sábado, 15 de junho de 2013

Um país mais relevante, mas ainda definido por chavões

Brasil é hoje um tema de grande interesse na imprensa internacional

São abundantes os clichês que desenham o Brasil. Futebol, praia, mulheres bonitas, samba e caipirinha seguem reforçando os ares de felicidade tropical, como contrapeso à sempre numerosa coleção de episódios violentos. Mas novas definições passam a se solidificar no imaginário internacional, renovando a aparência desgastada pelo lugar-comum. A poucas semanas da realização de dois grandes eventos – a Copa das Confederações, que começa hoje, e a Jornada Mundial da Juventude, com a presença do papa Francisco, em julho –, Cultura acompanhou o noticiário sobre o país em 10 dos mais importantes veículos do mundo. Por 20 dias, entre maio e junho, o caderno fez um levantamento das reportagens publicadas. Apresentados aos resultados da amostragem, especialistas destacaram dois aspectos: a perpetuação dos chavões, simplificações que se atrelam à imagem de qualquer povo ou nação, e a maior relevância conquistada pelo Brasil, encaixando-se entre os mais potentes países na política e na economia. Estar em evidência, claro, atrai não apenas observadores complacentes. A partir de um escrutínio mais detido, o Brasil inspira um maior número de críticas.

Tópicos referentes a futebol e economia dominaram as abordagens nas revistas Time (EUA) e The Economist (Grã-Bretanha), nos diários The New York Times e The Wall Street Journal (EUA), Clarín (Argentina), The Guardian (Grã-Bretanha), El País (Espanha), Corriere della Sera (Itália) e Le Monde e na agência de notícias AFP (ambos da França). A convocação da Seleção Brasileira, a transferência do atacante santista Neymar para o Barcelona e os percalços no andamento das obras para a Copa de 2014 tomaram as seções esportivas, e a piora nos índices que atestam o desempenho do país foi o assunto mais presente nas páginas de economia.

Antonio Brasil, professor de jornalismo internacional da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), avaliou a construção da imagem nacional no Exterior em sua pesquisa de pós-doutorado. O estudo se sustentou também na carreira do autor como correspondente, atuando em outros países para veículos brasileiros ou representando organizações estrangeiras no Brasil. Na década de 1970, o carioca participou do início das operações da Rede Globo em Londres, época em que jornalistas esbarravam na censura do regime militar e o Brasil era considerado uma terra exótica e distante. Conhecedor das rotinas além-fronteiras, Antonio destaca o processo que molda as pautas.

– A principal fonte de notícia sobre a imagem do Brasil é a nossa autoimagem. A gente culpa o estrangeiro por dizer que o brasileiro é violento, que não há cuidado em boates onde morrem 200 pessoas, que é perigoso andar de van no Rio porque se pode ser estuprado. Falamos mal de nós mesmos, e eles refletem isso, replicam. Só que quando sai lá fora a gente fica indignado, defensivo – exemplifica.

O sociólogo Hermílio Santos compartilha impressões semelhantes e destaca a presença mais numerosa de jornalistas de outras nacionalidades no Brasil atualmente. Repórteres locais relatam escândalos na política, crimes brutais, subidas e descidas do Produto Interno Bruto (PIB) e da inflação, fatos que alimentam a produção dos colegas estrangeiros baseados aqui.

– A gente tem a imagem dos outros países com seus clichês também. Nossa tendência é simplificar a realidade. A forma mais simplificada, mas também deturpada, de entender a realidade é pelos clichês. A visão do senso comum sobre o estrangeiro é sempre empacotada em clichês – comenta Santos, coordenador do Centro de Análises Econômicas e Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Santos é doutor em Ciência Política pela Freie Universität de Berlim. Quando viajou pela primeira vez à Alemanha, no início dos anos 1980, o retrato do Brasil levado ao público europeu se resumia a alguns temas recorrentes: ditadura, poluição (Cubatão, em São Paulo, era um ícone) e miseráveis se alimentando de lixo. Numa viagem recente, para o mesmo destino, o professor se surpreendeu com o conteúdo de informativos turísticos encontrados em um consulado brasileiro:

– O que você vai ver será, paradoxalmente, um pouco de reforço da imagem que o Brasil acha que não quer ter. Os prospectos ainda são fortemente marcados pelo clichê: música, sexualidade, eventos com mulatas. São coisas da década de 1970 que vi no ano passado.

