Marco Túlio Pires
Uma das hipóteses de universos paralelos supõe vários Big
Bangs ocorrendo paralelamente.
Nosso universo seria uma das esferas
exibidas na imagem acima, completamente
alheio ao desenvolvimento dos
outros universos
(Hemera/Thinkstock)
"A Realidade Oculta", de Brian Greene, conta como algumas fórmulas matemáticas, que sempre foram confiáveis para prever inúmeros fenômenos, apontam para a existência de realidades paralelas
Neste exato momento, em algum lugar inimaginavelmente distante, há uma
réplica exata, segundo a segundo, do que está acontecendo agora: um
outro você, usuário de um outro e idêntico site de VEJA, fazendo a
leitura da mesma matéria que fala sobre universos paralelos. Não é
script de filme de ficção científica. É uma possibilidade matemática.
Apesar de ainda ser uma área controversa, alvo de muitas especulações, a
discussão sobre universos paralelos gradativamente deixa o reino da
fantasia para ganhar o respeito da ciência.
Biblioteca
A REALIDADE OCULTA
Brian
Greene — um dos maiores especialistas mundiais em cosmologia e física
de partículas — expõe o fantástico desenvolvimento da física do
multiverso ao longo das últimas décadas. O autor de O universo elegante
passa em revista as diferentes teorias sobre os universos paralelos a
partir dos fundamentos da relatividade e da mecânica quântica. Por meio
de uma linguagem acessível e valendo-se de numerosas figuras
explicativas, Greene orienta o leitor pelos labirintos da realidade mais
profunda da matéria e do pensamento.
Autor: GREENE, BRIAN
Editora: CIA DAS LETRAS.
Autor: GREENE, BRIAN
Editora: CIA DAS LETRAS.
O assunto é o tema de A Realidade Oculta (Cia das Letras, 59
reais, 456 páginas), do americano Brian Greene, lançado recentemente no
Brasil. Nele, um dos maiores especialistas em cosmologia e física de
partículas usa e abusa de metáforas (como um banho de bolhas de sabão ou
um pão de forma cósmico) para explicar como algumas fórmulas
matemáticas, que são confiáveis para prever alguns fenômenos bastante
conhecidos pela ciência, revelam a existência de outros universos.
Em entrevista ao site de VEJA, Greene admite: pode ser que os
cientistas nunca encontrem evidências experimentais de universos
paralelos. Contudo, não é a primeira vez que a matemática aponta para um
caminho aparentemente absurdo, que vai contra a intuição dos seres
humanos. As fórmulas de Albert Einstein, por exemplo, previram no início
do século XX que o universo estava em expansão (contrariando os
cálculos da época) e que buracos negros existiam. Ambas as ideias foram
tratadas com o costumeiro ceticismo da comunidade científica. No
entanto, hoje já está demonstrado que o universo está, sim, expandindo e que os buracos negros realmente existem.
Brian Greene: "Vale a pena tentar
descobrir se os universos
paralelos existem"
É com essas ressalvas que Greene conduz o leitor pelo controverso,
espinhoso e intrigante mundo dos universos paralelos. Com linguagem
bastante amigável, o físico utiliza metáforas simples e familiares (como
um "pão de forma cósmico" ou um "banho de bolhas de sabão") para
descrever as principais ideias sobre universos paralelos. A Realidade Oculta é
uma obra para leigos, mas também atende aos especialistas, uma vez que
Greene recheou o livro de notas, cálculos e relatos tecnicamente
detalhados sobre a matemática por trás dos universos paralelos. "Se
extraterrestres aparecessem amanhã e pedissem para conhecer as
capacidades da mente humana, não poderíamos fazer nada melhor que lhes
oferecer um exemplar deste livro", elogiou o jornal The New York Times.
Na entrevista abaixo, Greene explica como é possível que outros
universos idênticos ou completamente diferentes do nosso possam existir e
o que os cientistas estão fazendo para encontrá-los e, quem sabe,
enviar um 'alô' para essa nova e ainda oculta realidade.
O que é um universo paralelo? Há algum tempo a palavra
universo significava tudo o que existe. Contudo, descobrimos nas
últimas décadas que o que pensávamos que era esse todo, na verdade, pode
ser uma pequena parte de uma realidade maior, um cosmo maior. O reino
que pensávamos ser ‘tudo’ seria apenas um de vários reinos, cada um
deles podendo ser considerado um universo em si mesmo. O livro descreve
nove versões diferentes de universos paralelos que surgiram a partir de
investigação matemática. Elas representam as principais linhas de
pensamento em relação à existência de mais universos além do nosso.
O que sua intuição diz a respeito dessas teorias? Se
existe uma lição que a física nos ensinou no último século é não
acreditar na intuição. Se os homens e mulheres que desenvolveram a
mecânica quântica nos anos 1920 e 1930 tivessem seguido a intuição, não
teriam saído do lugar. Eles publicaram estudos dizendo claramente que os
resultados alcançados eram 'loucura'. Nossa experiência é baseada
naquilo que conseguimos ver, tocar e sentir. Entender o funcionamento de
elétrons ou investigar a existência de outros universos não nos dá
vantagem de sobrevivência. É por isso que a nossa intuição não nos ajuda
nesses casos. A ideia de múltiplos universos é muito controversa.
Alguns cientistas pensam que é loucura. O fato é que eles podem estar
certos. Não escondo isso. Contudo, para mim, há muito rigor nos cálculos
matemáticos e muitas evidências para os pontos matemáticos de partida
que fazem valer a pena perseguir essa ideia e ver o que acontece.
Quase lá
Algumas propostas de universos paralelos podem ser verificadas
indiretamente com experimentos já em andamento. Uma delas é o "pão de
forma cósmico", ideia construída a partir da Teoria de Cordas. Nela, as
partículas do campo gravitacional – que por enquanto só existem na
teoria – seriam capazes de viajar entre universos. O experimento para
verificar se isso é verdade está nos planos do LHC, o maior colisor de
partículas do mundo. Os cientistas também lançaram alguns satélites,
como o Planck em 2009, para analisar a radiação cósmica de fundo, uma
espécie de energia fóssil que restou do Big Bang. Os dados dessas sondas
podem mostrar uma colisão do nosso universo com outro. Os cientistas
esperam terminar a análise dos dados em três anos. Se nosso universo
tiver se chocado com outro, os cientistas enxergariam um padrão
semelhante às ondas formadas em um lago quando se joga uma pedra nele
que poderia ser detectável na radiação cósmica de fundo.
Uma das ideias tratadas no livro é a de um número infinito de universos idênticos ao nosso, momento a momento. Como assim? Essa
ideia tem apenas um pressuposto: de que o espaço seja infinito. Ainda
não sabemos, mas é uma possibilidade. Se ele for infinito, há uma
implicação curiosa: só enxergamos um pedacinho minúsculo dele, chamado
universo observável. Usando leis básicas da mecânica quântica, podemos
demonstrar que em qualquer quantidade finita de espaço a matéria só
consegue se organizar em uma quantidade finita de configurações. Faço
uma comparação com as cartas de um baralho. Você as embaralha, elas
mudam de ordem. Embaralha de novo e a configuração se modifica. Mas
existe um número finito de possibilidades para embaralhá-las. Se
embaralharmos as cartas repetidas vezes, em algum momento essa ordem vai
começar a se repetir. O mesmo ocorreria com a matéria em um espaço
infinito. Mais cedo ou mais tarde, o arranjo das partículas também se
repetiria. Se o arranjo de partículas em outro universo for o mesmo que o
nosso, isso quer dizer que há cópias de mim, do Sol, da Terra e de todo
o resto nesse lugar distante. É uma ideia muito estranha, mas que
emerge naturalmente da análise.
Dos nove conceitos de universos paralelos que o sr. descreve em seu livro, qual é o mais simples? O
mais simples é o do multiverso (grupo de universos) inflacionário. A
melhor metáfora para representá-lo seria um banho cósmico de bolhas de
sabão. Nosso universo é apenas uma dessas bolhas, enquanto as outras
seriam universos distintos. A base dessa hipótese é uma análise
matemática minuciosa do combustível cósmico que poderia ter causado o
Big Bang, a explosão primordial. Esse combustível é tão eficiente que é
praticamente impossível usá-lo completamente. Isso significa que o Big
Bang pode não ter sido um evento único. É possível que muitos Big Bangs
já tenham ocorrido, cada um gerando um reino em expansão, cada um uma
‘bolha de sabão’.
Se o multiverso inflacionário é o mais simples, qual seria o mais complicado? A versão mais maluca talvez seja a possibilidade de que tudo a nossa volta seja uma projeção holográfica de uma realidade paralela que existe numa superfície fina que envolve o nosso universo observável. Existem razões matemáticas para que se considere uma superfície bidimensional rodeando o nosso universo. É nessa superfície que as leis fundamentais da física se manifestariam. Tudo que ocorre aqui, segundo esta hipótese, seria uma espécie de holograma.
