sábado, 18 de maio de 2013

Revolução sem simplificações

 
ENTREVISTA HANS-THIES LEHMANN PESQUISADOR

Um dos mais influentes teóricos do teatro, o alemão Hans-Thies Lehmann publicou, em 1999, o livro Teatro Pós-Dramático, lançado no Brasil em 2007 pela editora Cosac Naify. Na obra, o professor da Universidade Johann Wolfgang Goethe, em Frankfurt, analisa o trabalho de diretores, dramaturgos e grupos, entre 1960 e 1990, enquadrando-os em um momento no qual o texto deixa de ser o centro da encenação – o espetáculo se dá em diálogo com outras linguagens, como dança, artes visuais e performance. Lehmann também tem publicado no Brasil o livro Escritura Política no Texto Teatral (editora Perspectiva). Presidente da International Brecht Society, ele é um dos destaques do 14º simpósio da instituição, que ocorre em Porto Alegre entre 20 e 23 de maio. Ele concedeu a seguinte entrevista por e-mail:

Zero Hora – Além de dramaturgo e poeta, Brecht foi um dos maiores teóricos do teatro no século 20. O senhor acha que a teoria de Brecht ainda mantém o frescor que tinha em seu tempo?

Hans-Thies Lehmann – Fico feliz que você tenha mencionado o Brecht poeta. Como grande poeta, ele escreveu textos que contêm por trás da superfície muitas vezes enganosamente simples uma complexidade, uma densidade e uma ambiguidade frequentemente insondáveis. Será tarefa de gerações liberar seus textos de simplificações ortodoxas, muitas vezes politicamente bem-intencionadas. Devemos distinguir três aspectos de sua teoria: primeiro, a virada “copernicana” com que ele nos ensinou a pensar no teatro não como representação (que, naturalmente, pode ocorrer), mas como uma reunião pública e uma situação específica que permite a criação de um “espaço de reflexão” comum a artistas e público. Essa ideia de um teatro onde não esquecemos que estamos no teatro é hoje tão nova e relevante como era naquele tempo – talvez mais ainda, em uma época na qual o teatro está cercado pela presença maciça do entretenimento. O segundo aspecto é o conceito de “teatro épico” que ele contrapõe ao “teatro dramático”. Este conceito parece ser mais datado historicamente: 1) estratégias épicas e de distanciamento podem ser encontradas em toda parte, sem os efeitos politicamente esclarecedores que Brecht esperava alcançar com eles. 2) Brecht chamava de “teatro dramático” todo o teatro antes dele – hoje temos uma clara consciência de que esse teatro “dramático” era apenas o sistema principal desde a Renascença, e mais ainda no teatro “pio” naturalista e passivo que Brecht detestava. O terceiro aspecto, e uma ideia ainda a ser realizada, é o modelo de “peças de aprendizado”: um conceito definindo teatro não como entretenimento e não como peça didática, mas uma possibilidade de aprendizado para aqueles que o praticam. Teatro “sem plateia” como uma forma diferente de pensar no teatro, não como a ideia absurda de peças para casas vazias.

ZH – Como se deve encenar peças de Brecht nos dias de hoje? Devemos montá-las de forma “brechtiana”, ou encená-las de outras maneiras?

Lehmann – Brecht era um homem de teatro que sabia que o teatro é uma realidade intimamente conectada com seu tempo, com o ar que respiramos em um dado momento. Ele não aprovaria a “aplicação” dócil em outro século de sua própria maneira de encenar. Em face das numerosas restrições impostas pelo trabalho com o texto de Brecht hoje, é imperativo concentrar-se no material textual ressaltando não a “mensagem” que parece estar lá, mas os enigmas e as ambiguidades. Um Brecht espetacular não é Brecht, no fim das contas. E para os jovens: aguardem o ano 2026, quando Brecht estará livre (em domínio público).

ZH – O senhor escreveu o estudo Escritura Política no Texto Teatral, publicado no Brasil. Como o teatro pode realizar mudanças sociais e políticas na sociedade, uma vez que não é uma mídia de massa? Quer dizer: como pode mudar nossas vidas?

Lehmann – Não sei. O teatro, como toda arte, não muda diretamente a sociedade ou a nossa vida. Ele reflete suas contradições e aumenta a consciência crítica.

