domingo, 27 de maio de 2012

País de poetas

 Juremir Machado da Silva*

<br /><b>Crédito: </b> ARTE JOÃO LUIS XAVIER
Bizarro! Poesia não dá dinheiro. Ninguém quer publicar poesia. Editores fogem de poetas como fogem da declaração do Imposto de Renda. Ninguém lê poesia neste país de rios, mares e Cachoeiras. Mesmo assim, entre os ícones da Nação, estão alguns poetas do século XX: Drummond, Bandeira, Vinícius, Cecília, João Cabral e Gullar. Tem outros. É muito difícil encontrar, contudo, excetuando-se os especialistas, alguém que, ao mesmo tempo, goste de Drummond e saiba citar títulos de dois livros dele, salvo se for um adolescente certinho estudando para o vestibular de Medicina. O mesmo vale, no Rio Grande do Sul, para Mário Quintana. É mais fácil saber uma tirada espirituosa do poeta alegretense ou até uma resposta genial dele a um chato do que o título de um livro seu. Um, sei lá, vamos, até sai. E aí, sai dessa!

Poesia é algo que se lê de maneira avulsa. Guarda-se um poema, não o livro todo. Fica-se com um verso, não com a poesia inteira. O trabalho do poeta é insano: produz milhares de palavras para que uma dúzia entre no imaginário popular e o imortalize. Com Fernando Pessoa, que virou incontestável, é assim. Todo mundo o conhece por "navegar é preciso/viver não é preciso" e por mais alguns fragmentos. Boa parte sabe citar o título do seu mais famoso poema, "Tabacaria". De qual dos seus heterônimos? Sabe-se também recitar:
 "Não sou nada/
Nunca serei nada./
Não posso querer ser nada./
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo". 
 
Essa sacada perdoa as centenas de "não me matem, por amor de Deus".

Pessoa foi um marqueteiro fantástico. Ao criar os seus heterônimos, bancou uma diferença capaz de garantir trabalho para os críticos ao longo dos séculos. Nada os deixa mais felizes do que descobrir algo por trás do que o leitor vê. O marketing, na época, estava atrasado e não lhe valeu sucesso em vida. Sem problema, os poetas de então buscavam a posteridade. Ainda não havia Twitter nem medição de audiência. A poesia não vende, mas muitas editoras vivem de poetas consagrados. A Cia das Letras tomou Drummond da Record. Vai explorar um baita filão vendendo para o Estado. Depois de 2016, segundo já se andou dizendo por aí, porém, o Ministério da Educação não vai distribuir mais livros em papel para as escolas. Para que gastar com impressos se tudo está na Internet? Digita-se "elegia, drummond" no Google e já aparece: "Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo".

A Internet é o melhor dos mundos para os poetas. Pode-se publicar incansavelmente sem pedir licença a ninguém. Os poetas, contudo, ainda são reféns do papel. O virtual não lhes parece um espaço suficiente de legitimação e orgulho. Querem o editor, o selo na capa, o reconhecimento do selecionador, a distinção, o cheiro de tinta, as ambições de outrora, uma casa. Dizem que a poesia está ultrapassada. Como pode estar ultrapassada esta maneira de falar a verdade em Pessoa: 
"O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,/
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia".
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* Sociólogo. Escritor. Prof. Universitário. Cronista do Correio do Povo |juremir@correiodopovo.com.br
 Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER
Fonte: Correio do Povo on line, 27/05/2012

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