Se o multiverso inflacionário é o mais simples, qual seria o mais complicado? A versão mais maluca talvez seja a possibilidade de que tudo a nossa volta seja uma projeção holográfica de uma realidade paralela que existe numa superfície fina que envolve o nosso universo observável. Existem razões matemáticas para que se considere uma superfície bidimensional rodeando o nosso universo. É nessa superfície que as leis fundamentais da física se manifestariam. Tudo que ocorre aqui, segundo esta hipótese, seria uma espécie de holograma.
E se existirem?
Descobrir a existência de universos paralelos não terá efeito imediato
na vida da humanidade. É assim com uma parte considerável das
descobertas científicas. Certamente Albert Einstein não previa que sua
Teoria da Relatividade, proposta entre os anos de 1905 e 1916, serviria
de base para o GPS, sistema de navegação via satélites. Muitas décadas
teriam que se passar até que o primeiro satélite fosse lançado (1957) e o
GPS, que utiliza as fórmulas de Einstein para fazer correções de tempo,
fosse colocado em prática (1989).
De todas as versões que o sr. descreve, qual tem mais chances de ser verificada na prática? É aquela que surge a partir da Teoria de Cordas. Pode-se
pensar em nosso querido universo como uma fatia de "pão de forma
cósmico". Outras fatias seriam outros universos. O problema é que não
teríamos acesso aos outros universos. A única coisa que poderia passar
de uma "fatia" à outra é a partícula da gravidade – uma partícula
hipotética, nunca demonstrada. Todo o resto seria fortemente ligado à
nossa própria fatia do pão, ou seja, ao nosso plano espacial. O LHC, o
maior colisor de partículas do mundo, poderia verificar indícios da
existência destas fatias. Ele faz prótons, partículas que formam os
núcleos dos átimos, se chocarem a altíssimas velocidades. Medições
cuidadosas dessas colisões podem mostrar que, após cada colisão, há um
pouco menos de energia. Essa energia "perdida" corresponderia à
partícula de gravidade que passou de uma fatia a outra do pão de forma
cósmico.
Isso significa que poderíamos ver os outros universos... ou visitá-los? A
matemática mostra que, embora as partículas que estruturam todas as
coisas — os prótons, nêutrons, elétrons e quarks — possam transitar
livremente nesse universo, elas não conseguem sair dele. Ou seja, não
conseguiremos viajar entre universos. Porém, poderíamos, em princípio,
estabelecer comunicação com esses universos. Poderíamos enviar ondas
gravitacionais entre um universo e outro, e essas ondas poderiam
carregar informações e sinais.
Por que a partícula da gravidade poderia atravessar universos e as outras partículas não? É
uma boa pergunta. A Teoria de Cordas descreve as estruturas
fundamentais de tudo como filamentos minúsculos que vibram. São pequenas
cordas que podem assumir formas básicas: laços ou fragmentos. A
matemática mostra que as partículas que formam a matéria são do tipo
fragmento, como um pedacinho de corda com duas pontas. Essas
extremidades estariam grudadas, permanentemente, numa dessas fatias de
pão, em um dos universos. Contudo, as cordas com forma de laço não
estariam grudadas porque elas não têm ‘pontas soltas’. A gravidade,
segundo essa teoria, é formada por essas cordas em forma de laço, e é
isso que permite o trânsito entre um universo e outro.
O filme Matrix fala sobre uma ideia de universo paralelo. Como se a realidade fosse uma simulação de computador. Isso é possível? Há
um capítulo do livro que fala disso. Pessoalmente, acho plausível. É
perfeitamente possível no futuro termos conhecimento suficiente sobre o
funcionamento da natureza a ponto de criarmos universos simulados.
O multiverso repetitivo
A primeira ideia de universos paralelos trabalhada pelo físico Brian Greene no livro A Realidade Oculta parte apenas de um único pressuposto: de que o espaço seja infinito, conceito ainda disputado pelos cosmólogos.
Admitindo-se que o espaço não tenha fim, mas que há um limite para os
tipos de partículas elementares existentes, pode-se deduzir que em algum
momento - ou em algum lugar - o arranjo vai se repetir. Greene faz uma
comparação com cartas do baralho. Quando embaralhadas, elas assumem uma
ordem diferente. Se embaralhadas um número suficiente de vezes, as
combinações começarão a se repetir.
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Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/o-fabuloso-universo-das-realidades-paralelas
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