terça-feira, 28 de agosto de 2012

Pequena história de um grande equívoco

Marco Antonio Rocha*

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil protocolou na semana passada um pedido de investigação de salvaguarda para vestuário porque está havendo um “surto” de importações de roupas no país que causa prejuízo à indústria nacional. Essa era a notícia na sexta-feira.
Não era uma notícia eletrizante, mas serve de gancho para a gente analisar um longo processo de formação da chamada indústria nacional e criticar uma estratégia que sempre nos pareceu equivocada e fora de foco. Pois, na verdade, está havendo “surto” de importações de muita coisa, e várias indústrias nacionais ou já foram para o brejo ou simplesmente viraram importadoras, barracões de montagem.
Esse processo passou, em resumo, pelo seguinte: na primeira metade do século passado, país forte era país que tivesse uma indústria forte, principalmente baseada no binômio do carvão e do aço. Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França e Itália estavam no bloco das nações fortes – tinham carvão, tinham aço e tinham uma indústria forte, de navios, de trens, de máquinas para fazer máquinas. O Brasil não tinha nada, ou quase nada disso. Era a razão do nosso atraso. “O Brasil é um país essencialmente agrícola”, diziam muitos, inclusive um presidente da República, de maneira resignada e conformista. “O quê? Uma indústria siderúrgica nos trópicos? Só pode ser brincadeira”, ironizou um magnata inglês quando ouviu falar de uma pretensão brasileira por volta da 1.ª Guerra Mundial. Claro que ele não sabia, mas já tinha existido uma, muito tempo antes, no Brasil colônia, a Real Fábrica de Ferro de Sorocaba, em São Paulo, ainda hoje monumento histórico na cidade. Não era bem uma usina siderúrgica, mas dava para fabricar enxadas, machados e arados.
Descrença, falta de know-how, boas receitas externas da exportação de café desde meados do século 19 ajudaram a criar boa dose de resignação com a falta de indústrias no País e com o atraso nesse quesito.
Em 1930, Getúlio Vargas chega ao poder e o mote passa a ser “industrialização” a toque de caixa. A vinda da Belgo-Mineira para o Brasil quebrou o tabu de que siderurgia não prosperava nos trópicos e gerou pretensões mais avantajadas. Logo se começou a pensar numa grande siderúrgica em Volta Redonda. A 2.ª Guerra Mundial e suas demandas bélicas, de transportes, de navios, de armas e munições e de matérias-primas, dariam ao Brasil as oportunidades na área da indústria metalúrgica e manufatureira, além das condições financeiras para enfim arrancar dos americanos a tecnologia e a grana para a construção da Cia. Siderúrgica Nacional, a CSN. Lá está ela, ainda hoje alimentando com seus produtos o parque manufatureiro nacional.
Creio que, a partir daí, ou seja, da década de 1940, é que começou a estratégia equivocada para beneficiar esse parque manufatureiro, baseada na ideia de que era preciso “substituir importações” e, na sua derivada, “brecar importações” para “proteger” a nascente e ascendente indústria nacional. O Imposto de Importação foi o grande instrumento dessa estratégia, e o consumidor brasileiro compareceu como refém de um parque industrial, que afinal nem era tão nacional assim, pois indústrias estrangeiras vieram se instalar aqui para aproveitar as vantagens do curral mercadológico que o governo criara. Nos casos em que o mercado interno tinha escala suficiente, era vantagem vir para cá e livrar-se dos dissabores da concorrência internacional.
Em 1952, ainda com Getúlio, criou-se o BNDE (o “s” veio depois), para dar alento à indústria “nacional”. Algumas montadoras que por aqui estavam logo se propuserem a fabricar no Brasil carros “nacionais”, com grande alarde e festejos. A grana era do BNDE, a rede de vendas elas já tinham e o Imposto de Importação era o guardião dos produtos. A importação de Chevrolets, Fords, Citroëns, Audis e Mercedes tornou-se absolutamente proibitiva.
(Lembrança: desde 1948 e por alguns anos adiante, um vasto número de táxis, em São Paulo e em muitas cidades do interior, eram Mercedes-diesel, então baratíssimos. De 1955 em diante, viraram carros de magnatas.)
Essa estratégia criou uma indústria dependente da proteção e do financiamento do governo. Que hoje se debate com o desafio de como ganhar o mundo.
O equívoco teve duas pernas: uma, que a melhor defesa era a defesa, quando, na verdade, no mundo dos negócios a melhor defesa é o ataque. Outra, que é função da indústria elevar o nome da Pátria.
O que se vê, no entanto, é que o que importa no mundo de hoje é a marca. A Mitsubishi, a Canon, a Yamaha, a Sony, a Kia; ou a Volvo, a Volkswagen, a Chevrolet, a Telefunken, a Fiat podem ter fábricas em qualquer país – o consumidor mundial busca a marca, não a procedência.
Criar vários produtos brasileiros e marcas brasileiras internacionalmente aceitáveis, como bandeiras e símbolos de qualidade, teria sido a melhor estratégia. Ênfase em merchandising, mais do que em fabricação. Esses produtos e marcas levariam para o mundo todo uma rede de fornecedores industriais nacionais, que estariam hoje competindo, e não se defendendo. Um país emergente com uma indústria submergente, como a que temos, não vai a lugar nenhum.
------------
* Marco Antonio Rocha é bacharel em direito, jornalista especializado em economia e finanças e co-ordenador do corpo de editorialistas do jornal “O Estado de S. Paulo”. Ele foi repórter do jornal “Última Hora”, em São Paulo, redator da Editora Abril, repórter e redator das revistas “Quatro Ro-das” e “Realidade”, editor de economia e finanças da revista “Visão” e colunista do “Jornal da Tar-de” e da “Gazeta Mercantil”.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 27/08/2012
Imagem da Internet

Nenhum comentário:

Postar um comentário