quarta-feira, 11 de abril de 2012

Por que os escritores tweetam

Uso do Twitter se tornou comum entre escritores, que não se importam com a limitação de 140 caracteres. No Brasil, virou instrumento importante para divulgação. 

Uma mídia irresponsável e irritante. Foi assim que, para surpresa de muita gente, Jonathan Franzen, o celebrado autor de “As correções” e “Liberdade”, definiu a rede de microblog Twitter. Para o escritor norte-americano, é impossível criar argumentos razoáveis em 140 caracteres: “É como escrever um romance sem a letra P”, observou. A limitação do microblog pode ser frustrante para quem, como Franzen, está acostumado a se expressar por calhamaços de 500 páginas. Mas o fato é que a ferramenta se tornou útil e corriqueira para muitos escritores. Justamente por serem profissionais da palavra, seus perfis talvez provoquem um interesse especial entre os usuários. Difícil, afinal, não querer acompanhar o dia a dia de autores como Salman Rushdie ou Margaret Atwood, que usam o Twitter para opinar com um pouco mais de descontração sobre qualquer assunto.
Na verdade, há infinitas maneiras para um escritor usar o microblog. Bret Easton Ellis, por exemplo, transformou seu perfil em laboratório para a continuação de seu Psicopata Americano (aceitando inclusive sugestões de seus seguidores), enquanto Chuck Palahniuk se contentou, nos últimos tempos, em divulgar suas palestras e artigos. Já os escritores brasileiros, presos às limitações de um mercado editorial muito menos poderoso e organizado, podem descobrir no Twitter uma ferramenta para conquistar leitores. A situação, nesse caso, se inverte: muitos se tornam personalidades na rede social antes de ganhar espaço no mundo literário. Não estamos falando aqui de figuras como Paulo Coelho, cuja fama internacional o obriga a tuitar simultaneamente em inglês, francês, espanhol e português, mas sim da imensa maioria dos autores brasileiros que sofre para encontrar seu público.
Autor de Areia nos dentes, Antonio Xerxenesky tem 2.336 seguidores na rede social, mas muitos deles só chegaram ao seu livro depois de descobrir seu perfil no Twitter. “Isso aconteceu porque sou um escritor mais desconhecido”, avalia. “Nesse caso, primeiro se aparece como indivíduo na rede social e depois como escritor. Em todos os eventos sempre surgia algum leitor dizendo que me conhecia do Twitter. Até hoje acabo encontrando pessoas dizendo que me seguem na rede social”.
Xerxenesky tem consciência de que o Twitter é útil para promover o próprio trabalho, mas também sabe que não pode fazer disso “um objetivo”. “Não tem nada mais chato do que um escritor que usa a rede social apenas para se divulgar”, admite. “Usei e uso o Twitter para falar bobagem, compartilhar links legais (geralmente sobre literatura) e, ocasionalmente, divulgar alguma entrevista comigo, um debate, um lançamento”. Nos últimos tempos, porém, Xerxenesky tem preferido o Facebook ao microblog, porque “ninguém com mais de 20 anos tem tempo para usar bastante duas redes sociais ao mesmo tempo”.

Ferramenta que encurta distâncias
Um caso radical de reconhecimento via Twitter é o da poetisa paranaense Ana Guadalupe. Desde 2007 na rede social, acumulou mais de 5.500 seguidores, que logo passaram a acompanhar seu blog de poesia e se transformaram em possíveis leitores de seu livro, Relógio de sol, lançado em 2011. Com tweets descompromissados, a autora driblou um mercado quase inexistente como o da poesia, alcançando, segundo ela, um público de “todas as idades”. “No meu caso, o que chamam de ‘bom humor’ no Twitter serviu pra sugerir que poesia não precisa ser difícil, escrita por uma senhora deprimida. Acabei ouvindo algumas vezes que meus poemas foram uma surpresa boa para leitores pouco habituados com poesia, que não esperavam gostar. Mas também no Twitter tive contato com pessoas que já liam poesia, outros autores, e jornalistas. Então, acho que é uma ferramenta que serve para aproximar mesmo”.
Guadalupe foi mais longe e transformou o seu próprio perfil no Twitter em material literário. Uma literatura com uma dicção peculiar, diferente da que apresenta em livro ou em blog. “Vai no sentido de registrar algumas anotações, começos de ideias, tons, humores, anedotas, que talvez você use depois ou talvez de alguma forma dialogue com o que você escreve”, explica a poetisa. “Acho que o escritor em especial adota às vezes um tom literário ao fazer essas ‘anotações’, ou tem um cuidado natural com o texto do tweet. Acho que escritores no Twitter tendem a criar essas dicções, que são distantes do corriqueiro ‘indo almoçar com a família’ de alguém que não escreve. É o que observo nos escritores norte-americanos jovens que usam a ferramenta, como o Tao Lin, que criou uma dicção só dele”.
O carioca Marcelo Moutinho não pode dizer que construiu sua carreira literária graças ao Twitter. Quando lançou seu primeiro livro, Memória dos barcos, em 2001, a rede ainda sequer existia. O autor, no entanto, acredita que o Twitter ajudou bastante na divulgação do seu último livro, A palavra ausente (de 2011), tanto para chamar atenção do lançamento como para repercutir as leituras e reações. “As pessoas usam as redes para comentar o livro, e você pode replicar matérias, resenhas e entrevistas, que talvez não fossem lidas ou vistas”. Moutinho, no entanto, acha importante que o seu perfil na rede não fique “restrito à minha persona de escritor”. Faz questão de tweetar sobre assuntos extra-literários, contemplando também outros de seus afetos, como “o futebol, a música, a boemia…”

