segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Inteligência ampliada

Sistema confere a robô de limpeza a capacidade de “saber” onde está e de “planejar” tarefas

Robôs utilizados para a limpeza de residências e escritórios são comuns nos Estados Unidos, onde podem ser comprados por preços acessíveis (entre 300 e 600 dólares) até em supermercados. Embora facilitem a vida dos consumidores, esses equipamentos poderiam ser ainda mais eficientes, caso tivessem a capacidade de se localizar em ambientes internos sem nenhuma ajuda extra e executar, de forma planejada, tanto o seu deslocamento quanto o cumprimento das tarefas para as quais foram projetados. Sistema desenvolvido para a tese de doutorado do cientista da computação Paulo Gurgel Pinheiro, defendida no Instituto de Computação (IC) da Unicamp, incorpora tais funções a esses objetos de desejo de muitos brasileiros. A tecnologia está sendo analisada pela norte-americana iRobot, uma das maiores do setor no mundo, e pode ser adotada já na próxima série de robôs a ser lançada pela empresa no mercado.

Pinheiro começou a pesquisar na área da robótica ainda no mestrado. Na ocasião, ele já havia escolhido como tema de investigação a questão da localização de robôs móveis, uma das mais exploradas pela ciência por causa da sua importância para a resolução de outros problemas. “A localização é fundamental porque constitui pré-condição para estabelecer a melhor trajetória para que o robô cumpra a sua missão”, explica. De acordo com o pesquisador, resolver o problema da localização autônoma em ambientes internos não é uma tarefa trivial, como pode parecer. Tanto é assim que os robôs comerciais ainda não dispõem desse atributo.

Estes, ao serem ligados, aspiram a sujeira (poeira, cabelo, migalhas de pão etc) do chão do cômodo onde estão. Como não são capazes de se localizar, passam automaticamente para outro ambiente, sem planejar a missão. Desse modo, se forem eventualmente transportados para outro ponto da casa ou escritório durante a limpeza, eles não perceberão a mudança e continuarão trabalhando como se continuassem no espaço original. Ou seja, não são capazes de fazer inferência sobre onde estão. Graças ao sistema de localização concebido por Pinheiro, essa limitação foi superada. Ao incorporar a tecnologia aos robôs comerciais, por meio de um prosaico pen drive, Pinheiro conseguiu fazer com que eles se tornassem muito mais eficientes, pois passaram a identificar rapidamente em que ponto da casa ou escritório estão.

Nos testes que fez, durante temporada de estudo que cumpriu nos Estados Unidos, na Universidade de Minnesota, no contexto de um doutorado sanduíche, o pesquisador constatou que o sistema tornou a inteligência artificial presente nos robôs, digamos, ainda mais inteligente. O sistema funciona mais ou menos assim. Imagine-se que a tecnologia concebida por Pinheiro já tenha sido incorporada aos equipamentos comerciais. Ao comprar uma unidade no supermercado, o consumidor baixará um programa para poder transferir o mapa da casa (planta baixa) para a memória do robô.

Ao ser ligado, este levará dois dias para “aprender” qual é o padrão da residência: número de cômodos, número de moradores, qual espaço é mais sujo e qual pessoa suja mais. “Depois de cruzar todas as informações, ele planejará o melhor traçado e a melhor forma de limpar. Além disso, o robô estará sempre reconhecendo novos padrões e se adaptando a eles”, garante Pinheiro. Na prática, isso significa que o robô terá a capacidade de identificar onde está e traçar o melhor caminho para cumprir sua missão, sem ficar andando aleatoriamente pela casa. Ademais, se for carregado por uma pessoa ou animal de estimação para outro espaço, ele perceberá a mudança e voltará ao ponto de origem para dar continuidade à tarefa. Esse aspecto é importante porque otimiza o trabalho e reduz o consumo de energia.

O robô também decidirá, com base no padrão identificado, qual cômodo limpar primeiro e qual deixar por último. “Esse é um aspecto fundamental. Numa residência onde vivem pai, mãe e um adolescente, é muito provável que os adultos acordem mais cedo. Então, é o quarto dos pais que o robô limpará primeiro, deixando o do filho para depois. Baseado nesse mesmo modelo de decisão, o equipamento poderá deixar para limpar a cozinha à noite, visto que nesse horário não é conveniente estar nos quartos, pois os moradores estarão dormindo”, exemplifica o autor da tese.

As vantagens não param por aí, garante Pinheiro. Caso a rotina da casa seja alterada, o robô também perceberá a mudança e se adaptará a ela. “Um exemplo é a chegada de mais um morador. O sistema reconhecerá essa presença e adotará um novo padrão de limpeza, visto que passará a considerá-la nas suas tarefas”, enfatiza o cientista da computação. Os equipamentos convencionais conseguem subir um pequeno degrau e não se detêm quando encontram um tapete pela frente. Além disso, se estão no topo de uma escada, param para evitar acidentes. Com o sistema de localização desenvolvido pelo pesquisador da Unicamp, esses aspiradores de pó robotizados vão ainda mais longe.

O pesquisador explica que o software confere aos equipamentos a propriedade de não confundir pessoas e objetos com uma parede, por exemplo. “Nós criamos um modelo ao qual demos o nome de mundo mágico probabilístico. Ele utiliza padrões arquiteturais e de design, que levam em consideração dados como quantidade de portas e paredes e área total do ambiente, de modo a condensar informações que possam ser redundantes, comprimindo o mapa original do ambiente em um mapa menor e mais otimizado. A partir da representação da casa ou escritório, o robô entende e aprende os padrões arquitetônicos de cada cômodo separadamente. Esse mesmo mundo mágico também faz com que ele diferencie pessoas e objetos dentro de um modelo probabilístico”, pormenoriza.

Explicando de maneira simples, o equipamento enxerga tudo como uma nuvem cinzenta de probabilidades. O robô então se aproxima para checar se o que está identificando é uma pessoa, uma mesa ou uma parede. “Se a pessoa ou animal de estimação se movimenta, ele desconsidera e desvia. Se o objeto fica fixo, ele desvia, mas registra na memória como um obstáculo que estará presente nas próximas vezes em que passar por aquele ponto”, diz Pinheiro. Uma das vantagens desse sistema, conforme o pesquisador, é que ele pode ser adaptado a diversos tipos de robôs, que trabalham com diferentes modelos de sensores, dos mais simples aos mais sofisticados. O trabalho desenvolvido por Pinheiro foi orientado pelo professor Jacques Wainer, do IC da Unicamp, e coorientado pelo professor Stergios Roumeliotis, da Universidade de Minnesota. Pinheiro contou com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Sistema de localização está sendo adaptado para cadeiras de rodas

 O software de localização desenvolvido pelo pesquisador da Unicamp não se aplica somente a robôs de limpeza, como já dito. Ele também pode ser utilizado em outros equipamentos robotizados, para o cumprimento de tarefas que podem ser consideradas mais nobres. É o que Paulo Gurgel Pinheiro está testando no momento, no contexto do pós-doutorado que realiza na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Universidade, sob a orientação do professor Eleri Cardozo. Os pesquisadores estão adaptando o sistema a cadeiras de rodas que serão destinadas a pacientes com traumas neurológicos que tenham provocado perda total ou parcial das habilidades motoras.

“Como o programa consegue fazer um robô se localizar autonomamente em qualquer ambiente da casa, o paciente só precisará se preocupar para onde deseja ir, e a cadeira robótica descobrirá onde ela está e como chegar até o ponto desejado, fazendo o melhor trajeto possível. A escolha dos pontos de destino pode ser feita por pacientes com graves limitações físicas, mesmo por aqueles que consigam movimentar apenas os olhos para acionar os comandos, que poderão estar disponíveis num menu, na tela de um tablet”, antecipa o pesquisador.

Nesse caso, o procedimento será o mesmo em relação aos robôs de limpeza. Bastará que o usuário conecte o pen drive com o sistema na cadeira para que ela receba os dados do programa. “Como o sistema é capaz de se localizar sem ajuda externa, mesmo que o paciente seja levado involuntariamente para outro ambiente, a cadeira reconhecerá a nova localização e voltará ao ponto de origem sozinha. Ou, então, seguirá dali até o destino final. Ademais, a cadeira também poderá funcionar como um robô convencional. Nesse caso, imaginemos que a pessoa está na cama e quer receber o café da manhã. Bastará que ela acione o comando para que o veículo vá até a cozinha. Lá, outra pessoa colocará a refeição em um suporte e a cadeira tratará de levá-la ao quarto, a despeito do surgimento ou não de um novo obstáculo”, antevê Pinheiro.

Conforme o cientista da computação, embora as pesquisas em robótica ainda estejam em fase inicial no Brasil, já há ótimos profissionais trabalhando na área no país. “O que mais diferencia o trabalho daqui com o que é feito nos Estados Unidos, por exemplo, é o nível de financiamento, que lá é muito maior. Desse modo, os resultados surgem muito mais rapidamente por lá. Em termos comerciais, a diferença é gritante. Enquanto os norte-americanos podem comprar robôs, como os de limpeza, em supermercados a preços acessíveis, aqui eles são raros e muito caros. Um dos meus objetivos em trabalhar com robótica no Brasil é contribuir para despertar o interesse dos estudantes de graduação para esse ramo da ciência, de modo a fazer com que as facilidades geradas por ele possam ser futuramente incorporadas ao nosso dia a dia”, pondera.

Publicação

Tese:Planning for Mobile Robot Localization Using Architectural Design Features on a Hierarchical POMDP Approach
Autor: Paulo Gurgel Pinheiro
Orientador: Jacques Wainer
Coorientador: Stergios Roumeliotis (Universidade de Minnesota)
Unidade: Instituto de Computação (IC)
Financiamento: Capes
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Texto: Manuel Alves Filhos
Fotos: Antoninho Perri
Edição de imagens: Diana Melo
Fonte: http://www.unicamp.br/unicamp/ju/579/inteligencia-ampliada

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