Os Estados Unidos continuarão dominando a cena cultural mundial, mas,
aos poucos, países emergentes economicamente também terão influência e
distribuirão largamente seus produtos, enquanto os que se opõem à
americanização da cultura ficarão para trás. A conclusão é do jornalista
francês Frédéric Martel, autor de "Mainstream - A Guerra Global das
Mídias e das Culturas", resultado de pesquisa que fez para retratar a
indústria do entretenimento nos primeiros tempos da Web 2.0. "Queria
falar das mudanças iniciais dessa revolução, que pode ser um ponto de
virada de toda a civilização", disse Martel em entrevista por telefone
ao Valor, durante suas férias no sul da França.
Entre 2005 e 2010, Martel entrevistou 1.250 pessoas em 30 países,
todas com diferentes funções na produção de filmes, música, televisão,
rádio e livro. Da pesquisa veio "Mainstream", um trabalho sem pretensão
acadêmica, "mas um relato jornalístico bem embasado", afirma Martel.
Durante quatro dos cinco anos em que se dedicou à pesquisa, ele morou
nos Estados Unidos. Foi do contato com os principais criadores de 50% do
conteúdo de entretenimento que circulam no planeta que ele partiu para
esmiuçar a logística de distribuição de produtos - que obedecem a um
rígido planejamento comercial, deixando de lado eventuais pretensões
artísticas.
Na introdução do livro, Martel comenta que "mainstream", cuja
tradução literal - dominante - tomou o sentido de produto cultural
voltado para o grande público, "é o inverso da contracultura, da
subcultura, dos nichos; para muitos, é o contrário da arte". Por sua
importância econômica e qualidade, os produtos de entretenimento
acabaram reconhecidos pela crítica especializada nos Estados Unidos, que
abandonaram a defesa da chamada alta cultura, observada até hoje nos
países europeus. Para Martel, o arranjo dos americanos na criação e
distribuição de seus produtos de entretenimento no mundo inteiro não
leva, necessariamente, à padronização da cultura, como entendem alguns.
"Em qualquer lugar do mundo, a música local ainda representa mais da
metade de todo o material musical consumido", observa Martel. Na
televisão não é diferente. "Apesar do sucesso das séries importadas dos
Estados Unidos, as emissoras apresentam muito conteúdo local, como as
novelas na América Latina. E mais de 50% da bilheteria obtida em cinemas
da França, Japão e República Tcheca são para filmes nacionais. Na
Índia, a proporção chega a mais de 80%. A indústria editorial não foge à
tendência: ainda tem um foco bastante doméstico, assim como o
noticiário ou o mercado publicitário." Enfim, "não é verdade que a
cultura esteja se tornando cada vez mais global. A internet apenas
permitiu nosso contato com a diversidade cultural".
Facilitadora do acesso a produções que em outras épocas permaneceriam
desconhecidas no cenário internacional, a internet, no entanto, não
rompeu barreiras políticas que privilegiam a diversidade cultural.
Martel lamenta que muitos dos defensores da diversidade - em termos
mundiais - não a adotem localmente.
"Nós, europeus, assim como os brasileiros, lutamos pela diversidade
cultural que os americanos destroem sempre que tentam impedir o
estabelecimento de cotas de exibição de filmes nacionais no México ou
propagam a música anglo-saxã no Brasil ou na Argentina. No entanto,
internamente, países como França, Canadá, China e Japão ignoram suas
próprias minorias, desvalorizando dialetos e culturas locais", diz
Martel. "No palco internacional, esses países fazem apelos pela
diversidade, mas, em casa, obedecem a outras regras. Os Estados Unidos
agem exatamente de maneira oposta. Lutam contra a diversidade em nível
internacional, enquanto atribuem grande importância a suas diferenças
étnicas. Existem 800 grupos teatrais afroamericanos nos Estados Unidos.
Na França não levamos a sério nosso único grupo de teatro árabe."
A princípio, a velocidade da revolução tecnológica da informação
deixou a indústria estarrecida. Em seguida, veio a reação, com uma
discussão moral sobre a apropriação de direitos autorais, que, observa
Martel, deve tornar-se obsoleta assim que indústria resolver a questão
de remuneração dos criadores de conteúdo. No momento atual, a
preocupação é criar interesse para os jovens consumidores, que transitam
com intimidade pelas redes sociais, procuram informações no Google e
descobrem novos músicos pelo You Tube. Um desafio que se apresenta
também aos produtores culturais de países emergentes, que, segundo
Martel, tendem a ganhar importância na área do entretenimento, desde que
não se empolguem pelo ufanismo em torno das "características únicas".
Martel já esteve três vezes no Brasil. Aqui, conversou com
jornalistas, atores, executivos da indústria fonográfica e da televisão e
cineastas, entre outros. O mais famoso dos brasileiros entrevistados
ele encontrou na França, o então ministro da Cultura, Gilberto Gil,
depois de um show em que o compositor se apresentou "cheio de energia e
humor". Apesar do destaque dado à conversa com Gil, Martel não é dos que
se derramam em elogios ao talento artístico brasileiro. "Mais do que
talento, é preciso profissionalismo para conquistar o mundo."
"O Brasil tem admiráveis características únicas, mas não está
sozinho. A globalização abriu diversos mercados regionais. México,
Colômbia, Argentina, Turquia, Nigéria, Egito e até o Irã, este com
conteúdos voltados para o público interno, também oferecem produtos
interessantes", diz Martel. "A economia brasileira e sua influência
cultural vão aumentar, incluindo aí seu principal produto de exportação,
as telenovelas. A televisão brasileira já explora novos mercados na
África, na Ásia e na América do Norte, onde, só nos Estados Unidos,
moram milhões de latinos. No entanto, não vejo as novelas como um
produto que sobreviva no futuro, pois os jovens gostam de outros
conteúdos. Antes de insistir em novelas com os formatos atuais, é
preciso convencer os jovens a assisti-los."
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