Mas outra fonte de projeção, a economia estável – “Na segunda metade da década de 1980, só se falava em inflação”, lembra Santos – e bem conectada ao cenário global, permite a disseminação de outro tipo de notícia. Professor de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP), Osvaldo Coggiola explica que, apesar de a situação hoje não ser boa, com um crescimento “pífio” do PIB e a queda do PIB per capita, o Brasil vem se impondo, especialmente na última década.

– O Brasil se tornou um ator econômico relevante no século 21. A imagem dos países se vincula à economia. Quando se fala de um país, se fala da economia – comenta Coggiola.

A imprensa britânica, especificamente, parece muito atenta a essas oscilações de performance e prestígio. Para Marcos Losekann, que prepara a mudança para Brasília depois de 13 anos nos escritórios da Globo em Londres e Jerusalém, há uma rivalidade peculiar entre Brasil e Reino Unido, nascida de dois episódios: a disputa pela mesma posição no ranking de maiores economias do planeta e a escolha da sede da Copa de 2014, quando ambos concorriam à vaga. Os britânicos acabaram descartados, em meio a suspeitas de irregularidades envolvendo os vencedores.

– O Brasil hoje é referência tanto para coisa boa quanto para coisa ruim. Em vez de os jornais buscarem um comparativo, sei lá, no Japão, nos Estados Unidos ou no Chile, hoje é o Brasil. É uma mudança. Em virtude disso, vai levar umas porradinhas. Uma coisa sutil, tirando um sarrinho, uma frase perdida no meio de um artigo, com um certo sarcasmo – conta o jornalista. – Quando o assunto é Copa e Olimpíada e envolve segurança pública, aí eles riem à toa. E os estádios merecem um capítulo à parte. É um escândalo, para eles, estarmos começando a Copa das Confederações, o jogo rolando e alguém lá fora ainda dando uma demão de cal – completa Losekann.

Alex Bellos, correspondente do Guardian no Rio entre 1998 e 2003, enxerga esse mesmo tom crítico, mas pensa que as cobranças são naturais para o anfitrião de um megaevento. Viver aqui inspirou o inglês de Oxford a viajar em busca de curiosidades para Futebol – O Brasil em Campo, livro em que utiliza o esporte para examinar a identidade do povo. Questionado, em entrevista por telefone, sobre quais foram suas coberturas mais importantes durante a temporada de cinco anos, Bellos cita prontamente a rumorosa repercussão do episódio Feitiço de Lisa (2002), de Os Simpsons. No desenho animado, a família amarela criada por Matt Groening viaja ao Brasil em busca de um órfão chamado Ronaldo, espanta-se com macacos pela rua e enfrenta o sequestro de Homer. Autoridades ameaçaram processar o estúdio Fox. Para o jornalista, faltou senso de humor:

– Que absurdo. Foi uma piada, é óbvio.



O Brasil lá fora

Os temas mais frequentes sobre o país, em 10 jornais, revistas e agências de notícias internacionais, coletados ao longo de 20 dias, entre os meses de maio e junho (a revista Time não fez menções relevantes):

FUTEBOL

> Obras para a Copa do Mundo

The Economist: “O Brasil vem construindo alguns dos ‘melhores e mais modernos estádios’ para a Copa do Mundo, orgulhou-se a presidente Dilma Rousseff em seu programa semanal de rádio. É verdade. Mas, quase ao mesmo tempo, parte da cobertura de um deles, em Salvador, caiu devido às fortes chuvas. O incidente é pequeno se comparado com o volume de obras, mas isso ilustra como um começo tardio e prazos não cumpridos transformaram a preparação do país para o torneio em uma corrida dispendiosa contra o relógio.”

Corriere della Sera: “O secretário-geral da Fifa, Jerôme Valcke, lançou um ultimato para as 12 cidades brasileiras que irão sediar a Copa do Mundo em 2014: ‘Se houver atrasos na entrega dos estádios (...) podemos decidir mudar de sede até o próximo dia 1º de agosto, quando os ingressos serão colocados à venda.’”

Seleção Brasileira

The Guardian: “Ronaldinho e Kaká foram omitidos pelo treinador Luiz Felipe Scolari na escalação do Brasil para a Copa das Confederações.”

> Neymar no Barcelona

Clarín: “Na sua apresentação no Camp Nou, com a camiseta do Barcelona, Neymar disse que estava realizando o sonho de criança, o de jogar neste clube. Neymar afirmou, sorrindo, em português, que está contente de jogar com Messi. ‘Vim ajudar para que Messi continue sendo o melhor jogador do mundo por muitos anos’.”

