sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Zizek funciona como um conservador

Paulo Ghiraldelli*  
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Zizek é o comunista da mídia. Claro! Agora que ninguém mais é comunista, um comunista pode ir para a mídia. Principalmente se é o único. Ele fala coisas interessantes, não nego isso. Mas infelizmente está preso a uma ideia maldita, uma das ideias mais antifilosóficas que conheço. Ele acredita que o comunismo ou o socialismo ou o marxismo (tomo isso tudo genericamente aqui) é como uma ilha de liberdade diante da hegemonia do capitalismo. Em outras palavras: “comunismo” encerra um espaço necessário. 

Ele não é um tolo que não sabe do estalinismo e dos problemas todos da barbárie sob o socialismo. Ao contrário, ele sabe muito bem essa história toda. Marxistas sempre foram eruditos em marxismo e história do comunismo – até o ponto de serem chatos, pois alguns podiam contar o que Lênin cochichou com Krupskaia na reunião do dia tal e tal! Ele fala em ilha de liberdade a partir da ideia de que, ao menos ele próprio, precisa se colocar em algum polo que possa funcionar como alguma coisa que tenha um cercado, uma proteção, para que ali seja feita alguma crítica a um conjunto  social e de ideias que passou a ser aceita como alguma coisa eterna, correta, imutável e incriticável. Todavia, é justamente essa ideia que não me satisfaz. Parece razoável essa ideia. Mas ela é a pior possível.

Penso que não preciso nem um pouco de qualquer coisa do comunismo, a não ser a história de suas cabeçadas, para poder ficar teórica e praticamente insatisfeito com o mundo capitalista. Posso fazer de qualquer situação imaginária minha ilha. Mas posso fazer também a partir de várias situações existentes o meu local de crítica. Além disso, não preciso em nenhum dos dois momentos chamar esse meu polo de utópico. Nem mesmo de ideal. Posso simplesmente deixá-lo como uma clareira que sei que é uma clareira, sem, no entanto, conseguir visualizar qualquer coisa lá naquele espaço. Minha insatisfação é tão produtiva quanto qualquer outra, tenha eu ou não um lugar para apontar como sendo o melhor ou que seria o melhor.

Ideais são uma coisa, utopias são outra coisa, e possuem sua utilidade, mas não necessariamente a insatisfação e a crítica precisam delas para funcionar.  No pensamento crítico tradicional o filósofo precisa do ideal ou do utópico para colocar o primeiro no horizonte e o segundo na imaginação, e, então, a partir daí, apontar polos podres do lugar em que vive. Mas há modos de pensar que não repetem o tradicional na crítica.

Creio que é negar a capacidade da filosofia exigir dela que mantenha a noção de comunismo como um elemento que aglutina as possibilidades de crítica do capitalismo. Rorty falava em sociedade futura a partir da ideia de “versões melhores de nós mesmos”. Versões melhores, sim, mas de nós mesmos. Enfatizo aí o “nós mesmos”. Não se trata do “novo homem”, mas de nós. Posso gostar de Thomas Morus (a utopia) ou mesmo de Marx (o comunismo como ideal) para pensar em polos diferentes do que existente, mas não preciso deles para ficar incomodado produtivamente com o existente. É isso que Zizek parece não compreender. Ele insiste em ter um porto para ancorar um navio que há muito não precisa mais de porto algum. Trata-se de um navio que produz sua própria energia e tem em seu convés um produtor de alimentos. Ele jamais precisa voltar ao porto. Ele sequer precisa de bandeira! Nem mesmo ele tem uma carta de navegação. Ele atravessa nevoeiros despreocupado às vezes, pois não tendo objetivo muito definido, não precisa chegar a lugar algum com rapidez.

Zizek quer ser muito imaginativo. Mas, nesse seu apego ao comunismo, mesmo da forma que faz, apenas como polo teórico do que é diferente, ele se mostra completamente sem a força imaginativa que seria próprio da filosofia. Esse seu apego a uma noção existente o faz não um radical para além de Marx, mas, na verdade, um conservador.  Ora, talvez por isso mesmo, ele seja tão palatável na mídia. A direita até gosta dele. Gosta de xingá-lo e quando ele fala de violência, a direita o recrimina e, depois, a quatro paredes diz: é isso mesmo, é tudo para ser feito a ferro e fogo.
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*Paulo Ghiraldelli, filósofo.
Fonte:  http://ghiraldelli.pro.br/zizek-funciona-como-um-conservador/14/11/2013

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