domingo, 9 de fevereiro de 2014

Zygmunt Bauman: "A cultura é um campo de batalha e um parque de diversões"

Zygmunt Bauman, em fevereiro de 2005, na Varsóvia (Foto: Wikipédia)
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman é um dos últimos pensadores da totalidade contemporânea. Ele reflete sobre os fatos da política, da vida e da cultura sob a perscpectiva da precariedade de valores e a metamorfose comportamental que a humanidade experimenta hoje. Neste entrevista a ÉPOCA, ele aborda a questão da insegurança da civliização a partir da vida cultural
LUÍS ANTÔNIO GIRON
 
ÉPOCA – O senhor formulou sua teoria da modernidade líquida no fim do século XX. Ela ainda é válida em pleno século XXI?
Zygmunt Bauman –
Não vejo razão para revisar minha descrição da modernidade líquida elaborada na virada do milênio. O aspecto mais duradouro dela se dá na percepção no estado de interregno: velhos modos de fazer as coisas não estão mais funcionando adequadamente, enquanto os novos, mais adequados e efetivos, ainda estão sendo procurados, experimentados, testados e rejeitados. Quase não sabemos de onde estamos tentando sair e não temos clareza, ou uma visão confiável para aonde vamos.

ÉPOCA – No seu livro Cultura no mundo líquido moderno, o senhor afirma que as redes substituíram as estruturas em nossa cultura. A cultura também sofreu enormes transformações nos últimos cem anos. O senhor poderia explicar tais mudanças?
Bauman –
Até por volta da metade do século passado, a cultura era vista como uma forma de aplicação homeostática, que mantinha um equilíbrio com o tipo de realidade que era reproduzido monotonamente numa rotina diária. Agora a cultura é crescentemente vista como uma espécie de faca pressionada contra o futuro. Trata-se de uma força que avança por novos trilhos. Ela critica as realidades instantâneas e explora os meios alternativos de estar no mundo. É também considerada tanto um campo de batalha como um parque de diversões de modas em confronto. Já não é mais uma instituição com um currículo uniforme. Tornou-se uma ferramenta mais de mudança do que de conservação.

ÉPOCA – Por que a história da cultura está enfrentando uma situação pós-paradigmática, como o senhor diz, de falta de um modelo civilizatório, embora não haja ainda um substituto para o velho paradigma da cultura tradicional?
Bauman –
O paradigma de hoje é precisamente a rejeição de paradigmas. Por conseginte, em relação à cultura contemporânea, o termo pode ser usado, como Jaques Derrida sugeriu, somente “sous rature” (sob rasura). Pode-se usar para explicar a situação da cultura a alegoria de uma variedade de intenções monoteísticas lançadas e concorrendo entre si dentro de um ambiente irreparavelmente politeísta. Quer dizer, vivemos sob a proteção de uma concepção múltipla de cultura, mas dentro dela confronta mos convicções que se opõem.

ÉPOCA – A cultura e as artes podem sobreviver à degradação dos valores que a humanidade vive hoje?
Bauman –
A cultura e as artes continuarão tentando, embora sua eficácia corra perigo. Tudo dependerá da vontade e do entusiasmo dos artistas e do resto dos agentes cultruais – criadores, intelectuais e agitadores. No momento, os valores não estão degradados. Eles estão aparecendo e desaparecendo muito rapidamente para sedimentar em cânones e, assim, consolidar um poder duradouro.

ÉPOCA – O pensamento crítico ainda tem uma função a cumprir em um mundo tão conturbado? Ou a crítica é excessivamente sólida para estes tempos fluidos?
Bauman –
A modernidade na sua versão líquida é uma espécie de espora, não um obstáculo, para o pensamento crítico.  A modernidade fornece alimento à crítica em volumes jamais verificados. A crítica segue de perto e prontamente cada revolução no itinerário sinuoso do modo de vida humano. É muito presunçoso anunciar a morte do pensamento crítico. O único problema é a fragilidade dos laços que o conectam ao momento a mudança histórica. Como disse antes, as conexões herdadas já não funcionam adequadamente, enquanto as novas ainda estão à espera para se tornar efetivas.
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Fonte: http://epoca.globo.com/ideias/

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