Le Monde: “Neymar da Silva Santos Júnior ou simplesmente Neymar, 21 anos, o topete mais famoso do mundo, finalmente disse ‘sim’ ao Barcelona e sua galáxia de estrelas. O jovem prodígio brasileiro sucumbiu à tentação catalã.”

The New York Times: “Sua chegada foi orquestrada como se ele fosse uma mistura de rock star e chefe de Estado. O objeto de adoração de 21 anos de idade voou do Brasil para fazer a alegria de mais de 50 mil pessoas no estádio Camp Nou.”

POLÍTICA E ECONOMIA

> Índices econômicos

The Economist: “Investidores ficaram confusos com a política econômica do Brasil. Essa incerteza contribuiu para uma performance medíocre: desde 2011, o crescimento tem sido inferior e a inflação, mais alta, em comparação com a maioria dos países latino-americanos.”

Le Monde: “No Brasil, ele é chamado de ‘pibinho’, um produto interno bruto pequeno, um crescimento econômico ridiculamente baixo. Apesar de um forte plano de recuperação elaborado pela presidente Dilma Rousseff, a sétima potência mundial registrou, entre janeiro e março, um crescimento decepcionante de 0,6%, o mesmo nível do trimestre anterior.”

The Wall Street Journal: “O governo brasileiro enfrenta um dilema orçamentário intratável este ano: como alcançar os objetivos de superávit considerando-se o histórico de crescimento estagnado e inflação persistente.”

> Aprovação da MP dos Portos

Clarín: “A presidente entende que reformar os portos ‘é uma prioridade estratégica’ que se enquadra na necessidade de diminuir custos e aumentar a capacidade competitiva das empresas brasileiras. ”

> Visita de Joe Biden

El País: “Diplomatas dos dois países concordam que, fora os vários temas da agenda bilateral, a visita é uma demonstração da importância que Washington quer dar às suas relações com o maior país da América Latina.”

QUESTÕES SOCIAIS

> Casamento gay

AFP: “O Brasil se tornou o terceiro e maior país da América Latina a dar luz verde ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Numa manobra ousada para o país de maioria católica, o Conselho Nacional de Justiça afirmou que os cartórios não podem se recusar a celebrar o casamento civil de casais gays.”

> Violência

The New York Times: “A recente onda de estupros no Rio – alguns captados em vídeo – lançou holofotes sobre as contradições não resolvidas de uma nação que está no caminho para ser potência mundial. O Brasil tem uma mulher como presidente, uma mulher como poderosa comandante da polícia e uma mulher como chefe de sua companhia nacional de petróleo – e, no entanto, foi só após uma americana ser estuprada que as autoridades se envolveram totalmente no caso e suspeitos foram presos.”

El País: “O Brasil é hoje um dos polos da gastronomia da América Latina, e seus cidadãos gostam de frequentar os restaurantes. No entanto, o medo de ter uma arma na cara durante um assalto enquanto se saboreia uma ótima picanha começa a se espalhar entre a população, especialmente nas grandes cidades.”

Clarín: “A favela de Varginha, no Rio de Janeiro, onde o Papa Francisco celebrará uma missa, tem casas que serão alugadas para visitantes que chegarão à cidade para a Jornada Mundial da Juventude, entre 23 e 28 de julho. Ainda que no passado tenha sido conhecida como Faixa de Gaza, por sua periculosidade, a zona está mais segura desde que foi instalada uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), que conseguiu expulsar parte dos traficantes que dominaram a área por várias décadas.”

> Terras indígenas

The Guardian: “Estes são tempos difíceis se você for um habitante indígena da maior democracia da América do Sul. Nunca desde os dias negros da ditadura militar no Brasil, quando os índios foram considerados como ‘obstáculos ao progresso’ e suas terras foram abertas para projetos de desenvolvimento, eles enfrentaram um tal ataque aos seus direitos.”

El País: “A morte no Brasil do índio Osiel Gabriel, da etnia terena, por um policial durante a desocupação da fazenda Buriti, em Sidrolândia, foi o estopim que colocou em pé de guerra as diversas comunidades indígenas do país.”-----------------------------
Reportagem por LARISSA ROSO
Foto:  O Cristo Redentor e, ao fundo, um Maracanã renovado para a Copa das Confederações: eventos esportivos e rumos da economia vêm atraindo a atenção da imprensa estrangeira
Fonte: ZH on line, 15/06/2013

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