quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O amor é forte como a morte

Abrão Slavutzky*
 
Amor e morte são duas temáticas universais. São palavras que definem a própria condição humana e se reúnem nesta frase: O amor é forte como a morte, do erótico Cântico dos Cânticos (8,6), o Shir a Shirim em hebraico. O amor é o antídoto da morte, indispensável para viver do dia do nascimento até o dia final. Já a morte vence a vida, mas não pode vencer o amor; o morto segue vivo nos corações de seus amores. Aliás, não só vive, como irrompe em conversas, recordações e sonhos. Por outro lado, tanto o amor quanto a morte revelam a fragilidade da condição humana.

Comecemos com o amor, que nos permite vislumbrar uma outra vida, que é a vivacidade pura. O amor, ah, o amor, tende a ser idealizado, como se existisse em forma pura, perfeito, total. Na verdade, amor e ódio convivem, um enigma difícil de entender. Por incrível que pareça, ocorre um intenso amor e um ódio da mesma intensidade dirigido à mesma pessoa. Esse comportamento humano se define como ambivalência, somos ambivalentes. Temos dois sentimentos opostos nas relações afetivas, a começar na relação consigo próprio. Às vezes, sofremos por necessidade de castigo, outras brigamos com quem amamos, pois os conflitos amorosos são inevitáveis. Por isso, a grande arte é aprender a conviver com nossas inevitáveis contradições.

Diante dos lutos, estamos sempre nos recuperando dos efeitos mortificantes da pulsão de morte. Uma pulsão silenciosa, que gera um vazio, um sentimento de desamparo. Sofremos as separações de que fomos vítimas, pois nossas perdas estão fixadas no tempo. Logo, como manter o amor diante das frustrações e dos fracassos é a questão. Cada vez mais se estuda a importância de diminuir as sofridas mortificações. Uns buscam a fé, outros a arte, e também há grupos de danças circulares, trabalhos comunitários, grupos de apoio, terapias, entre outros. E também há o Twitter, o Facebook, e-mails, e conversas, onde todos buscam a fraternidade perdida.

Na realidade, como na ficção, dominam as histórias de amor e morte. Entre as que vivi, destaco hoje esta: acompanhei os pais de um jovem doente de câncer. Um dia, contaram que a doença avançou e se esgotaram as possibilidades terapêuticas. Os pais falavam e choravam, mais choravam que falavam. Às vezes, me segurava para não chorar, e um dia o jovem morreu e segui convivendo com o casal as dores da perda. O tempo passou, até que, uns 30 anos depois, encontro eles na rua e conversamos. Em minutos, me põem a par do que passaram nesse longo período. O pai, agora com quase 90 anos, e a mãe disseram como suas vidas seguiram caminhos novos entre a arte e os estudos. E, também, sobre os netos que tiveram de um segundo filho. Percebi como puderam ter um destino criativo e não destrutivo, como às vezes ocorre diante de perdas traumáticas. Foi um encontro breve, um encontro sem uma só queixa, um encontro apaixonante, com um casal apaixonado pela vida.
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*Psicanalista
Fonte: ZH on line, 06/11/2013
Imagem da Internet

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