domingo, 22 de setembro de 2013

O ABRAÇO DO AMOR

“Esse livro é diferente de todos os outros”, disse Mestre Benjamin. “Nos outros livros escrevem-se as coisas do Tempo. No livro da Poesia escrevem-se as coisas da Eternidade. Nele se encontram todos os poemas que se escreveram no passado, todos os poemas que estão sendo escritos no presente, todos os poemas que serão escritos no futuro. Os poetas não inventam. Eles são anjos que têm a graça de ler os poemas que estão escritos nesse livro. ”

Mestre Benjamin fez uma pausa, folheou o livro de poesias, parou e começou a ler vagarosamente:

“No mistério do Sem-Fim equilibra-se um planeta.
No planeta, um jardim.
No jardim, um canteiro.
No canteiro, uma violeta.
E na violeta,
Entre o mistério do Sem-Fim e o planeta,
O dia inteiro,
A asa de uma borboleta.”
(Cecília Meireles)

“Vejam. Tudo começa no mistério do ‘Sem-Fim’. E termina na ‘asa de uma borboleta’, no jardim.”
Mestre Benjamin olhou os rostos dos que o ouviam. Seus rostos tinham as marcas do êxtase. Poesia é droga alucinógena. E continuou:

“Um jardim, Paraíso, lugar de delícias... E viu Deus que era muito bom... E Deus, que tinha um rosto de criança, riu de felicidade e disse: ‘Que bom lugar para se morar, eternamente’. E deixando para sempre o céu vazio passou a viver no jardim, brincando à brisa fresca da tarde. Árvores, regatos, flores, pássaros, borboletas, perfumes, cores, sons, nuvens, chuva, frutas: esses eram os brinquedos do Deus criança.

No Paraíso não havia templos porque Deus morava no jardim. No Paraíso ninguém rezava porque a Beleza era uma oração.”

Mestre Benjamin parou de falar. Tomou o livro de Poesias e leu:

“Rezam meus olhos quando contemplo a beleza.

A beleza é a sombra de Deus no mundo.”(Helena Kolody)

Leu e se calou por um longo tempo, observando os rostos das pessoas. Aí passou algumas páginas do livro e disse: “Daqui a muitos séculos vai nascer uma mulher solitária que sabia das coisas de Deus. O seu nome será Emily Dickinson. Ouçam o que ela escreverá:

‘Alguns guardam o Domingo indo à Igreja.
Eu o guardo ficando em casa,
Tendo um Sabiá como cantor,
E um Pomar por Santuário.
Alguns guardam o Domingo em vestes brancas.
Mas eu só uso minhas Asas.
E ao invés do repicar dos sinos na Igreja,
Nosso pássaro canta na palmeira.
É Deus que está pregando, pregador admirável,
E o seu sermão é sempre curto.
Assim, ao invés de chegar ao Céu, só no final,
eu o encontro o tempo todo no quintal.”

Nesse momento mestre Benjamin notou que algumas criancinhas já estavam dormindo no colo de suas mães. Era hora de todos dormirem.

“Amanhã eu conto mais”, ele disse, pondo fim à sessão de estórias.

Todos foram para suas casas e sonharam que as estrelas eram borboletas nas pétalas das violetas do grande jardim do universo...
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* Educador. Escritor. Teólogo.
Fonte: Correio Popular on line, 22/09/2013
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