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"Nas redes sociais, o indivíduo autônomo se revela
dependente dos outros. Espera que alguém curta
sua foto ou faça comentários", diz Lipovetsky
Gilles Lipovetsky
O filósofo francês, um dos mais
polêmicos da atualidade, afirma que as pessoas dizem quem são por meio
do consumo e prevê a ascensão de marcas
nacionais em cinco anos
por Paula Rocha
"Nas classes altas, há um desejo feroz por
manter-se jovem. No Brasil, as mulheres
falam que, com 40 anos, estão velhas"
manter-se jovem. No Brasil, as mulheres
falam que, com 40 anos, estão velhas"
"Quando tínhamos problemas, falávamos com
o padre, hoje falamos com o psicólogo.
Conversar, pedir conselhos, virou consumo"
Istoé - No Brasil, a classe C tem
estabelecido padrões culturais, como na música, que estão sendo
adotados pelos mais ricos. Como o sr. vê esse fenômeno?
Gilles Lipovetsky -Esse fenômeno não é
exclusivo do Brasil. Ele acontece em outros países também, a exemplo da
China, e é um reflexo do novo significado do luxo. Hoje, não há mais
regras para o consumo do luxo, já que ele se traduz como uma expressão
do individualismo. Cada um tem a sua ideia do que seja luxo. E é aí que
entram as expressões culturais das camadas populares e experiências
singulares, como, por exemplo, comer um prato típico em uma favela do
Rio de Janeiro, o que já se tornou um programa turístico ou de ricos
excêntricos. O que as pessoas querem dizer por meio do consumo hoje é
quem elas são. Querem afirmar sua identidade, e isso vai além do gosto
estético. E os desejos das pessoas não estão mais fechados em códigos
ligados a determinadas classes sociais.
Istoé - Todas as classes sociais desejam o luxo?
Gilles Lipovetsky - Sim. A população pobre
brasileira também deseja muito o luxo. O Brasil é um dos países onde a
paixão pelo luxo é mais evidente. Analisado filosoficamente, ele é uma
vitrine do status sensual, e a questão da sensualidade ainda está muito
arraigada na cultura brasileira. Vocês se mostram mais e têm paixão por
tudo o que é aparência: o corpo, a riqueza, o prazer. Acredito que nos
próximos cinco ou dez anos veremos uma ascensão das marcas brasileiras
de luxo, tanto na moda quanto no mercado de cosméticos. O Brasil também
apresenta um potencial muito grande para o turismo nesse segmento, que
ainda deve ser explorado. E o número de consumidores de luxo no País vai
aumentar. É um mercado em plena ascensão.
Istoé - A origem dos produtos ainda importa?
Gilles Lipovetsky - O consumidor moderno não é
mais tradicional. Hoje as pessoas são móveis, então por que os produtos
não seriam? Não faz diferença para um comprador se aquele sapato foi
feito na Itália ou na China, desde que ele tenha uma marca, o que,
teoricamente, garantiria sua qualidade. Já as grifes respondem de formas
diferentes a isso. A Chanel, por exemplo, faz questão de que todos os
seus produtos sejam fabricados na França, enquanto a também francesa
Hermés acaba de fechar uma parceria com uma empresa chinesa para
fabricar suas famosas bolsas e artigos de luxo lá na China. E eu acho
que essas parcerias serão cada vez mais comuns nesse mercado.
Istoé - Qual é o limite para essa globalização?
Gilles Lipovetsky - A globalização não tem um
limite, mas o crescimento econômico sim. E esse teto é determinado pelo
limite do nosso planeta. Os ecologistas defendem que é preciso mudar
nosso modo de vida, consumir menos, ou então imaginar processos de
produção que sejam menos “gulosos”. Podemos consumir menos produtos
materiais e mais serviços, limitar o desperdício e ir atrás de coisas
mais sustentáveis. Não acredito, porém, que o consumo vá diminuir. O
homem moderno tem necessidade de emoção e, para a maioria das pessoas,
isso passa pelo consumo. Quando você não tem tantos amores ou grandes
emoções, o consumo funciona como um prazer fácil, que lhe traz
satisfação momentânea. Por isso não vejo o desejo pelo consumo recuar.
Istoé - Até que ponto o consumo pode satisfazer alguém? Ou determinar sua identidade?
Gilles Lipovetsky - Vivemos em uma época em que
a grande utopia é a busca da felicidade privada, e o consumo é visto
como um dos meios para alcançar essa felicidade. Mas todo mundo sabe que
o consumo não faz ninguém feliz. Consumir traz satisfação, que não é a
mesma coisa que felicidade. Se você compra um carro, se faz uma viagem, o
consumo lhe proporciona uma sensação de evasão, o faz esquecer seus
problemas, mas esse sentimento é temporário. Então a civilização
hipermoderna tem algo de paradoxal. Corremos atrás de algo que não dá
felicidade, nem infelicidade. Mas não devemos “diabolizar” o consumo. É
fácil criticar o consumo quando temos muito, mas os mais pobres aspiram
ao consumo, pois ele significa progresso. As pessoas vivem melhor com
boa saúde, e isso não pode ser desassociado do consumo, pois precisamos
comprar remédios e ir ao médico para vivermos saudáveis. O consumo
também é capaz de abrir um leque de possibilidades culturais. Por meio
dele podemos conhecer o mundo e outras culturas, e isso nos ajuda a
conhecer melhor a nós mesmos.
