segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Mentir ou não?

Juremir Machado da Silva*

<br /><b>Crédito: </b> JOÃO LUIS XAVIER


Em algum momento da vida, é certo mentir? Melhor, há situações em que do ponto de vista moral o correto é mentir? Ou, ao contrário, moralmente falando, jamais se deve faltar com a verdade? Sócrates perguntou a Eutidemo se ser enganador era imoral. A resposta foi curta: "Sim, claro". O filósofo das perguntas insistiu: "Mas e se um amigo estivesse muito triste e quisesse se matar, e você roubasse-lhe a faca? Não seria um ato enganador?". Eutidemo não vacilou: "Sim, com toda certeza". Sócrates apertou o torniquete: "Mas fazer isso não seria moral em vez de imoral? Trata-se de uma coisa boa, não ruim, embora seja um ato enganador". Eutidemo concordou. Moral da historieta: Eutidemo começou achando uma coisa, enredou-se e terminou pensando outra. Não havia refletido. Essas e outras histórias conhecidas estão em "Uma Breve História da Filosofia", de Nigel Warburton.

O alemão Kant era homem metódico e racional. Descia a sua rua oito vezes por dia no mesmo horário. Desistiu de casar, apesar de gostar da moça, depois de calcular seus ganhos e fazer uma projeção de ganhos futuros. A felicidade não seria financeiramente viável. Kant, ao contrário de Sócrates, entendia que nunca se deve mentir. Se um amigo bate na porta e pede abrigo para não ser assassinado por um perseguidor, é imperativo deixar a pessoa entrar. Mas, se o perseguidor, logo em seguida, chega ao local e pergunta pelo perseguido, deve-se dizer a verdade, sempre a verdade: está embaixo da cama, no andar de cima, atrás da porta. O imperativo moral de não mentir está acima de tudo. Uau! Kant, contudo, era fera. Antes de agir, no seu entender, é preciso perguntar: "E se todos fizessem isso?". E se todos sonegarem impostos como eu? E se todos jogarem lixo no chão como eu?

Kant era fogo. A ação moral, na concepção dele, depende da intenção. Tem de ser desinteressada e racional. Não é moral ajudar alguém por compaixão. Só por dever. Não é moral ajudar alguém esperando recompensa. Não é moral ajudar alguém por se gostar da pessoa. É moral ajudar alguém por dever, mesmo não se gostando da figura. Todo o chamado marketing social, praticado atualmente por empresas, seria considerado imoral por Kant, à medida que se age, não por dever, mas em busca de retorno, por exemplo, de imagem. Já os britânicos Jeremy Bentham e John Stuart Mill, expoentes do utilitarismo, defenderam que só interessam as consequências, o resultado socialmente benéfico maior.

Bentham era tão maluco que criou o "cálculo felicífico" para medir o grau de felicidade produzido por uma ação. Bom para a sociedade é aquilo que dá prazer e elimina a dor. Todo mundo, segundo ele, busca isso. Mill apostou no "princípio do (menor) dano". Todo mundo deve ser livre para viver o que quiser, desde que não cause prejuízo a terceiros. Como se achava gênio, defendia que os gênios deveriam ser ainda mais livres. Ao contrário do seu guru Bentham, entendia que os prazeres superiores davam mais felicidade do que os inferiores: ler deveria dar mais prazer do que chafurdar como um porco. Bentham e Mill são úteis hoje para se examinar a mídia: Mill certamente ficaria horrorizado com a chinelagem. Bentham diria: que mal tem se dá prazer e não há dor. Barbada.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Tradutor. Colunista do Correio do Povo
 juremir@correiodopovo.com.br
Fonte: Correio do Povo on line, 13/08/2012

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