domingo, 24 de junho de 2012

Direita (Pondé) e esquerda (Janine) ou descabelados e entediantes

Paulo Ghiraldelli Jr.*

 
Estamos em um país em que a direita é doida e a esquerda é cansativa. Refiro-me à esquerda e à direita “culturais” ou acadêmicas – filosóficas, digamos assim. Um exemplo? Respectivamente Luís Felipe Pondé e Renato Janine Ribeiro, para ficar com filósofos que gostam de fazer aquilo que também gosto, que é o debate na mídia, algo necessário, principalmente em um país como o nosso. No que eles diferem, caracteristicamente? É fácil mostrar.
Diante de uma propaganda de cerveja que exibe mulheres lindas e seminuas Renato Janine pode escorregar aqui e ali, mas ao final acabará cedendo às feministas que porventura exijam que o comercial deixe de ser veiculado. Por sua vez, imagino que Pondé tentará mudar as características das mulheres, fazendo-as vestir aqueles típicos “óculos PUC” ou “óculos USP” (retangulares, de borda preta), de modo a deixá-las com um ar intelectualizado, para então pô-las a maior parte do tempo bebendo cerveja de quatro, diante de alguns brutamontes do meio popular prontos para as segurarem pelos cabelos.
E eu, o que faria? Faço diferente, deixo essa baboseira de lado e bebo a cerveja com as mulheres!
Mas, eles não! E eis aí a direita e a esquerda. A primeira faz alguns adolescentes de 20 ou 25 anos rirem de um modo justificável para os pais, professores universitários exigentes, pois ao invés de estarem assistindo o “Pânico na TV” podem ver o que queriam ver e dizer que estavam lendo um filósofo, o Pondé. A segunda faz algumas meninas e meninos de classe média, completamente dessexualizados, a apelar para a censura a partir de um filósofo, Renato Janine Ribeiro, e assim não ferir os brios dos pais, professores universitários, que dizem que porque foram contra a Ditadura Militar jamais advogariam a censura.
 
Assim, a direita faz os jovens retardatários rirem do “politicamente correto” como se tal coisa fosse uma novidade e uma rebeldia. Por sua vez, a esquerda coloca os jovens, também retardatários, mas com problemas de repressão sexual talvez até maior que os da direita, a se mostrarem sensíveis ao “politicamente correto” em uma época que tal coisa, nos Estados Unidos, já foi peneirada de modo a se saber o que é aproveitável e o que não é. Essa direita e essa esquerda agem não segundo posturas filosóficas, mas põem seus intelectuais como arautos ideológicos. Ao invés de avisar os jovens que esse debate já passou, reiteram as posições que já eram piadas no “Seinfeld”, há mais vinte anos, e, então, atingem de fato um público que deveria saber que o debate já foi embora (temos internet, que deveria entre outras coisas nos atualizar!), mas que efetivamente não sabe. Por que não sabe? Porque é um público que, como juventude desses tempos mais recentes, fez um péssimo ensino médio (mesmo que particular!), e usa a internet para falar com o coleguinha de escola, não para ler o noticiário cultural do exterior ou para conversar com colegas de cursos similares no exterior (coisa que a minha geração fazia com cartas ou tentava, a todo custo, por meio de viagens impossíveis).
Nossos filósofos conservadores e não conservadores agem uns pelo descabelamento e outros pelo tédio, mas acabam fazendo algo bem parecido. Ao invés de resgatar a juventude para os dias dela mesma, agem quase que como a Veja e os teóricos do MST, que apesar de gostos diferentes dizem a mesma coisa, pois são os únicos que, com Niemeyer de padrinho, acreditam que “o comunismo vive e vencerá”. Fidel e Raul Castro não acreditam mais nisso, e Saramago morreu.
É interessante que no meio disso tudo, alguns jovens comecem a se desgarrar dos intelectuais de esquerda e de direita do mesmo modo que já se desgarraram da esquerda e da direita políticas (ou seja, as de partidos). O movimento da “Marcha das Vadias” é, no mundo todo, um sintoma disso. No Brasil também. As moças saem e mostram os peitos. Chamam a si mesmo de “vadias”. Antes de querer mais moralismo como proteção, o que exigem é o respeito mesmo sendo completamente amorais (ou imorais!). Respeito com a mulher extrapola ideologias e, com isso, ficam para trás Pondé, Renato Janine, o PSDB, o PT e o moralismo envolvido nisso tudo. É como se a própria “Marcha das Vadias” (Slutwalk) quisesse fazer filosofia nas ruas, escapando do fato das ruas estarem sempre ocupadas por ideologias. A “Marcha das Vadias” foi alegre, ousada, linda, e recuperou algo bom de todos os movimentos sociais quando eles ainda se imaginam com o frescor filosófico, e não com o ranço ideológico, ou seja, quando podem mostra a capacidade nossa de fazer gerar novos vocabulários. Trazer o termo “slut” ou “vadia” para o interior de novos “jogos de linguagem” foi só um exemplo, mas há muitos outros a se lembrar nessa guerra semântica que é a parte sempre mais notável dos movimentos sociais quando eles têm vivacidade.
Eu teria ficado triste se esse ano a “Marcha” não tivesse vingado. Eu iria achar que Pondé e Janine, reiterando enunciados e idéias velhas e carcomidas, dariam o tom para nossas conversas éticas, especialmente no que diz respeito às mulheres. Ficar-se ia no “politicamente incorreto” e no “politicamente correto” (1), com uma conversa de avós tricoteiras em alpendre de fazenda. Mas não! Ocorreu o novo, e essa mulherada “vadia” os deixou chupando o dedo. Agora, como gosto de mulher e de filosofia muito mais que de direita e esquerda, e de tricô não entendo nada, eu adorei. Amei!
 
(1) Para acrescentar ao detalhe de como Janine e Pondé estão “velhinhos”, digamos assim, basta notar que os Contos de Fadas Politicamente Corretos, que é uma tremenda crítica humorística ao “politicamente correto” (e boa, porque não o reduz), foi publicado nos Estados Unidos em 1994 e traduzido no Brasil pela Ediouro em 1995! O livro é de James Finn Garner!
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*  Filósofo, escritor e professor da UFRRJ
Fonte:  http://ghiraldelli.pro.br/2012/06/23/

Um comentário:

  1. jÁ ENTENDEMOS QUE VC GOSTA DE MULHER, AFIRMA TANTAS VEZES NO TEXTO QUE PARECE UMA NECESSIDADE SUBCONSCIENTE...

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