fonte: Correio do Povo online, 12/04/2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário