sexta-feira, 22 de março de 2013

Quem é o pobre?

 Cecílio Elias Netto*
 
Por mil razões, de minha parte, acautelo-me quando se fala de ricos e de pobres, de riqueza e de pobreza. Quem é quem? O que é o quê? A riqueza pode ser uma miséria. E a pobreza, uma riqueza. Ambas, no entanto, se contrapõem quando as formas de avaliação são capengas. Numa sociedade mercantilista, a riqueza será sempre um bem. E a pobreza, um mal. Logo, ricos são os felizes, E infelizes, os pobres. Num mosteiro franciscano ou budista, a pobreza é um bem. E a riqueza, mal a ser evitado.

Não há governante no mundo — com exceção, talvez, dos republicanos dos Estados Unidos — que se não ponha em defesa dos pobres. Organizações internacionais estudam a pobreza no mundo, alarmando-se com o que constatam: é um mundo de maioria humana formada por miseráveis. Continentes inteiros estão imersos nessa miséria humana, contrastando com a exuberância, o luxo, o desperdício de poucos outros países e grupos que dominam a Terra. Enquanto isso, os Estados Unidos gastaram dois trilhões — sim, trilhões! — de dólares na invasão do Iraque, por motivos apenas de interesses econômicos. Há dinheiro para guerras. Não há para debelar a miséria.

Na Israel bíblica, das primeiras comunidades judaicas, a pobreza era um escândalo. Não porque havia pobres, mas por ser inimaginável que eles existissem numa sociedade unida organicamente como um todo, a partir de valores e crenças comuns. Se pobres houvesse, seria porque a sociedade fraterna e solidária fracassara.

Nem pobreza nem riqueza podem ser concebidas como conceitos abstratos, que tenham o mesmo valor sempre e em todo o lugar. Numa sociedade de miseráveis, quem tem um prato de comida é rico. E, numa outra — em que o nível social seja elevado — pobre é aquele que tem bens modestos. O que, no entanto, continua a ser um escândalo — dos que fazem pedras clamarem aos céus — é a pobreza extrema, a miséria, que não tem acesso ao mínimo indispensável à vida. É esta que conduz à morte. Há, pois, limites para que tenhamos um conceito único de pobreza, no tempo e no espaço.

Desde Lula e continuando com a presidente Dilma, o Brasil tem ouvido falar da extinção da pobreza. São — dizem os governantes — milhões de brasileiros que saíram da pobreza. Na realidade, eles apenas passaram a ser consumidores, novos participantes do banquete de uma economia selvagem. Deixam de ser pobres, tornam-se consumidores, mas não se tem, ainda, a certeza de que se tornaram cidadãos, no pleno exercício de sua dignidade humana e civil. Se pobreza e riqueza forem medidas e conceituadas apenas pela posse de bens materiais, as premissas estão equivocadas. Pois o ser humano é mais do que um simples ator econômico.

Agora, com o Papa Francisco, a Igreja Católica retoma o seu discurso que — apesar de esquecido em muitos intervalos — a acompanha desde as suas origens: a atenção especial à pobreza. Tal qual o primitivo Israel — povo unido pela esperança do Messias — o cristianismo surge de uma unidade — “tornados um em Cristo” — que não suportava existisse, na comunidade, alguém passando necessidades materiais. Ao mesmo tempo, porém, a pobreza cristã é um bem, um propósito, um objetivo — pois o que se almeja é o Reino dos Céus. A crença num Cristo crucificado e ressuscitado permite sentir e suportar a pobreza como uma plena riqueza. Diz Paulo: “Somos pobres, mas enriquecendo a muitos; somos gente que nada tem, mas possuímos tudo.”

O Reino de Deus, porém, é questão de fé e uma abstração. Ao passo que a humanidade vive no tempo e no espaço, num reino feito — especialmente nos últimos séculos — de crueldades, perversões, injustiças, desumanidades. A pobreza extrema resulta do brutal materialismo que ignora a noção de justiça social, de direitos humanos, de solidariedade. As estruturas é que estão corrompidas. E, por isso — mais do que preferenciar os pobres — dever-se-ia, penso eu, tentar humanizar as estruturas, os poderosos, os donos do poder.

O mundo está miseravelmente desumano. Nele, estamos todos pobres. E os mais pobres e infelizes são, no fundo, aqueles que, tudo possuindo, vivem no vazio e com a morte na alma. Estes deveriam ser os alvos preferenciais da evangelização. Afinal de contas, é lição dos próprios padres da Igreja que “nem a pobreza nem a riqueza são em si algo de bom, mas tudo depende de nossa intenção.” E “nem todos os pobres são bem-aventurados. Porque a pobreza é um conceito indeterminado. Os pobres podem ser bons e maus.”

Logo, conclua-se que “nem todos os ricos são mal-aventurados. Porque a riqueza é um conceito indeterminado.Os ricos podem ser bons e maus.” Continuamos, pois, navegando nas mesmas águas cada vez mais turbulentas de sempre.
----------------
 * Cecílio Elias Netto, nasceu em 24 de junho de 1940, é jornalista e escritor. Com dezoito anos já estudava alemão, francês, inglês, espanhol e italiano, sempre visando a diplomacia que exigia um grande domínio de línguas estrangeiras. Mesmo estudando para direito, o trabalho como jornalista começou cedo, aos 16 anos, como auxiliar de revisor no “Jornal de Piracicaba”.  É autor do livro  'Arco, Tarco, Verva',  volume 1 e 2.
Fonte: Correio Popular on line, 21/03/2013
Imagem da Internet 

Nenhum comentário:

Postar um comentário