domingo, 23 de junho de 2013

O poeta da revolução

Tamim al Barghouti e o hino da praça Tahrir 
RESUMO Convidado da Flip, o poeta palestino Tamim al Barghouti, 35, fez a versão local do grito de guerra "vem pra rua" nos protestos que tomaram a praça Tahrir, no Cairo, em 2011, alertando: "Todo mundo que ficar em casa estará em perigo". Seu poema "Oh, Egito, Está Perto" virou hino da Primavera Árabe no Egito. 

Se no brasil a voz das ruas adaptou o jingle de uma montadora de automóveis --o hoje inconfundível "Vem pra Rua", gravado para a Fiat por Falcão, vocalista do grupo O Rappa--, as manifestações que tomaram o Egito no início da Primavera Árabe, em janeiro de 2011, encontraram inspiração mais nobre dentro da escala de elaboração artística. 

O hino que jovens entoaram por dias a fio na praça Tahrir, no Cairo, surgiu como poesia pelas mãos do escritor e cientista político palestino Tamim al Barghouti, 35. 

"Oh, Egito, Está Perto", poemeto de sete versos, foi escrito sob o impacto imediato do início dos protestos, no dia 25 daquele mês de janeiro. Defendia que "um tirano só existe na imaginação de seus súditos" e que "todo mundo que ficar em casa estará em perigo". 

Exibido dois dias depois numa tela feita com lençóis por manifestantes, apareceu na rede Al Jazeera, que logo seria banida pelas autoridades egípcias, devido à cobertura dos eventos. Um jovem músico local, Mustafa Said, decorou os versos e os transformou em canção (ouça em bit.ly/itsclose). 

No quarto dia, o Exército já não podia impor o toque de recolher, com os manifestantes chegando à casa dos 20 milhões."O dia 28 foi a data em que o regime praticamente caiu, e o poema, transmitido um dia antes, dizia que isso ia acontecer", lembra, por e-mail, o poeta à Folha. "Foi algo surpreendente." 

Barghouti foi anunciado em abril como convidado da Festa Literária Internacional de Paraty, que começa no próximo dia 3. Desembarcará num país diferente daquele que o convidou --dados os últimos acontecimentos, sua experiência não soa mais tão estrangeira em território nacional. 

"O aspecto mais magnífico e o mais exaustivo dessa revolução é que não possui líderes", diz, sobre os protestos no Egito, embora pudesse estar falando dos nossos. "Portanto, não pode ser derrotada, mas também não pode governar. Não podemos dizer esse é o nosso líder', fazer-lhe presidente, mas podemos dizer: Aqui estamos, aos milhões. Quem for presidente terá de responder a nós. Poderemos decidir, se necessário, nas ruas." 

Não tem sido tão fácil por lá, é verdade. Eleito democraticamente há um ano, o islamita Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana, enfrenta o mesmo tipo de fúria que derrubou seu antecessor, o ditador Hosni Mubarak, após duas décadas no poder. A frágil economia do país e a nova sensação de força popular fizeram com que as pessoas nunca deixassem de protestar. 

Barghouti, pelo menos, pôde voltar ao país. Ele tinha sido banido pelo governo de Mubarak e vivia nos EUA em 2011, no início dos protestos. Hoje, mora no Cairo, onde atua como consultor da ONU.
Acha difícil comparar a situação no Oriente Médio com a de outros países nos quais a população também foi às ruas nos últimos anos. 

"Nossa história tem a ver com a sobrevivência a uma hegemonia americana e israelense, que nos custou centenas de milhares de vidas nas mãos de fantoches como Mubarak. Em outras partes do mundo, de onde a mão pesada do americano neocolonialista saiu ou onde nunca esteve, os protestos parecem ser contra o capitalismo neoliberal e a brutalidade policial que o acompanha. Um sinal de que era prematuro o triunfalismo sentido por empresas e governos ocidentais ao fim da Guerra Fria." 

LINHAGEM Quase nada conhecido no Brasil, Tamim al Barghouti é filho do celebrado poeta Mourid Barghouti, que esteve na Flip em 2006, por ocasião do lançamento do livro de memórias "Eu Vi Ramallah" (Casa da Palavra). A mãe, Radwa Ashour, é romancista premiada e professora universitária. 

A ligação familiar com a literatura o levou a se envolver cedo com a escrita. O primeiro livro de poemas saiu em 1999, mesmo ano em que se formou em ciências políticas na Universidade do Cairo.
São duas atividades, para ele, relacionadas. "Poesia é a forma mais eficiente de expressão. Por ser uma forma intensa do idioma, em geral reflete a relação mais política entre o indivíduo e o coletivo, além da ainda mais política relação entre o coletivo e o mundo." 

Antes de "Oh, Egito, Está Perto" conquistar adeptos, Barghouti já tinha alcançado fama local com outro poema, "Em Jerusalém". Sua declamação num programa de TV agradou ao ponto de os versos virarem toques de celular no Egito. 

Ele prefere creditar esse inusitado efeito sobre o público como resultado da histórica ligação da cultura árabe com a criação poética. 

"Em tempos ancestrais, um bom verso seria usado pelos árabes como provérbio. Um provérbio é uma afirmação tida como verdadeira. A tendência de transformar versos mais eloquentes em provérbios refletia a crença de que a beleza está na origem da verdade." Assim, se um verso fosse bonito o suficiente, seu significado deveria ser real --e ajudar a mover multidões, como aconteceu no Egito em 2011. 
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Reportagem por RAQUEL COZER
Fonte: Folha on line, 23/06/2013
Imagem Internet

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