Istoé - Como as novas tecnologias e as mídias sociais estão afetando a forma como nos vemos e lidamos com nossa aparência?
Gilles Lipovetsky - A coisa mais surpreendente
das novas mídias sociais é o paradoxo do individualismo. As pessoas
adoram dizer que querem manter sua autonomia e individualidade, mas não é
isso que transparece nas redes sociais. Ali, o indivíduo autônomo se
revela dependente dos outros e da aceitação alheia. Por que as pessoas
escrevem no Facebook? Cada um que escreve espera um retorno. Espera que
alguém curta sua foto ou espera comentários positivos, espera, enfim, a
aprovação dos outros. Nas redes sociais todos somos exemplares.
Colocamos apenas nossas melhores imagens e exibimos nossas melhores
qualidades, justamente porque queremos que as pessoas nos aprovem. Por
outro lado, é preciso ser otimista em relação a essas novas formas de
comunicação. Muitos críticos afirmam que hoje as pessoas só têm relações
virtuais, online, e que não há mais relações reais. Mas isso não é
verdade. As pessoas que estão conectadas também se encontram
fisicamente. Então é claro que a relação virtual não destrói o desejo de
ligação física. Isso é um mito.
Istoé - Na sociedade atual, é mais importante ser rico ou jovem?
Gilles Lipovetsky - Nas classes média e alta,
há hoje em dia um desejo feroz por manter-se jovem. Faço muitas
conferências sobre a beleza e, no Brasil, as mulheres vêm me falar que,
com 40 anos, estão velhas. A exigência de parecer jovem se tornou algo
importante. Antes o importante era mostrar que era rico, agora é parecer
jovial. Nos EUA e na Europa as mulheres já gastam mais com hidratação,
ou com botox e cirurgias estéticas, do que com produtos de maquiagem. No
Brasil você vê mulheres com cabelo branco (risos)? A cultura brasileira
ensina que as mulheres precisam esconder a idade tingindo os cabelos.
Alguns estudiosos dizem que esse fenômeno é uma tirania e não vai durar;
vamos ter de aceitar nossa idade. Não acredito nisso, essa é a cultura
moderna. Não acredito que vamos recuar com a cultura da juventude. Penso
que um dia teremos técnicas muito mais avançadas para nos manter sempre
jovens.
Istoé - Como descreveria, citando uma expressão sua, o mundo de hiperconsumismo em que vivemos?
Gilles Lipovetsky - Tudo no dia a dia depende
de uma compra. Somos constantemente obrigados a comprar. Se você sai,
tem de pegar o carro, o avião, e isso implica gastar dinheiro. Pense em
coisas que antes não eram consumidas. Da última vez que estive em São
Paulo o motorista me levava ao hotel, e, no caminho, via as pessoas
correndo em academias, em esteiras. As pessoas hoje pagam para correr,
sendo que antes corríamos de graça. Antes, para nadar, íamos aos rios.
Agora precisamos pagar para frequentar piscinas. Antes, quando tínhamos
problemas pessoais, falávamos com o padre e ele dizia o que fazer. Hoje
falamos com o psicólogo. O gesto mais elementar da vida, que é
conversar, pedir conselhos, virou consumo, pagamento.
Istoé - O sr. diz que vivemos na “sociedade da decepção”. Por que, apesar de todo o progresso, estamos mais tristes do que nunca?
Gilles Lipovetsky - O problema da sociedade da
decepção é que sentimos que nunca estamos consumindo o suficiente. O
lado ruim do consumo não é somente o excesso, mas também o fato de que
muitas pessoas sofrem porque acham que não consomem o suficiente. Se
você não tem internet ou telefone celular, se sente infeliz. O mundo no
qual estamos entrando é um mundo competitivo e difícil. As necessidades
são enormes, e as pessoas não podem pagar por todas elas. Aí o déficit
de consumo vira um drama. Antes, as pessoas ficavam em casa nas férias e
não sofriam com isso. Hoje, se você nunca sair de seu bairro, você
ficará triste. Mudar tornou-se essencial. Mas, como o dinheiro não é
proporcional aos desejos de consumo, há uma frustração.
Istoé - Por que não gosta da expressão “tirania da felicidade”?
Gilles Lipovetsky - Eu penso que a expressão é
excessiva. A verdadeira tirania hoje acontece na Síria, onde o Estado
massacra sua própria população. Não podemos esquecer que a sociedade de
consumo contribuiu para pacificar a população, pois, por meio do consumo
nos sentimos mais cidadãos, mais parte de algo comum. Isso é verdade na
Europa, e também no Brasil, apesar de a sociedade brasileira ainda
apresentar níveis altos de desigualdade e violência.
Istoé - O sr. consome produtos de luxo?
Gilles Lipovetsky -
Amo charutos. Não fumo
muito, em média um por dia, mas definitivamente não são charutos de luxo
(risos). A questão do luxo me apaixona, revela coisas interessantes
sobre a condição humana. Você pode achar estúpido, supérfluo, mas não é.
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Fonte: http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/228717_O+BRASILEIRO+TEM+PAIXAO+PELO+LUXO+
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