sábado, 12 de outubro de 2013

O Concerto das Nações: o original e a sequência

Perry Anderson*

Uma questão fundamental que se nos apresenta, quer vivamos no norte ou no sul do planeta, é que tipo de sistema interestatal a humanidade terá pela frente no início do século 21. Nesta fase dos acontecimentos, apenas conjecturas são possíveis, com diferentes graus de plausibilidade. Mas talvez a mais provável – é o que vou argumentar – possa ser descrita por meio da analogia com uma ordem internacional anterior, o assim achado Concerto das Nações europeu que se desenvolveu após a derrota final de Napoleão na Europa, em 1815. Esse sistema, integrado por Grã-Bretanha, Rússia, Áustria, Prússia e França, foi projetado para superar os conflitos militares gerados pela política do “equilíbrio de poder” do século 18 e prevenir novas guerras entre os principais Estados do continente, para evitar qualquer repetição dos levantes revolucionários a que, era essa a impressão, tais guerras haviam levado, gerando, por sua vez, conflitos ainda mais catastróficos – do tipo personificado na carreira de Napoleão. Paradoxalmente, no entanto, foi durante o próprio período da Restauração Europeia na qual surgiu este concerto que as guerras revolucionárias de independência na América Hispânica tiveram sucesso – produzindo a primeira multiplicação de repúblicas na história mundial – e que o Brasil obteve sua independência de Portugal. Tais acontecimentos foram, por si sós, consequências inesperadas da Revolução Francesa e de suas repercussões napoleônicas, que derrubaram ou expulsaram as monarquias absolutistas na Espanha e em Portugal. Nesse sentido, o nascimento da “América Latina”, como a conhecemos hoje, veio no contrafluxo da ordem internacional dominante naquele tempo.

No século 21, o panorama emergente das grandes potências apresenta notáveis semelhanças com o cenário na Europa após o Congresso de Viena. A vitória do Ocidente na Guerra Fria (assim como a dos Aliados sobre Napoleão), colocando em suspenso o espectro da Revolução de Outubro (como as batalhas de Waterloo e Leipzig fizeram com a Revolução Francesa), sedimentou as bases para uma nova era de restauração política e ideológica, e com ela novas possibilidades de coordenação conservadora entre os principais Estados do período, concebida, como aquela do acordo de Viena, para estabilizar o status quo contra as ameaças de ruptura ou subversão. O medo de grandes guerras – já silenciado pela dissuasão nuclear mútua durante a Guerra Fria – tem diminuído. Mas os temores de instabilidade econômica, e com isso de potencial convulsão social, tomaram seu lugar, mantendo as principais potências unidas em uma preocupação comum para garantir a ordem existente, na qual seus destinos têm se tornado cada vez mais interdependentes.

A ideologia dominante do antigo Concerto Europeu foi o legitimismo; a de seu equivalente pós-moderno, o neoliberalismo. Para o sistema de Congresso do período da Restauração, há agora os correspondentes encontros do G-7, o Conselho de Segurança, e as rodadas intermináveis de reuniões gerais de cúpula contemporâneas. O Concerto Europeu original era conhecido pelos que viveram sob ele como uma pentarquia regida pelas cinco grandes potências da Europa. Aqueles que preveem a cristalização de um outro Concerto semelhante nos dias de hoje normalmente têm em mente outra pentarquia. As cinco grandes potências nas mãos de quem a paz e a prosperidade do mundo se apoiam – em sua própria opinião – são: Estados Unidos, União Europeia, China, Rússia e Índia. Seu denominador comum não é apenas o tamanho do território ou da população, mas a posse de um arsenal nuclear.

Onde, nesta época de Restauração, se encaixam a América Latina em geral e o Brasil em particular? Mais uma vez, como naquele momento anterior, no contrafluxo. Sozinho entre as principais regiões do mundo, o rumo tomado pelo sul do Continente, pelo menos desde a virada do século, foi não em direção a, mas para longe do neoliberalismo reinante e suas dinâmicas de privatização, desregulamentação e aumento da desigualdade econômica e social. Liderando este movimento no contrafluxo tem estado o país que, por sua dimensão demográfica, econômica e territorial deveria logicamente ser um candidato a participar de qualquer concerto entre as principais potências do mundo, o Brasil. No entanto, fora de suas fronteiras, o país ainda é raramente considerado uma potência. Esta é uma posição negativa ou positiva? E deve durar por quanto tempo? O que pode levá-la a um fim? Estas são algumas das perguntas a serem feitas por qualquer um preocupado com o futuro do país.
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* PERRY ANDERSON. Professor de História e Sociologia na University da Califórnia, em Los Angeles (EUA)
 Tradução de Carlos André Moreira
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