domingo, 5 de agosto de 2012

Cem anos de mistério

Marcelo Gleiser*

Raios cósmicos afetam de viagens espaciais à memória de computadores, mas sua origem ainda é controversa 
Neste mês, físicos celebram o centenário da descoberta dos raios cósmicos, esses chuveiros de partículas vindas do espaço. Apesar de hoje conhecermos bem sua natureza e composição, muitas perguntas permanecem em aberto, especialmente com relação aos raios cósmicos ultraenergéticos.
Que processo natural é capaz de acelerar partículas a energias milhões de vezes maiores do que as atingidas no colisor de partículas do Cern, onde foi descoberto o bóson de Higgs?
Apesar do nome, raios cósmicos têm uma importância prática, já que produzem 13% da radioatividade natural a que somos expostos. Tripulações de aviões recebem o dobro dessa radiação, e astronautas mais ainda. Aliás, raios cósmicos são um dos fatores que complicam viagens espaciais mais longas, como a ida de humanos a Marte.
Também interferem no funcionamento de computadores, causando erros de armazenamento de dados. Num estudo de 1990, cientistas da IBM estimaram que raios cósmicos induzem um erro para cada 256 megabytes de RAM por mês.
Em agosto de 1912, o físico austríaco Victor Hess subiu num balão até 5,3 km medindo o fluxo de partículas vindas do céu. A expectativa era de que o fluxo diminuiria com a altitude, exatamente o oposto do que Hess descobriu. A conclusão era clara: as partículas vinham do espaço.
Nas décadas seguintes, a composição dos raios cósmicos foi decifrada: 90% são prótons; 9% são núcleos dos átomos de hélio, as partículas alfa; 1% são elétrons. Uma pequena fração deles vem de núcleos atômicos forjados meros minutos após o Big Bang. Quando essas partículas se chocam com moléculas da atmosfera, a transformação de sua energia de movimento em matéria, segundo a fórmula E=mc2, cria uma reação em cadeia, um "chuveiro" de partículas.
A maioria dos raios cósmicos vem do Sol. Mas o mecanismo que gera os mais energéticos ainda é desconhecido. Certamente são criados em eventos astrofísicos dramáticos. Dos vários candidatos, dois têm destaque: buracos negros gigantes que existem no centro de galáxias ou explosões de raios gama, os eventos cósmicos mais energéticos que conhecemos, provavelmente causados quando uma estrela colapsa e vira uma estrela de nêutrons ou um buraco negro, ou quando duas estrelas de nêutrons colidem.
Um experimento recente da Universidade de Wisconsin, nos EUA, chamado de IceCube, apresentou evidências contra a hipótese de as explosões de raios gama serem responsáveis pelos raios cósmicos ultraenergéticos. A teoria prevê que raios gama e muitos neutrinos são gerados quando estrelas explodem e viram supernovas. Mas o IceCube não detectou sequer um neutrino vindo dessas explosões, o que torna difícil entender de onde vêm as partículas dos raios cósmicos.
Por outro lado, o Observatório Pierre Auger, onde trabalham vários brasileiros, viu forte correlação entre núcleos de galáxias ativos -onde há buracos negros gigantes- e raios cósmicos ultraenergéticos. Mas o debate ainda contiua.
Qualquer que seja a explicação, tais raios são uma ponte entre nós e os confins do espaço, reforçando nossa profunda relação com as grandes escalas do Cosmos. 
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* MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI
Fonte: Folha on line, 05/08/2012
Imagem da Internet 

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