segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Edgar Morin. Todo ato ético é um ato de religação

 
Neste último sábado, dia 9 de novembro, com a apresentação e debate do Método VI: Ética, ocorreu o encerramento do Ciclo de Estudos sobre “O Método” de Edgar Morin, uma iniciativa do Cepat/CJ-Cias em parceria com a Pastoral da Universidade (PUCPR) e o Instituto Humanitas Unisinos, totalizando sete encontros. André Langer (foto), ex-membro da equipe do Cepat/CJ-Cias e professor da Faculdade Vicentina, em Curitiba, fez uma disciplinada apresentação das principais contribuições de Edgar Morin para a compreensão do significado da ética.

Embora não estivesse nos planos iniciais de Edgar Morin escrever um livro específico sobre a ética em seu Método, ao levar a cabo esta incumbência deixou para todos uma consistente e coerente reflexão sobre o agir humano frente aos grandes desafios apresentados na contemporaneidade. Como a vivência ética não se dá isolado do mundo, de um modo geral, deve-se relacionar a ética com o conhecimento, com a ciência, com a política, com a economia, etc. O sujeito impelido pela exigência moral é composto por uma tríade inseparável: indivíduo-sociedade-espécie, ou seja, pelas fontes biológica, individual e social. Neste sentido, todo olhar sobre a ética deve levar em conta a dimensão egocêntrica (o eu) e a potencialidade fundamental do desenvolvimento do altruísmo (o nós). Dialogicamente, o sujeito vive para si e para o outro.

Dada essa ênfase, pode-se dizer que um ato moral sempre será um ato individual de religação. Religação com o outro, com a comunidade, com a sociedade e também com a espécie humana.

Morin reconhece que, apesar das lacunas dadas pelos fanatismos religiosos e etnocentrismos nacionais, a universalização da ética, independente de sua identidade, inicia-se com as grandes religiões transculturais como o budismo, cristianismo, islamismo e, enfim, como humanismo europeu. No processo de laicização, retira-se da ética social o imperativo religioso. Desta forma, nos tempos modernos ocorre um processo de consolidação da autonomia de diversas instâncias como a política, a economia, a ciência, a arte, etc. Uma das consequências deste desenvolvimento incide na autonomia individual, que gerou uma privatização da ética. Com a exasperação do individualismo, há uma inibição das potencialidades altruístas e solidárias.

Tudo isto acarreta em um encolhimento do sentido de responsabilidade, de tal forma que se percebe uma crise nos fundamentos da ética no mundo ocidental. Para enfrentar essa crise ética é preciso levar em consideração uma religação da tríade indivíduo/sociedade/espécie.

Neste ponto, André Langer enfatizou a importância que o Método VI confere à religação com o cosmos. “Tudo o que é cósmico diz respeito essencialmente ao homem, tudo o que é humano diz respeito essencialmente ao cosmos”. Para religar-se ao cosmos, Morin compreende que é necessário uma religação biológica, proveniente de uma religação antropológica, que primordialmente deve ser estabelecida pelo amor: “experiência fundamental de religação dos seres humanos”.

Também é fundamental compreender o contexto no qual acontece o agir ético. Uma ética que ignore o problema dos efeitos e consequências dos seus atos é insuficiente. Neste sentido, Morin instaura sua cara concepção a respeito da ecologia da ação, que “indica-nos que toda ação escapa, cada vez mais, à vontade do seu autor na medida em que entra no jogo das relações inter-retro-ações do meio onde intervém”. Assim, é preciso estar ciente que, muitas vezes, uma boa ação pode fracassar, ser distorcida ou desviada de seu objetivo inicial. É preciso estar atento às condições próprias ao meio onde ela se dá.

Há, aqui, uma clara percepção dos limites das previsões humanas sobre o seu próprio devir, ou seja, é necessário reconhecer que o ser humano não é capaz de prever e ter o total controle sobre o resultado de suas ações. O ser humano facilmente cai nas armadilhas da escassez de senso crítico, provocada pela autocegueira, derivada das recorrentes mentiras para si mesmo e de sua capacidade seletiva de memorizar o que lhe convém e de esquecer o que não lhe agrada. Neste campo da ilusão humana, Morin se depara com dois tipos de “moralina”: a indignação, que exclui a reflexão e a racionalidade, conduzindo à desqualificação do outro; e a moralidade da redução, que coloca o outro no mais baixo da escala, encerrando outras possibilidades de enxergá-lo.

Para enfrentar esta tendência do ser humano ao erro ou ilusão, Morin apresenta as seguintes alternativas: uma análise do contexto onde deve ser realizada a ação, o conhecimento da ecologia da ação, o reconhecimento das incertezas e ilusões éticas, a prática da auto-análise (exame de consciência), a escolha refletida de uma decisão, a consciência da aposta que ela comporta.
Para um honesto agir ético é preciso evitar o “pensar mal”, adveniente da fragmentação, compartimentação e atomização do saber, e trabalhar pelo “pensar bem”, que reconhece a complexidade humana, não dissociando indivíduo/sociedade/espécie.

Quando discorre sobre o papel da ciência e da técnica, Morin menciona a erupção de uma tecnociência, que engendrou poderes titânicos. Toda a problemática dos efeitos dessa tecnociência está relacionada à histórica disjunção que produziu entre o saber e a ética. Neste âmbito, um longo processo de ausência de controle ético e político sobre a tecnociência acarretou um resultado ambivalente: sucesso material e fracasso moral.

Outros importantes aspectos do debate sobre o Método VI poderiam ser destacados, já que se trata de uma colossal contribuição. Contudo, uma frase presente no final do Método VI, relembrada por André Langer, no final de sua apresentação, pode significar um breve resumo daquilo que seria uma boa decisão de conduta pessoal: “Ame para viver, viva para amar. Ame o frágil e o perecível, pois o mais precioso, o melhor, inclusive a consciência, a beleza, a alma, são frágeis e perecíveis”.

Ao finalizar este ciclo de estudos, fica evidente o quanto a obra de Edgar Morin tem a dizer para todos, nesse início de terceiro milênio. O encontro, o diálogo, a complementação, o perdão e a reconstrução, a partir de uma compreensão mais ampla do mundo, da cultura e da natureza, ampliam em todos nós um desejo de perscrutarmos os caminhos possíveis e necessários para a potencialidade geradora de vida.
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O texto é de Jonas Jorge da Silva, membro da equipe do Cepat/CJ-Cias.
Fonte: IHU on line, 11/11/2013

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