sábado, 24 de novembro de 2012

Philip Roth conta como é "estar livre"


Autor americano, que anunciou aposentadoria em outubro, fala que lê menos e que brinca o dia todo com iPhone 
 Apesar de dizer que sua carreira de ficcionista acabou, ele escreve romance com filha de 8 anos de ex-namorada 
 
Sobre o computador no apartamento nova-iorquino de Philip Roth no Upper West Side, um post-it diz: "A briga com a escrita acabou". 

A nota é para que Roth, que fará 80 anos em março e teve uma das carreiras mais longas e festejadas das letras americanas, se lembre de que se aposentou do ofício de escritor de ficção 31 livros depois de seu começo, em 1959. "Olho esse bilhete todas as manhãs e me dá muita força." 

Para os amigos, Roth deixar de escrever é como Roth deixar de respirar. 

Em certas ocasiões, parecia que escrever era tudo o que ele fazia. Ele trabalhava por semanas a fio, sozinho em sua casa no Estado de Connecticut, indo cedo a um estúdio próximo, onde escrevia de pé e para o qual frequentemente voltava à noite. 

Numa idade em que a maioria dos romancistas diminui o ritmo de trabalho, Roth se revigorou e escreveu alguns de seus melhores livros: "O Teatro de Sabbath", "Pastoral Americana", "A Marca Humana" e "Complô contra a América".* 

Com o autor já na casa dos 70, os livros, embora mais curtos, continuaram a chegar, quase um por ano. 

Mas, ao longo de uma entrevista de três horas -sua última, disse-, Roth pareceu alegre, descontraído e em paz consigo mesmo e com sua decisão de encerrar a carreira, anunciada inicialmente no mês passado, na revista francesa "Les Inrockuptiples". 

Neste ano, ele elegeu Blake Bailey como seu biógrafo e desde então vem trabalhando estreitamente com ele. 

"ESTOU LIVRE"
 
Roth disse que tomou a decisão de parar de escrever em 2010, alguns meses após concluir seu romance "Nêmesis", sobre uma epidemia de pólio em sua cidade natal, Newark (Nova Jersey), em 1944. 

"Não falei nada na época porque queria ter certeza", disse ele. "Pensei: 'Espere um instante, não vá anunciar sua aposentadoria e depois desistir'. Não sou Frank Sinatra." 

Sobre uma mesa na sala, fotos que acabara de receber de um primo: sua mãe vestida de noiva, com o véu descendo por uma escadaria; 

Roth, muito jovem, com seus pais e seu irmão mais velho, Sandy, diante da casa deles em Newark; Roth adolescente e belo sentado num sofá com a primeira namorada séria; o soldado raso P. Roth em seu uniforme do Exército. 

Ao lado das fotos, um iPhone, comprado recentemente. "Por quê?", ele diz. "Porque estou livre. Todo dia estudo um capítulo de 'iPhone para Idiotas'. Agora sou um ás. Não leio nada há dois meses. Só brinco com essa coisa." 

Fala e se corrige: "Não tenho lido de dia. À noite, eu leio por umas duas horas. Acabo de ler um livro maravilhoso de Louise Erdrich, 'The Round House'. Mas leio sobretudo história e biografias do século 20. Vivi no século 20. Eu era criança, ou estudava, ou trabalhava. Está na hora de eu me atualizar." 

Roth diz que, até onde sabe, o único outro escritor a se aposentar ainda com seu potencial intacto foi E.M. Forster, que parou por volta dos 40 anos -em grande medida porque sentiu que não podia publicar livros sobre o tema que mais o interessava: o amor homossexual. Já Roth parou porque sente que já disse o que tinha para dizer. 

"Passei um ou dois meses sentado, tentando pensar em outra coisa, e pensei: 'Talvez tenha acabado'. Eu me dei uma injeção de energia, relendo autores que não lia havia 50 anos e que tinham significado muito para mim. Li Dostoiévski, li Conrad, dois ou três livros de cada. Li Turguêniev, dois dos maiores contos já escritos: 'O Primeiro Amor' e 'Águas da Primavera'." E Faulkner e Hemingway, acrescenta ele. 

"E então decidi reler meus próprios livros. Comecei pelo último, indo de trás para diante e lançando um olhar frio sobre eles. E pensei: 'Você fez direito'. Mas, quando cheguei a 'Portnoy' ['O Complexo de Portnoy', de 1969], perdi o interesse. Não reli os primeiros quatro livros." 

"Então li todo esse material fantástico, depois li o meu e percebi que eu não teria outra boa ideia, ou, se tivesse, teria que trabalhar como escravo em cima dela." 

Após ter feito uma cirurgia das costas em abril, Roth está com a saúde ótima e se exercita regularmente. Mas diz que "não escreveria tão bem como antes". 

"Não tenho mais a resistência física para suportar a frustração. Escrever é frustração -frustração diária, sem falar na humilhação. Não consigo mais encarar dias em que jogo fora as cinco páginas que escrevi. Não posso mais fazer isso." 

Mas Roth não parou por completo de escrever. Está redigindo um romance curto em colaboração, via e-mail, com a filha de oito anos de idade de uma ex-namorada sua. E vem escrevendo anotações e memorandos extensos para seu biógrafo. 

"Agora trabalho para Blake Bailey. Não paga tão bem", brinca Roth, acrescentando que nunca antes foi tão franco com alguém. 

"Blake tirou o peso de minhas costas. Não sou mais responsável por garimpar minha vida. Precisava dela como plataforma de lançamento para minha ficção. Tenho de ter algo sólido sob meus pés quando escrevo. Eu pulo da plataforma de mergulho e caio na água da ficção. Mas tenho que começar pela vida, para que a possa injetar na ficção, o tempo todo." 

As anotações que Roth vem preparando enchem caixas, disse Bailey. "São eloquentes e abrangentes", acrescentou o biógrafo, "mas são tantas que vou levar anos até conseguir ler algumas delas". 

Há uma coisa que Roth quer esclarecer: vivem lhe atribuindo a declaração de que o romance está morrendo. "Não acredito que o romance esteja morrendo", insiste. "Eu disse que a base de leitores está morrendo. É um fato, e venho dizendo isso há 15 anos. Falei que a tela mataria o leitor, e matou. Primeiro a tela do cinema, a da TV; agora, o golpe de misericórdia: a tela do computador." 

Ao mesmo tempo, contudo, continuam a ser escritos grandes livros. "Ed Doctorow", diz Roth, começando a fazer uma lista de alguns escritores que admira. "Don DeLillo. E agora esse sujeito Denis Johnson -dinamite. Franzen -dinamite. Erdrich -uma potência. E há outros 20 escritores jovens que são muito, muito bons." 

Roth continua: "Para que precisaríamos ter mais leitores? Os números não significam nada. Os livros significam alguma coisa." 

Começa a escurecer. Roth se levanta, atravessa a sala sem sapatos e acende a luz. 
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Reportagem por  CHARLES MCGRATHDO “NEW YORK TIMES”
*Todos os livros citados neste texto saíram no Brasil pela Companhia das Letras 
 Tradução de CLARA ALLAIN
Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/79685-philip-roth-conta-como-e-quotestar-livrequot.shtml

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