domingo, 27 de maio de 2012

ETs, o sobrenatural e o divino

Marcelo Gleiser*

Somos cegos em relação ao futuro, e é impossível prever as características de inteligências extraterrestres 

SERÁ POSSÍVEL distinguir entre seres alienígenas ultra-avançados e deuses? Inúmeros clássicos da ficção científica, entre eles "2001: Uma Odisseia no Espaço", de Arthur Clar-ke, sugerem que civilizações extraterrestres ultra-avançadas seriam percebidas pela humanidade como divinas. Isso é menos bizarro do que parece, já que ocorreu aqui na Terra, na era das grandes explorações europeias.
Quando os europeus chegaram às Américas, vários nativos os tomaram por deuses. Tinham aparência diferente, usavam trajes estranhos, suas naves enormes podiam viajar por vastas distâncias, sua origem era incerta e podiam matar facilmente com armas de fogo.
No nosso caso, "eles" seriam capazes de feitos que hoje consideramos impossíveis, como se teletransportar, criar novas formas de vida em segundos ou ler nossas mentes. Mas esses impedimentos ocorrem com a tecnologia atual e, em ciência, os sonhos de hoje podem ser a realidade de amanhã.
"Nada é maravilhoso demais para ser verdade, contanto que seja consistente com as leis da natureza", disse o físico Michael Faraday, em meados do século 19.
Por outro lado, muitas descobertas científicas revelam novas leis ou vêm da quebra de leis vigentes. As metáforas e imagens que usamos para descrever o mundo mudam com o tempo, dependentes que são do conhecimento tecnológico e científico da época. Quem, cem anos atrás, compararia o Universo a um computador? E como podemos saber aonde nossa inventividade nos levará em dez ou 50 anos? Ninguém poderia ter previsto que a invenção dos computadores geraria as redes sociais Facebook e Twitter.
Somos parcialmente (se não totalmente) cegos em relação ao futuro não muito distante. Assim, é impossível prever as características de inteligências extraterrestres ultra-avançadas, se é que elas existem. Podemos especular, o que é sempre divertido. Mas os poderes que, para nós, são incríveis hoje, como teletransporte, são inspirados pela ciência atual. O que esses alienígenas são de fato capazes de fazer ou o que nós faremos no futuro é um grande ponto de interrogação.
Como em tantos filmes e livros, pode ser que "eles" estejam por aqui e não possamos vê-los. Pode ser que controlem, ou ao menos influenciem, nossas vidas, invisíveis mas ativos. Seguindo esse raciocínio, a fronteira entre o natural e o sobrenatural fica embaçada. Afinal, se não conhecemos todas as leis da natureza, é possível que o que chamamos de sobrenatural hoje possa, amanhã, ser perfeitamente natural.
Se seus olhos ainda não estão arregalados, pergunto: poderia haver uma conexão entre o sobrenatural e a existência de seres que são perfeitamente naturais mas que, por estarem tão além da nossa compreensão, são indistinguíveis de entidades sobrenaturais?
Não acredito que seja o caso. Apesar de nossa cegueira parcial, já aprendemos muito sobre o mundo natural. Embora limitados, buscamos, rebuscamos e não encontramos nada. "Eles" podem estar rindo às nossas custas (se é que riem). Talvez não existam ou não nos deem a menor importância. Qualquer que seja a resposta, é bom poder continuar a especular. Talvez a cegueira seja nossa maior bênção. 
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*MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita".
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Fonte: Folha on line, 27/05/2012 

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