sábado, 29 de setembro de 2012

Filippo Lovato: “As características espaciais são democráticas”

O arquiteto italiano Filippo Lovato. Ele criou um índice para ajudar a planejar as cidades  (Foto: (Divulgação))

O autor de pesquisa de qualidade espacial de uma cidade defende iniciativas públicas de alcance geral

MARCELO MOURA
A revista britânica The Economist publica, anualmente, uma pesquisa sobre as melhores capitais do mundo, baseada em indicadores de infra-estrutura, saúde, educação, cultura e estabilidade social. Em 2012, a revista pediu aos leitores a criação de critérios adicionais. Autor da proposta vencedora, o arquiteto italiano Filippo Lovato criou o Índice de Qualidade Espacial. Lovato diz a ÉPOCA como formulou sua avaliação da qualidade espacial, e por que ela é importante no planejamento das cidades no futuro

ÉPOCA – Por que o senhor transformou a pesquisa de qualidade de vida feita tradicionalmente pela revista The Economist?Felippo Lovato - O índice da Economist não reflete indicadores espaciais que considero importantes na qualidade de uma cidade: quantidade de espaços públicos arborizados, a riqueza cultural e a relação da cidade com suas vizinhas, sejam elas próximas ou distantes.

ÉPOCA – Como o senhor incluiu essas preocupações espaciais na fórmula adotada no ranking?Lovato - Eu diminuí o peso das cinco categorias originais (estabilidade, saúde, cultura e ambiente, educação e infra-estrutura), de 100% para 75% , e criei um índice de qualidade espacial com peso de 25%. Tentei encontrar, em fontes de pesquisa disponíveis, dados capazes de qualificar as qualidades espaciais urbanas. Há poucas informações comparáveis no mundo todo. Foi impossível comparar a área de espaços públicos em diferentes países, porque o conceito de espaço adotado pelo público varia conforme a cultura. Foi mais fácil olhar apenas para as áreas verdes, um tipo específico de espaço público facilmente identificável. 

ÉPOCA – Quais foram os indicadores escolhidos para a pesquisa?
Lovato - Cheguei a sete indicadores: área verde, espalhamento urbano, recursos naturais, isolamento da cidade e conectividade, recursos culturais e poluição. 

ÉPOCA – A escolha da melhor cidade privilegia, necessariamente, algum ponto de vista. Hong Kong, eleita a melhor conforme os critérios que o senhor elaborou, é a melhor para quem? 
Lovato - O objetivo do relatório global da Economist não é definir a melhor cidade do mundo para todo mundo. Especificamente, a tarefa do estudo é mostrar como diferentes cidades no mundo são hospitaleiras para um trabalhador estrangeiro. 

ÉPOCA – Adotar o trabalhador estrangeiro como ponto de vista parece bom porque ele, mais que qualquer outro público, tem mobilidade para mudar de um país para outro conforme o resultado. Mas parece uma visão distante da maioria, dos moradores locais.
Lovato – O ranking de cidades na minha proposta é apenas o resultado dos métodos que escolhi, e não exatamente o meu ranking de cidades. Por exemplo: mantive a ordem de importância adotada pela Economist, pela qual saúde é 2,5 vezes mais importante que educação. Provavelmente fizeram assim porque nem todos os trabalhadores estrangeiros tenham crianças. A falta de indicadores de liberdade política e direitos de trabalho é igualmente problemática. Essas escolhas metodológicas explicam por que Hong Kong ficou em primeiro em minha pesquisa. A cidade vai muito bem em características espaciais e não tão bem em educação e liberdade política. Se eu decidisse reajustar a ordem de importância adotada pela Economist e incluísse um indicador nacional de liberdade política, Hong Kong não ficaria em primeiro. 

ÉPOCA - Como o ranking da Economist é útil ao morador comum? 
Lovato – O estudo da quantifica vantagens e desvantagens de um lugar ao estilo de vida de cada pessoa, e permite a comparação direta entre lugares. É possível desmembrar a nota de uma cidade em suas parcelas, e dar maior peso a uma ou outra conforme as prioridades individuais. 

ÉPOCA – Como o seu índice de qualidade espacial muda o resultado do estudo?
Lovato – Os indicadores de qualidade espacial que eu incluí ajudam a medir características que afetam não apenas o trabalhador estrangeiro, mas toda a população da cidade. A importância das características espaciais está precisamente em sua inerente qualidade democrática: todos os moradores aproveitam os recursos naturais dos arredores da cidade, mas todos igualmente sofrem com a poluição do ar. Por causa desse efeito indiscriminado em todos os moradores, decidi dar às características espaciais o maior peso individual entre todos os critérios. Assim, tentei dar à pesquisa original a minha experiência de urbanista. 

ÉPOCA – São Paulo e Rio de Janeiro, as duas capitais brasileiras na lista, ficaram atrás da Cidade do México (México), de Buenos Aires (Argentina) e de Santiago (Chile). Por quê? 
Lovato – Buenos Aires e Santiago ficam à frente das capitais brasileiras graças, em grande parte, a “estabilidade” e “infraestrutura”. Elas são bastante semelhantes nos aspectos que eu medi. Apenas a Cidade do México tem um resultado significativamente melhor. 

ÉPOCA – O que o senhor aprendeu ao comparar cidades do mundo inteiro? 
Lovato – Esse exercício me mostrou a importância de pensar no conceito de direitos dos cidadãos. O programa de ônibus rápidos Transmilenio, adotado por Bogotá, na Colômbia, é um bom exemplo: antes dele, 95% do espaço nas ruas era usado por carros particulares, ocupados por 19% da população. Ônibus de baixa qualidade usavam apenas 5% do espaço nas ruas, para transportar 81% da população. Com o TransMilenio, grande parte da superfície da cidade foi dedicada ao transporte público. Agora ele é usado diariamente por quase 2 milhões de pessoas, de todas as classes sociais.
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Fonte: http://revistaepoca.globo.com/especial-cidades/noticia/2012/09/filippo-lovato-caracteristicas-espaciais-sao-democraticas.html

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