sábado, 18 de maio de 2013

A MÁ NOTÍCIA

David Coimbra* 
 
Quando descobri que estava com câncer, desmaiei. Que decepção comigo mesmo, eu que me achava tão forte. Hoje as coisas estão diferentes, e logo você vai entender por quê.

Naquele dia, 8 de março, uma sexta-feira azul e amarela de fim de verão, minha preocupação era uma misteriosa dor no peito que vinha sentindo havia algumas semanas. Os médicos fizeram todo tipo de investigação e não descobriam do que se tratava. Estava tudo bem com o coração, tudo bem com os pulmões, mas a dor aumentava a cada dia, até se tornar quase insuportável.

Então, um dos médicos da Santa Casa resolveu pedir uma tomografia. Você já fez tomografia? Eu nunca havia feito, e por isso me sentia meio apreensivo. Mas é uma barbada. Você não precisa fazer nada, só ficar bem quietinho. Sou muito bom em não fazer nada. Logo, minha tomografia foi um sucesso, em termos de eficiência. Os médicos de imediato viram o que tinham de ver. E ficaram desconfiados. Pediram que eu fizesse um contraste e que repetisse a tomografia.

O contraste é um líquido que eles injetam na sua veia. De ruim, tem a picada da injeção, mas também não é caso para drama. Bem, lá fui eu para nova tomografia. Ao cabo da qual, o médico se aproximou e perguntou:

– Você dá autorização para novo contraste e uma tomografia no abdômen?

Nesse momento, estremeci. Tomografia no abdômen? Por que, se a dor que sentia se localizava no peito? Algo devia estar errado.

Algo estava errado.

Quando saí debaixo do aparelho, perguntei ao médico:

– Por que a tomografia no abdômen?

Ele respondeu:

– Vou mostrar.

Levou-me para outra sala, onde havia alguns computadores. Apontou para uma tela e indicou:

– Esses são os seus rins.

Então, vi.

Vi.

Um rim tinha o dobro do tamanho do outro, e o rim grande tinha uma área escura no centro, uma mancha que lhe tomava quase todo o território. Arregalei os olhos e constatei, em voz baixa:

– É câncer...

Os médicos e técnicos em volta tentaram ser otimistas.

– É preciso fazer mais testes – disse um deles.

Mas eu sabia que era câncer. Não precisava ser médico para perceber o óbvio.

Fui levado até uma cadeirinha para me recompor da fraqueza dos contrastes e do jejum. Sentei-me, ainda com o tubo do contraste na veia da mão direita. Aí a certeza do que se passava comigo me assaltou. E comecei a me sentir mal. Não por medo da morte. Não tenho medo de morrer. Sério. Tenho medo da forma de morrer. Porque todos vamos morrer, até prova em contrário. E existem basicamente duas maneiras de, digamos, passamento: doença ou acidente. Por acidente refiro-me à morte matada: facada de marido traído, tiro na III Guerra Mundial, atropelamento por Rolls Royce, o cofre que cai do oitavo andar, um raio enviado pelo Todo-Poderoso. Quanto à doença, ela pode ser de dois tipos: a de desfecho rápido, como um infarto condescendente, ou o que a minha avó chamava de “doença ruim”, aquela que consome a vítimas aos poucos, fazendo-a esvair-se em dores. É dessa que tenho medo. Foi do que tive medo no fim da manhã de 8 de março de 2013. Em um segundo, me vi retalhado numa cama de hospital, justo eu que nunca fora internado, que nunca ficara doente, que nunca quebrara um osso, que nem gripe pegava. E a minha pressão foi baixando e baixando e desfaleci. Acordei cercado de enfermeiras, já tomando soro, deitado numa maca, confuso e envergonhado.

Hoje seria diferente.

Na próxima crônica conto por quê.
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* Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 18/05/2013
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