Ferramenta de marketing
Apesar do seu potencial de divulgação, o marketing profissional via Twitter não é usado de forma maciça pelas editoras brasileiras. Costuma ser mais uma iniciativa individual e diletante, realizada na maior parte das vezes pelos próprios autores.
“No Brasil ainda não é tão comum a divulgação de autores pelo Twitter. Nos EUA é muito mais maçante, pois muitas contas de escritores são administradas por agências literárias ou editoras”, explica o escritor – e adepto do Twitter – Carlos Henrique Schroeder. “Não acredito que o Twitter seja a melhor forma de divulgar uma obra ou autor, acho que o Facebook é mais eficiente neste caso. Mas o Twitter é bom para construir ou solidificar uma imagem, pode ser uma ferramenta importante de marketing. Mas os autores que realmente ganham seguidores fiéis são os que se expõem um pouco mais, e que administram suas próprias contas. Existem vários tipos de perfis de usuários do Twitter, do meramente mercadológico aos que usam como diário ou em substituição deste, e também há os que usam para se sentirem vivos, pois se trata de uma rede social de compartilhamento de opiniões, de ideias”.
Estabelecido em Santa Catarina, Schroeder é um tipo raro de escritor-tweeteiro que prefere divulgar a obra dos outros a promover seus próprios livros. Compartilhando regularmente links para artigos e ensaios ignorados pela grande mídia, seu perfil virou referência entre os usuários do meio literário.
“Como moro num Estado periférico (em termos culturais), tento me manter conectado com o mundo”, conta. “Leio diariamente cerca de dez cadernos de cultura, a maioria em inglês ou espanhol, e sempre que vejo alguma coisa legal, compartilho. Raramente falo do meu próprio trabalho, pois tenho vergonha… Timidez… Mas acho que quando lançar alguma coisa nova, talvez tente vencer este bloqueio. Prefiro ser um bom filtro, um bom compartilhador de informações. E acho essa a grande vantagem do Twitter: dependendo de quem você segue, recebe informações de primeira mão, e de qualidade, uma espécie de super-jornalismo. E como a pauta de literatura cai ano a ano nos cadernos culturais brasileiros, tenho imenso prazer em divulgar cadernos como o Radar Libros do argentino Página 12, ou blogs interessantes como o do Kelvin Falcão Klein ou do Hugo Crema, que são jovens e antenados”.

‘Xingando muito no Twitter’
Se, em função de sua natureza micro, o Twitter não parece moldado para discussões profundas sobre literatura, não se pode negar sua facilidade em provocar brigas, protestos e indignações. Pois, não se engane, até os escritores “xingam muito no Twitter”. Recentemente, o escritor Eduardo Sterzi usou o microblog para atacar o Prêmio Moacyr Scliar, promovido pelo governo do Rio Grande do Sul. Além de recusar a menção honrosa que lhe foi atribuída, enumerou o que considerava ser uma série de falhas nos critérios da premiação.
Na França, o escritor François Bon, grande entusiasta das ferramentas digitais, discutiu publicamente com a editora Gallimard sobre sua tradução não-autorizada de O velho e o mar, de Hemingway, que ele disponibilizou online mesmo sem possuir os direitos da obra. O debate virtual rendeu defesas e ataques apaixonados, levando inclusive à criação da hashtag “#Gallimerde” – trocadilho que teremos a delicadeza de não traduzir aqui.
Numa linha mais, digamos, anedótica, Marcelo Moutinho expôs sua indignação com a Academia Brasileira de Letras, que o impediu de entrar na instituição para realizar uma entrevista na TV Senado sobre seu último livro. Razão da intransigência? O autor estava usando uma bermuda. Ao reclamar na rede social, recebeu o apoio e solidariedade dos colegas escritores, mas nenhuma resposta da ABL.
Para escritores de gerações mais antigas ou que simplesmente não possuem intimidades com o mundo virtual, resta uma relação de estranhamento e adaptação. Outros alimentam uma relação de ódio e necessidade, como o gaúcho Paulo Scott. O autor do recente Habitante irreal diz que só aprendeu a “mexer no Twitter” por causa do livro novo, mas acredita que isso não lhe trouxe leitores suplementares. “Achei o Twitter muito absorvente quando entrei”, lembra. “Pensei: esse troço é do mal, vai acabar com todo o meu tempo”. Scott largou o Facebook, mas continua no Twitter.
Por sua vez, o premiado e consagrado Antônio Torres diz que buscou nas redes sociais “um respiradouro” para o esvaziamento das pautas sobre literatura na imprensa. “Claro que tudo o que rola na internet aproxima os leitores mesmo”, avalia. “Difícil é quantificar isso. Por enquanto  – sou um tuiteiro recente  – tenho reencontrado mais autores meus conhecidos do que descoberto novos. Mas o que me parece é que, com a escassez de espaços na imprensa e TV (rádio nem se fala) para os livros e seus autores, é preciso voltar-se para as redes sociais, assim como para os sites e os blogs”.
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Reportagem por  Bolívar Torres
Fonte: http://opiniaoenoticia.com.br/10/04/2012

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