quinta-feira, 14 de março de 2013

O colapso das ideologias

Paulo Rosenbaum*
 
O que é ser de esquerda? De acordo com o American Heritage, “grupo ou pessoas que pregam objetivos ou metas políticas igualitárias através da reforma ou por meios revolucionários”. Que beleza e que alívio se as definições enciclopédicas ainda tivessem algum paralelo na vida prática! Sem perder tempo com a estagnação da direita, agora a pergunta poderia se deslocar para “o que consiste a esquerda, hoje?” 

No glossário impertinente significaria que “as metas ou objetivos igualitários” seria a primeira avaria terminológica. Já seria uma importante ruptura entre o conceito e o mundo político prático. 

Venho de uma época onde, para além das definições acima aludidas, ser de esquerda também significava aspiração por liberdade, renovação e especialmente, paz e luta contra a opressão. O que muitos de minha geração esperavam era que o pensamento conservador e o estado estável que ele sempre representou pudesse ceder para enfim vivermos dias novos. Apesar de todas as promessas eles nunca chegaram.  

Os regimes políticos que usaram Marx como base teórica de seu pensamento e ideologia, rapidamente deram sinais de que seriam sistemas tão opressivos, incoerentes e espiritualmente fracos quanto os governos conservadores que, em tese, vieram para substituir. 

 O uso do manto das lutas sociais se tornou um slogan fútil. Quase a antítese absoluta do que o romantismo original preconizava. O oposto ao movimento libertário que deu origem à caminhada dos revolucionários. A esquerda se reergueu na luta pelas liberdades civis e, mesmo com uma renovação fugaz, foi, ao seu modo, eficiente, especialmente sob a contracultura. E ainda teve uma extensão grátis com os desdobramentos da cultura hippie, a luta contra a opressão das minorias e até o reconhecimento dos direitos humanos e das mulheres. 

Mas isso já faz 40 anos. Desde lá temos observado, passivos, a corrosão das liberdades individuais. A queda do Muro, a formação da União Europeia e a revolução promovida pela comunicação e informática, todos eventos que, teoricamente, teriam sido passos importantes para a promoção do bem-estar coletivo. Mas as ilusões se desmancham. Muitos avanços sucumbiram às agressões terroristas (alguém se lembra o que era pegar um avião antes do 11 de Setembro?) e setenta anos depois do fim da II Guerra Mundial temos conflitos — potenciais e reais — espalhados em quase todas as latitudes. 

No continente africano, tribalismos e fundamentalismos, os mesmos das guerras regionais do Oriente Médio, a insanidade imperial da Coreia do Norte, teocracias autor-referentes e arrivistas que ganharam poder na América Latina. Nosso mundo assiste impotente (ou positivo operante?) à formação de conflitos graves no clima de acirramento e chamamento ao conflito. Não mais de classes sociais, mas de culturas. Não é difícil enxergar o perfil sombrio que geralmente emulam as guerras civis. O resultado palpável é que virou missão impossível fazer distinções claras e precisas dentro de tantas saladas ideológicas. A incoerência é a tônica e indica que há um colapso das ideologias. 

A parte cheia do copo poderia vir dos avanços sociais. Da diminuição das desigualdades e do respeito pelas minorias. Mas infelizmente até essa metade tem evaporado. O esforço feito por quem governa tem sido para manter e concentrar mais poder. Com raras exceções predomina o desrespeito pelas minorias, e a xenofobia ganha ares dramáticos na Europa. Sobretudo, vivenciamos uma brutal e pouco crível incapacidade administrativa mundial.
Claro que ela é diretamente proporcional ao abandono de critérios técnicos e de competência pelo apadrinhamento político e benesses da burocracia da máquina para convidados vip. Tecnicamente falando, não vivemos nem em pleno estado de direito. Então, onde foram parar as forças da renovação? Ouve-se por aí que a esquerda cresceu e tornou-se pragmática. Quem acompanha de perto sabe que o nome da metamorfose é bem outro, enquanto uma emergente sociedade de castas e privilégios desponta. 

A atual crise econômica com pinta de recessão mundial revela que o capitalismo acionário deu suas mãos ao capitalismo de Estado, causando boa parte dos problemas. O papel dos Estados seria o de encontrar saídas para as crises, mas uma vez que os governos têm interesses endógenos, o caminho até a solução deverá ser postergado até que as pessoas percebam que o poder não tem mais respostas para dar.
Talvez nem tenhamos mais perguntas para fazer.
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*Médico e escritor 
Fonte: http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2013/03/14/o-colapso-das-ideologias/
Imagem da Internet

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