terça-feira, 30 de julho de 2013

Re-vo-lu-ci-o-ná-rios

Clóvis Rossi*
 

Mas, atenção, a revolução que o papa pede tem por base o difícil e exigente Evangelho
 
Foi assim, escandindo cada sílaba de "revolucionários", que o papa pediu que cada jovem seja. Revolucionário é uma palavra forte em qualquer contexto. Mas fica agressiva no contexto de um continente, a América Latina, em que o status quo, que o revolucionário deve forçosamente romper, é duro para as maiorias. 

É razoável supor que cada corrente política, ideológica ou eclesial puxará a brasa da palavra papal para a sua sardinha. Como eu não tenho sardinha a vender, prefiro olhar o conjunto da obra do papa no Rio de Janeiro/Aparecida para tentar entender o que ele quer dizer exatamente com essa pregação.
Suspeito que o bom revolucionário desejado pelo papa não usará nem o manual de Adam Smith nem o de Karl Marx. Usará um instrumento ainda mais potente, chamado Evangelho. 

Francisco deixou muito claro que "levar o Evangelho é levar a força de Deus para arrancar e arrasar o mal e a violência; para destruir e demolir as barreiras do egoísmo, da intolerância e do ódio; para edificar um mundo novo". 
 
Mais claro é impossível, certo? 

O grande problema para fazer uma revolução com base no Evangelho é que, no tempo de Jesus, não havia YouTube, não havia redes sociais, não havia nem sequer a mídia convencional para reproduzir fielmente as palavras de Cristo. O que chegou a nós são interpretações feitas pelos evangelistas, por sua vez sujeitas a reinterpretações de teólogos, religiosos e leigos, cada um com seu respectivo viés. 

Seja qual for a interpretação que você prefira, o certo é que a política hoje hegemônica, caracterizada pela idolatria do dinheiro, não é o mundo que o papa gostaria que continuasse, conforme ele deixou claro na entrevista a Gerson Camarotti, das Organizações Globo, difundida na noite de domingo (um belo furo). 

De resto, a encíclica "Rerum Novarum", lançada no remoto ano de 1891, já continha críticas tanto ao capitalismo como ao socialismo. 

Mas a igreja, nesses 122 anos transcorridos, não pôs de pé algum modelo alternativo. E muita gente acha que nem lhe cabe fazê-lo. 

Francisco tampouco deu pistas de qual é a revolução que ele quer que os jovens façam. Basta uma revolução espiritual "para edificar um mundo novo"? Basta cada um seguir rigidamente o exigente Evangelho? Ou é preciso revolucionar também as estruturas que sufocam não apenas os jovens, não apenas os velhos, os dois extremos de que o papa se fez porta-voz? 

Não tenho nem remotamente a pretensão de responder a essas perguntas e, francamente falando, não conheço ninguém que as tenha. 

Não foi o único ponto de interrogação que Francisco deixou em sua visita ao Brasil. Na entrevista à Globo, o papa anunciou para de 1 a 3 de outubro as primeiras respostas da comissão que ele próprio incumbiu de estudar a reforma da Cúria Romana, o coração do Vaticano. Adiantou apenas que algumas coisas que serviram no passado podem não servir hoje em dia. 

Que coisas? Primeiras respostas em outubro, quando se começará a saber se Francisco é ele também um revolucionário. 
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* Jornalista. Escritor. Colunista da Folha.
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crossi@uol.com.br

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