domingo, 24 de fevereiro de 2013

O discurso dá lugar ao verso

 

Ao lançar um livro de poemas, o vice-presidente da República, Michel Temer, expõe face inspirada de políticos que escrevem

“Serei eu no espelho / Ou serei aquele / Que a minha mente exibe?”

Os versos que abrem o poema Engano explicam um pouco as motivações do vice-presidente Michel Temer ao surpreender os brasileiros com um livro de poesia. Ao demonstrar que por trás daquele terno bate um coração, Temer toma a frente de colegas que também trocam o discurso pelo verso nas horas vagas.

Com o lançamento de Anônima Intimidade (Topbooks, 2012), Temer admite o desejo de desvencilhar-se da imagem “metálica” de sua persona pública. Os poemas ­– via de regra, breves e de temas leves – são um aparato de centenas de guardanapos e outros papeizinhos escritos na ponte aérea Brasília-São Paulo. “Cada escrito representava o meu interior se exteriorizando. E me davam a sensação de retorno aos meus 15, 16 anos, época em que sonhava ser escritor. A vida encaminhou-me para outros destinos”, diz o vice-presidente no prefácio.

Temer deixa clara a barreira entre o político e o poeta. “Qualquer semelhança comigo ou com terceiros é mera coincidência”, avisa na página 20. Distinção semelhante faz a deputada federal Manuela D’Ávila (PC do B), que desde 2008 declama no blog Bola de Meia, Bola de Gude. O espaço começou como um híbrido de reflexões e poesia. Hoje, é praticamente dedicado a poemas, escritos diretamente no teclado do iPhone de Manuela e publicados em tempo real no blog. O que explica algumas letras trocadas e o horário aleatório das postagens.

– Três da tarde, entra um poema e o pessoal diz: ‘Renan lá na tribuna e a Manuela em casa fazendo poesia’. Não é nada disso. Escrevo entre um compromisso e outro, viajando, deitada na cama. A hora que for... – explica a deputada.

É um hábito desde os oito anos. O primeiro deles, O Quadro (e que Manuela não declama nem sob intimação de CPI), está emoldurado na casa da mãe. Os temas “não necessariamente” têm relação com o momento da vida da deputada. Fica para o leitor interpretar, por exemplo, se os versos de Fantasmas (“Exorcizo fantasmas / Choro 2012. / Os vejo sair / Escolhas erradas / Caminhos tortos”) têm alguma relação com as eleições municipais. Manuela alerta que seguidamente a associação é descabida:

– Tem gente que lê e acha que é sobre mim. Ou sobre quem está lendo. Já estou acostumada. E dou graças a Deus de nunca ter tido vontade de escrever nada erótico – se diverte Manuela.

A referência é aos poemas do governador Tarso Genro, que, poeta na juventude, fez a festa de comentaristas irônicos com versos impróprios para qualquer tribuna.

Para Paim, poesia mudou eleição

Se até aqui política e poesia não se misturam, é o senador Paulo Paim (PT) quem une as duas coisas. Idosos, deficientes físicos, líderes do movimento negro, salário mínimo... Estas e outras bandeiras deram vazão a mais de 20 livros de poesia, publicados por meio da cota do Senado e distribuídos gratuitamente a cada Feira do Livro de Porto Alegre. Constantemente, ele os declama no plenário.

– Este que tu tens na mão (Cumplicidade, de 2004), já declamei quase todo na tribuna. Os autos do Senado já publicaram quase toda a minha obra – brinca Paim.

Pode parecer exagero, mas, para Paim, um poema teve papel fundamental na sua reeleição em 2010. Certo dia, amuado pela pesquisa que o apontava em quarto lugar para as duas vagas em disputa, Paim puxou um papel e começou a versar Onde eu errei.

– ‘Será que eu errei ao lutar pelo salário mínimo?’ E fui listando aquilo tudo, indignado. Ao final, vi o resultado, me emocionei, e achei que deveria ler no horário eleitoral. Um dia, o Pedro Simon me disse: ‘Sabe onde tu viraste aquela eleição? Foi naquele programa!’ – conta Paim, que terminaria em primeiro lugar.
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Fonte: ZH on line, 24/02/2013

caue.fonseca@gruporbs.com.brCAUE FONSECA | Brasília
TE LEVO COMIGO
(de Manuela D’Ávila)
Te levo comigo,
Em silêncios maiores do que os habituais,
No perfume que deixei de usar,
no salto a inaugurar.
Te levo comigo,
Na sensação de que não basta fazer tudo.
Se há quem prefira o nada.
Te levo comigo
Na coragem
saltei de paraquedas:
de minha vida para o chão,
caí de cara.
Te levo comigo na cicatriz.
COMENTÁRIO DO PROFESSOR FISCHER
“Parece um texto confessional, de desabafo, sem maior elaboração. Lembra aqueles poemas que qualquer um escreve aos 15 anos, com a mesma verdade e a mesma intranscendência do poema de 15 anos de qualquer um.”
IDOSO
(de Paulo Paim)
O idoso vive no futuro de cada um de nós
O idoso sorri, brinca, chora, respira e adormece,
e, tal qual a natureza, desperta.
O idoso sonha em cada novo amanhecer.
Sonha com os frutos que plantou
e com a realidade que vai colher.
Sonha com o que pode ainda realizar
pois está vivo, e a cada novo sol
há um ideal a comunicar,
uma experiência a espalhar.
COMENTÁRIO DO PROFESSOR FISCHER
“Faz crônica de tipo pensamentoso, edificante, moralista. As imagens são não apenas gastas, mas mecânicas mesmo. E o poema não faz qualquer força para tirar a linguagem de seus encaixes triviais, cotidianos.”
ENGANO
(de Michel Temer)
Serei eu no espelho
Ou serei aquele
Que a minha mente exibe?
Haverá coincidência
Entre a imagem no espelho
E eu próprio?
Na foto,
A desconformidade.
Não sou, nela,
Aquele que vejo
No espelho.
COMENTÁRIO DO PROFESSOR FISCHER
“O tema aqui é ‘mal secreto’ que os parnasianos tanto abordaram, dando um depoimento da hipocrisia burguesa e tal. Mas sem força, sem capacidade de mover o leitor minimamente, porque não tem uma faísca sequer de linguagem viva.”
O avaliador
Convidado por ZH, o professor de Literatura da UFRGS Luís Augusto Fischer avaliou poemas dos três políticos sem saber quem eles eram. Fischer é categórico:
– A julgar pela amostra, diria que, com toda a certeza, eu não teria o menor interesse de ler um livro desses poetas.
No entanto, faz questão de salientar:
– Não quer dizer que os poetas sejam más pessoas, ou que pessoalmente não possam ter atrativos intelectuais, mas sim que esses poemas são formas muito singelas, incapazes de ultrapassar a barreira do desabafo, legítimo pessoalmente, mas irrelevante socialmente.

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