sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Luxo, crime e castigo

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A sedução provocada pelo luxo é uma das coisas mais democráticas que existem. Não importa a classe social ou o nível cultural da pessoa: todo mundo sonha com o seu quinhão do paraíso, seja ele representado por uma Ferrari ou por um conjunto de sofás das Casas Bahia. O crime também tem lá o seu apelo junto ao ser humano. Para alguns, andar fora da lei é tentador. E são exatamente esses dois universos os temas centrais abordados pela jornalista e escritora Angela Klinke em seu livro "Luxo & Crime". 

O ponto de partida do romance é a prisão, por sonegação fiscal, da empresária Brigite Campos de Orleans. Ao lado da irmã Catherine, Brigite é dona da Loja, um templo de consumo de artigos de luxo frequentado pela nata da sociedade brasileira. Acostumadas à proteção de bons advogados e de um tal Senador, as irmãs se veem pela primeira vez sendo tratadas como meras cidadãs contraventoras. O episódio guarda semelhanças com a Operação Narciso, deflagrada contra a empresária Eliana Tranchesi (1955-2012), da Daslu, em 2005. A ação conjunta da Polícia Federal, Receita Federal e Ministério Público na Daslu buscou indícios dos crimes de lesão à ordem tributária. Eliana foi julgada e condenada a 94 anos e meio de prisão por formação de quadrilha, fraude em importações e falsidade ideológica, mas conseguiu habeas corpus. "Luxo & Crime", no entanto, é ficcional, afirma a escritora. "Brigite não é Eliana. Ela é uma caricatura de empresária do luxo", diz Angela, que brinca o tempo todo com estereótipos.

Crimes dos mais variados vão surgindo a cada página, cometidos por "peixes" grandes e pequenos. Aqui, não há personagens totalmente bons nem totalmente ruins. Cada um quer defender o seu ponto de vista, seu "way of life". Fatos e ficção vão se misturar durante todo o desenrolar do romance, que também envolve uma blogueira de moda consumista, um jornalista, uma manicure com mania de grandeza e uma morena misteriosa que aparece morta durante um coquetel na Loja. "Luxo & Crime" é, em última instância, um livro de negócios que não publica balanços nem apela para a autoajuda, diz a autora. Mas que mexe com verdades e futilidades estabelecidas - sem perder o bom humor.

"O mercado de luxo é novo no Brasil e 
essa história ainda está sendo escrita", 
afirma a autora, 
que lança seu primeiro romance."

Nada maniqueísta, o primeiro romance da jornalista, que foi editora de "Comportamento" do Valor e atualmente é colunista do caderno "Eu&", mostra que nem todo pobre é coitado e nem todo rico merece o inferno. Todo mundo comete "pecado, logo assim que a missa termina". Faltar com a ética, querer levar vantagem, chantagear, cobiçar, mentir e trair são atitudes nada nobres que podem ser tomadas por qualquer indivíduo. Basta haver oportunidade e uma mente propensa à contravenção. "Sempre quis evitar o olhar paternalista", diz Angela, que considera a Operação Narciso um caso emblemático ao expor esse setor da economia e mobilizar a opinião pública de forma geral. Mas enquanto uma parte dela saiu em defesa da elite - exaltando o seu viés agregador de riquezas para o país -, outra parte depositou nos empresários e consumidores de artigos de luxo a culpa por todo o mal.

No livro, as inversões de valores e o preconceito nas visões que a elite e os marginalizados têm entre si resultam em momentos divertidos.

A empresária Brigite, por exemplo, não entende por que deveria pagar os impostos de importação se mantém em dia os direitos trabalhistas de seus funcionários - o que inclui um ótimo plano de saúde. A manicure Dulcecleide julga-se empreendedora e não vê nada demais em comprar bolsas pirateadas para vender às amigas do bairro. Já o experiente jornalista Ernesto Leon ("sujeito de paletó com ombreiras gigantes") sente náusea só de pensar em colocar os pés - e o gravador analógico - em uma butique de luxo. "Gente besta não merece ser ouvida", pensa o jornalista da fictícia revista "Cenários", com a mente cheia de ideias preconcebidas sobre um mundo que nunca frequentou (e que daria o seu prêmio Esso para não frequentar). Outra boa criação é a peculiar e improvável dupla de jornalistas investigativos formada por Ernesto e Lulu Peçanha (a blogueira bem-nascida).

Outro ponto interessante do romance é o fato de narrar estratégias e curiosidades que rondam a indústria do luxo - e que foram tão bem retratados em livros como "Casa Gucci", de Sara Gay Forden, e "Gomorra", de Roberto Saviano, ambos citados pela autora. Por conhecer os meandros desse segmento, Angela acaba também esclarecendo como ele funciona no Brasil, país onde consumidores parcelam bolsa de grife no cartão de crédito. Um exemplo: o personagem que compra a Loja, para livrá-la da ruína, é um usineiro. Não por acaso. Mas porque esse é um setor que tradicionalmente se beneficiou da anistia fiscal - e impostos, como sabemos, é o fantasma que tira o sono do empresariado do varejo de luxo no Brasil.

A blogueira de moda também não foi retratada à toa. Ela representa uma categoria que é, atualmente, a principal ferramenta de marketing das grifes que estão chegando ao mercado. Com seus posts (e alguma publicidade disfarçada), elas dão aval às grifes, tornando-se "embaixadoras" e agregando seguidoras. Em "Luxo & Crime", até a pirataria surge com outros contornos, para mostrar que, atualmente, uma cópia não é somente isso: há uma hierarquia de artigos mais ou menos benfeitos, para agradar consumidoras com diferentes níveis de poder aquisitivo. E que nem mesmo as marcas mais exclusivas, como Goyard e Hermès, estão livres de figurar nas barraquinhas da rua 25 de Março - para orgulho daqueles comerciantes de olhos puxados que não raramente erram na pronúncia dos nomes franceses.
"O mercado de luxo é novo no Brasil e essa história ainda está sendo escrita", afirma a jornalista, que consegue esmiuçar o setor sem cair no didatismo exagerado. Em alguns momentos de "Luxo & Crime" fica difícil adivinhar o que é ficção e o que é fato. E parte da graça está exatamente nisso: tentar desvendar o quão absurdo e fascinante é esse universo de bilhões de euros e vários foras da lei.

"Luxo e crime"

Angela Klinke. 
Leya, 192 págs., 
R$ 34,90. 

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Reportagem  Por Vanessa Barone | Para o Valor, de São Paulo

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