quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O capitalismo americano

José Luís Fiori*

Nos cerca de 250 anos de história independente, os EUA iniciaram - em média - uma guerra a cada três anos, exatamente como a Inglaterra. Contando com a vantagem de ser “membro por nascimento”, da pequena comunidade dos estados produtores da “ética internacional” que arbitram as “guerras justas” e o “livre comércio”.

“Years before the Declaration of Independence…Benjamin Franklin, George Washington and Thomas Jefferson, as well as a considerable ratio of New England´s most proeminent Congregationalist ministers already talked of America reaching the Mississippi or even the Pacific to become the next century great empire”
Kevin Phillips, “The Cousins´ Wars”, Basic Books, New York, 1999, P:116

A publicação - em 1894 - do livro do economista inglês, John A. Hobson (1858-1940) - “A Evolução do Capitalismo Moderno” - transformou-se numa referencia obrigatória para a interpretação do desenvolvimento econômico dos Estados Unidos. Depois de Hobson, vários historiadores e economistas retomaram sua tese sobre a originalidade radical do capitalismo americano, vis a vis o desenvolvimento europeu. Em particular, depois da Guerra de Secessão (1861-1865), com o surgimento das grandes corporações e do capital financeiro que teriam revolucionado a organização microeconômica, e mudado a face do capitalismo mundial. Do nosso ponto de vista, entretanto, estas transformações ajudam a entender o “milagre econômico” americano do início do século XX, mas não explicam as próprias transformações.

Os Estados Unidos foram o primeiro estado nacional que nasceu fora da Europa, mas não fora do sistema geopolítico e econômico europeu. Pode-se dizer inclusive, que a “Guerra da Independência” americana foi, em grande parte, um capítulo da disputa entre a Inglaterra e a França pela supremacia mundial. E sua conquista definitiva ocorreu entre as duas grandes guerras (“Dos 7 Anos” e “Bonapartista”) que definiram a hierarquia de poder internacional, e a supremacia inglesa, dentro e fora da Europa, a partir de 1815.

Durante este período de guerras, os Estados Unidos sempre se sentiram “cercados” e ameaçados - simultânea ou sucessivamente - pela Inglaterra, França e Espanha, e tiveram que negociar seu reconhecimento e suas fronteiras com o “núcleo duro” das Grandes Potências europeias.

Assim mesmo, os EUA acabaram se transformando no único estado nacional extra-europeu que nasceu de um império e de uma economia em plena expansão vitoriosa. Mais do que isto, durante a chamada “revolução industrial” que transformou os Estados Unidos – imediatamente - na primeira periferia “primário-exportadora” de sucesso da economia industrial inglesa. Situação econômica privilegiada que se consolidou e expandiu durante todo o século XIX, antes e depois da Guerra de Secessão, enquanto a Inglaterra abria espaços de expansão comercial para sua ex-colônia, e assumia a responsabilidade – em alguns momentos - por cerca de 60% do investimento direto dentro de todo o território norte-americano, que passou a fazer parte de uma espécie de “zona de co-prosperidade” anglo-saxônica , ou mesmo, num caso avant la lettre, de “desenvolvimento a convite”, da Inglaterra.


Por outro lado, desde sua independência, os Estados Unidos foram governados por uma elite coesa e com um intense commitment imperial, e mantiveram um ritmo de expansão política e territorial contínua, através da guerra, da diplomacia e do comércio. Antes da Guerra Civil, foram 37 “guerras indígenas”, e mais as Guerras do Texas e do México, em 1837 e 1846, responsáveis pela duplicação do território americano. Mais a frente, vieram a Guerra Civil e a Guerra Hispano-Americana, e uma sucessão de intervenções militares no Caribe, num movimento de expansão que se acelerou no século XX, alcançando Europa, Ásia, Oriente Médio e África. De forma que nos cerca de 250 anos de história independente, os EUA iniciaram - em média - uma guerra a cada três anos, exatamente igual como a Inglaterra. Contando com a vantagem de ser “membro por nascimento”, da pequena comunidade dos estados produtores da “ética internacional” que arbitram as “guerras justas” e o “livre comercio”.

A história segue e é extensa, mas já se pode dizer que ela fornece fortes indícios de que:

- o desenvolvimento econômico dos EUA não foi uma exceção, pelo contrário, foi uma parte essencial da expansão e das contradições do sistema inter-estatal e do capitalismo europeu;

- o sucesso do capitalismo americano não foi puramente endógeno, nem foi apenas uma obra das grandes corporações e do capital financeiro que nasceram à sombra da Guerra Civil;

- o “apoio externo” foi decisivo para o sucesso da economia americana, que foi sempre a principal “fronteira de expansão” do capital financeiro inglês;

- a “guerra contínua” teve um papel estratégico no desenho da política industrial e agrícola, e no desenvolvimento científico e tecnológico dos EUA;

- e por fim, a expansão política, territorial e bélica dos EUA foi na frente do processo de internacionalização das grandes corporações, do capital financeiro e da moeda norte-americana.

Uma história de desenvolvimento econômico como a das demais potências do sistema mundial, mas muito diferente da interpretação economicista de Hobson e seus discípulos.
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*José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Fonte:  http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5750&boletim_id=1352&componente_id=22383
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