domingo, 17 de junho de 2012

Universidade e trabalho

Marcelo Neri*

O vencedor disparado do ranking trabalhista é medicina, seguido de odontologia e engenharias 

A analogia do capital humano com os outros tipos de capital é procedente. É verdade que ativos financeiros não ficam desempregados, não têm filhos ou se aposentam, mas a comparação é válida. Ao fim, temos de colocar nossos ovos em alguma cesta, seja em ativos reais ou financeiros seja na educação.
É fundamental saber como o mercado valora diferentes profissões, seja na escolha privada de carreira seja na decisão pública de conceder financiamento, como nos programas Fies e Prouni, ou de abertura de faculdades. Mesmo ao gestor de políticas, o retorno privado é o componente mais fundamental do retorno social.
O estudo "A Universidade e Você no Mercado de Trabalho", realizado pelo Centro de Políticas Sociais da FGV, avalia os prêmios individuais conquistados a partir de escolhas educacionais. A questão é determinar os ganhos trabalhistas de diferentes carreiras universitárias.
O modelo mais popular sobre impactos da educação são as equações mincerianas de salário. Dela aprendemos que, quando comparamos pessoas do mesmo sexo, com a mesma educação etc., situadas no mesmo Estado, mimetizando a trajetória de uma mesma pessoa do seu ciclo de vida, o pico da renda de trabalho se dá aos 51 anos.
Exercício semelhante aplicado à chance de o indivíduo dispor de ocupação se dá dez anos antes, ou seja, aos 41 anos. O que notamos são curvas etárias em forma de sino, com crescimento da renda e da chance de ocupação na juventude, atingindo o ápice na meia-idade e decaindo daí para a frente, em particular no caso da ocupação.
A questão central aqui é: quais os ganhos trabalhistas derivados de diferentes carreiras universitárias? Do tipo, quanto ganham? Quantos conseguem trabalho? Quantas horas trabalham? Quantos conseguem proteção trabalhista?
Avaliamos, a partir dos microdados do Censo 2010, o impacto de diferentes cursos universitários no desempenho trabalhista observado a posteriori para pessoas com o mesmo "background" inicial (idade, gênero, Estado e tamanho de cidade), de forma a isolar os efeitos da escolha universitária.
Comparamos a performance trabalhista de pessoas iguais, em alguns atributos, que seguiram diferentes carreiras universitárias.
Nossos modelos foram traduzidos em simuladores interativos e amigáveis que podem ser acessados em http://cps.fgv.br/indice_voce. Eles permitem ao jovem vestibulando que vai optar por carreira no Enem vislumbrar entre as suas vocações profissionais como pessoas com características similares às suas desempenham, em média, no mercado de trabalho.
Para ilustrar, falo de um homem de 49 anos que mora na cidade de São Paulo. Os rankings de 48 carreiras universitárias dizem coisas simples: Quem, na média, ganha mais? Medicina, com R$ 8.459 mensais, a preços de hoje; menos, religião, com R$ 2.175.
Quem trabalha mais? Engenharia mecânica, com 42,9 horas semanais; menos, física, com 34,6 horas.
Qual é a carreira campeã de proteção trabalhista? Setor militar, dado viés público, com 97% de cobertura previdenciária. Os menos protegidos são serviços pessoais (como estética), com 72% de cobertura, dado viés conta-proprista/empreendedor da atividade.
Quem, em idade ativa, tem mais chance de conseguir trabalho? Medicina, com 97%; o último é filosofia, com 89%.
Depois traçamos um ranking geral normalizado envolvendo as quatro qualidades trabalhistas citadas, dando peso dois a salário e considerando alta jornada como um problema. Afinal, nem todos são "workaholics".
O vencedor disparado do ranking combinado é medicina, com índice sintético 30% maior que o segundo colocado, que é odontologia; a seguir vêm engenharia de transportes e engenharia civil. Esses dois passaram por forte valorização na última década. Medicina já era o líder do ranking da década passada.
Olhando para a base do ranking, temos religião, filosofia, educação física e turismo, sugerindo que os eventos esportivos internacionais ainda não mudaram o patamar de inserção laboral de suas carreiras superiores. 
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* MARCELO NERI, 49, é economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, na FGV, e autor de "Microcrédito, o Mistério Nordestino e o Grameem Brasileiro" (editora da Fundação Getulio Vargas) e "A Nova Classe Média" (editora Saraiva). 
Fonte: Folha on line, 17/06/2012
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