ZH – O teatro pós-dramático foi tema de um de seus livros. Muitas coisas mudaram no panorama teatral desde a primeira edição dessa obra, em 1999. Ainda se pode chamar o teatro contemporâneo de “pós-dramático”?

Lehmann – O termo “pós-dramático” tem um significado mais estrito como um termo geral para descrever a maior parte das obras teatrais experimentais entre os anos 1960 e os anos 1990, e tem um quadro mais amplo de referência apontando para o domínio do teatro dramático em um período relativamente limitado de tempo e espaço (Europa até Renascimento). Estou certo de que haverá novas formas e estratégias de prática do teatro para além daquelas que eu tinha diante de mim ao escrever o livro. Em um sentido mais amplo, duvido que haverá um retorno do “teatro dramático”, que é essencialmente vinculado a um número de noções ideológicas, midiáticas, artísticas e filosóficas que já deixamos para trás.



Brecht entre nós:um prazer

JOÃO PEDRO ALCANTARA*

Nós, espectadores e criadores de artes cênicas da cidade, vivemos montagens memoráveis de Brecht. Diretores, atores e atrizes já encenaram seus textos e construíram seus personagens com intensa sensibilidade. A partir de sua dramaturgia, concepções teatrais, musicais e performáticas invadiram nossos palcos, ruas e espaços alternativos. São inesquecíveis as montagens de Luiz Paulo Vasconcellos, que inaugurou a atual Sala Alziro Azevedo do Departamento de Arte Dramática, do Instituto de Artes da UFRGS, com Ópera dos Três Vinténs; de Maria Helena Lopes, que colocou em cena os principais temas propostos em suas peças; de Irene Brietzke para O Casamento do Pequeno Burguês, Salão Grená e Um Homem é um Homem. Dilmar Messias reuniu em Faça-se a Luz para o Esclarecimento do Povo os pequenos textos O Filhote de Elefante e Luz nas Trevas. Sandra Dani e Mirna Spritzer tiveram atuações destacadas em vários destes espetáculos. Só para citar alguns exemplos.

Bertolt Brecht (1898 – 1956): dramaturgo alemão foi
 também um teórico que mudou a própria concepção do fazer teatral

O público porto-alegrense se divertiu, refletiu e foi afetado por falas, composições e conflitos contidos no vasto repertório brechtiano. Filmes, como Anahy de las Misiones, do nosso saudoso Sérgio Silva, foram baseados em seus enredos. Filósofos, sociólogos e cientistas daqui realizaram estudos e citaram suas ideias em inúmeras produções intelectuais.

Mas qual foi a marca que Brecht deixou como rica herança para os palcos e o pensamento artístico de nossa época? Dessacralizando o ator, quebrando a quarta parede, da qual provém a ilusão do palco existir sem o público, Brecht propôs uma nova forma de representar, na qual o ator nunca deixa de ser ele próprio. Com a criação do Verfremdungseffekt, o efeito de distanciamento ou estranhamento, a atuação, além da empatia, deve provocar uma reflexão crítica. Em cena, o ator jamais chega a metamorfosear-se inteiramente no personagem. O ator não é Édipo, nem Lear, nem Arpagão, antes, os apresenta. Reconstrói suas falas com a maior autenticidade possível, procura representar sua conduta com tanta perfeição quanto a sua experiência humana permite, mas não tenta persuadir-se (e, desta forma, persuadir a plateia) de que se transformou nos personagens.

E pela primeira vez em Porto Alegre, teremos oportunidade de apreciar espetáculos inéditos, compartilhar oficinas e discutir questões de pesquisa inspiradas no trabalho do dramaturgo alemão, em simpósio que tem como tema O Espectador Criativo: Colisão e Diálogo. É um  prazer enorme  repercutir esta história, cheia de palavras e movimentos, significando tudo o que existe de melhor para transformar o ser humano e a sociedade.

JOÃO PEDRO ALCANTARA* | *Coordenador do PPG em Artes Cênicas do Instituto de Artes da UFRGS
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Reportagem POR FÁBIO PRIKLADNICKI
Fonte: ZH on line. 18/05/2013

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