domingo, 21 de abril de 2013

A traição consentida de Simone

Cultura_livro.jpg

Biografia romanceada narra a paixão da filósofa Simone de Beauvoir por um escritor americano, sob total aprovação do marido, Jean-Paul Sartre. ela queria apenas ser amada e submissa

Aina Pinto 
 
Uma mulher pedante, preocupada com esmaltes e batons, apavorada com o envelhecimento e ciumenta a ponto de não suportar a simples menção do nome da amante de seu marido – assim é pintada a musa do existencialismo, a francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), na biografia romanceada “Beauvoir Apaixonada” (Verus), de autoria da jornalista e historiadora Irène Frain. O retrato surpreende porque publicamente Simone sempre se mostrou uma feminista e escreveu uma das bíblias do feminismo, “O Segundo Sexo”. O livro traz ainda mais veneno para macular o mito. A relação amorosa que ela manteve com o filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980), sempre apresentada como revolucionária, na prática não era exatamente assim. Em tese era permitido que um traísse o outro, na boa, desde que as traições fossem reveladas mutuamente. Mas pelo menos um desses casos, a relação que Simone manteve por 17 anos com o escritor americano Nelson Algren, foi explosivo como conta o livro.

CULTURA-ABRE-IE.jpg
INTIMIDADE
Simone de Beauvoir numa foto de Art Shay: ciumenta e vaidosa

Simone conheceu Algren – e caiu de paixão. Algren era autor de “O Homem do Braço de Ferro”, que virou filme de sucesso com Frank Sinatra. Escreveu também “Um Passeio pelo Lado Selvagem”, que inspirou Lou Reed e fez com que se tornasse ídolo de Barack Obama. Na mesma época que Simone o conheceu, Sartre estava apaixonado também por uma americana, a radialista Dolores Vanetti. Simone a odiava e numa crise de histeria a apelidou de “Maldita”. Nas cartas da filósofa para Algren, Dolores é tratada apenas pela inicial, M. Foi essa correspondência que Irène utilizou como fonte, além de anotações pessoais e documentos inéditos. Ela teve acesso a trechos cortados das cartas, publicadas em 1997, que revelam pela primeira vez o lado fútil da filósofa e sua preocupação com a aparência, além do teor do romance que estava experimentando. Como não se conhece a correspondência de Algren, a autora preenche a lacuna com a ficção – tudo mais é real e factual. O primeiro contato entre Simone e Algren se deu em Chicago, em fevereiro de 1947, durante uma turnê de conferências. Ela viajava só e estava irritada com a dedicação de Sartre a Dolores. Nessa altura o par existencialista já mantinha o que chamava de “casamento intelectual”: Simone e Sartre eram companheiros e não faziam sexo havia oito anos. Ambos mentiam ao mundo pregando que é possível ser traído sem brigas e ódios. Na verdade, Simone via Dolores como uma ameaça: a radialista estava se tornando o “amor essencial”, enquanto ela passava aos poucos à condição de “amor contingente” – a classificação foi uma invenção do casal, nada que a MPB já não tenha traduzido como “matriz e filial”.
CULTURA-A-IE-2266.jpg
O AMANTE
Nelson Algren, ídolo de Barack Obama, tinha fama de
sedutor e era frequentador do submundo de Chicago
CULTURA-D-IE.jpg
Esse clima tempestuoso foi revelado à autora por outra fonte inédita: uma caderneta de notas escritas em conjunto por Simone e Algren em suas viagens. Das outras amantes, Simone dizia não ter medo ou ressentimentos, mas de Dolores tinha raiva. Simone havia decidido realizar, ela mesma, um projeto antigo de Sartre – escrever um livro tratando do “lado apodrecido” do capitalismo. Para isso, precisava de um guia que lhe apresentasse o “avesso da América”. Escolheu Chicago, cidade símbolo da industrialização americana, e como parceiro de pesquisa elegeu Algren, um anfitrião que conhecia cada espelunca da região. Na mesma noite em que foram apresentados, ele a levou para casas de strip-tease e bares imundos, frequentados por imigrantes e veteranos da Segunda Guerra Mundial. O próprio escritor lutara na libertação de Paris. Vivia em um bairro polonês e circulava entre prostitutas e drogados que inspiravam seus livros.
CULTURA-B-IE.jpg
RELAÇÃO ABERTA
Simone (acima) vivia uma “união intelectual” com Sartre (abaixo):
eles não compartilhavam o sexo, tinham amantes, não escondiam
um do outro as aventuras amorosas, mas morriam de ciúmes
CULTURA-C-IE-2266.jpg
Com fama de sedutor, Algren não tinha noção de quem era Simone, conhecida pelos íntimos como “Castor”. Ele detestava a exibição erudita das revistas literárias, mas o lado intelectual da francesa não o incomodou – mesmo porque os dois mal podiam se entender, já que ela ouvia com dificuldade o inglês e ele não a compreendia, por causa do forte sotaque francês. O romance registra detalhes nada elegantes, como a ausência de um banheiro na casa do amante. A mistura de aventura, charme decadente e admiração por outra cultura – ­Simone logo reconheceu em Algren um escritor de fibra – transformou a parisiense já balzaquiana em uma adolescente apaixonada. Dizia, sem pudores feministas, que queria ser apenas uma “mulherzinha” – como Sartre se referia às mulheres submissas. Viram-se, espaçadamente, durante três anos, e no auge do romance Algren a pediu em casamento, “instituição burguesa” que ela detestava. Simone preferiu a assexualidade do relacionamento com Sartre, com quem viveu até a morte dele, em 1980. Seis anos depois ela faleceu e foi enterrada na mesma sepultura no cemitério de Montparnasse, em Paris. No dedo médio da mão esquerda, usava um grande anel de prata com motivos tribais, presente de Algren. Agonizante, pediu para ser sepultada com ele.
IEpag103a105Cultura-3.jpg
Fotos: Keystone-France/Gamma-Keystone via Getty Images; CSU Archives/Everett Collection/Glow Images; Roger Viollet/Glow Images
------------
Font:  http://www.istoe.com.br/reportagens/292175_A+TRAICAO+CONSENTIDA+DE+SIMONE 19/04/2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário